Associação Nacional de História divulga moção de repúdio ao governo e ao ministro da Justiça
Nós, profissionais de História, reunidos em assembleia geral da Associação Nacional de História (ANPUH), realizada no dia 30 de julho de 2015, por ocasião do XXVIII Simpósio Nacional de História, nas dependências do campus da Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, considerando:
1) A carta aberta dos representantes dos povos Guarani e Kaiowá, reunidos no mês de julho de 2015, por ocasião da realização da Aty Guasu ou Grande Assembleia, no tekoha Arroyo Korá, localizado no município de Paranhos, Mato Grosso do Sul;
2) A violação de direitos humanos fundamentais de comunidades Guarani e Kaiowá que vivem precariamente em acampamentos à margem de estradas no estado de Mato Grosso do Sul, onde residem, por exemplo, crianças e adolescentes impedidos de estudar em escolas públicas;
3) Que o Estado Brasileiro reconheceu sua participação em casos de violação grave de direitos humanos fundamentais dos povos indígenas no Brasil, no período de 1946-1988, conforme consta no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, publicado em 10 de dezembro de 2014, no qual há a recomendação da regularização de terras indígenas no país como justa reparação, bem como a instauração de uma Comissão Indígena da Verdade;
Vimos repudiar as ações do governo brasileiro e do ministro da justiça, Sr. José Eduardo Cardoso, nas ações que impedem a regularização das terras indígenas no Brasil, em descumprimento ao que determina a Constituição Federal de 1988, como ocorre no estado de Mato Grosso do Sul por conta da não assinatura de portarias demarcatórias sobre áreas já oficialmente identificadas e delimitadas.
Na oportunidade também manifestamos nossa solidariedade e apoio a todos os povos indígenas no Brasil, em especial aos Guarani e Kaiowá que vivem em Mato Grosso do Sul, os quais têm tido seus direitos territoriais sistematicamente violados por parte do Estado Brasileiro e de setores das elites políticas nacionais ligados ao movimento ruralista.
Assembleia Geral da ANPUH
Em anexo, enviamos, com endosso da Associação Nacional de História, as recomendações da Comissão Nacional da Verdade com relação aos povos indígenas:
– Pedido público de desculpas do Estado brasileiro aos povos indígenas pelo esbulho das terras indígenas e pelas demais graves violações de direitos humanos ocorridas sob sua responsabilidade direta ou indireta no período investigado, visando a instauração de um marco inicial de um processo reparatório amplo e de caráter coletivo a esses povos.
– Reconhecimento, pelos demais mecanismos e instâncias de justiça transicional do Estado brasileiro, de que a perseguição aos povos indígenas visando a colonização de suas terras durante o período investigado constituiu-se como crime de motivação política, por incidir sobre o próprio modo de ser indígena.
– Instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, exclusiva para o estudo das graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, visando aprofundar os casos não detalhados no presente estudo.
– Promoção de campanhas nacionais de informação à população sobre a importância do respeito aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição e sobre as graves violações de direitos ocorridas no período de investigação da CNV, considerando que a desinformação da população brasileira facilita a perpetuação das violações descritas no presente relatório.
– Inclusão da temática das “graves violações de direitos humanos ocorridas contra os povos indígenas entre 1946-1988” no currículo oficial da rede de ensino, conforme o que determina a Lei no 11.645/2008.
– Criação de fundos específicos de fomento à pesquisa e difusão amplas das graves violações de direitos humanos cometidas contra povos indígenas, por órgãos públicos e privados de apoio à pesquisa ou difusão cultural e educativa, incluindo-se investigações acadêmicas e obras de caráter cultural, como documentários, livros etc.
– Reunião e sistematização, no Arquivo Nacional, de toda a documentação pertinente à apuração das graves violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas no período investigado pela CNV, visando ampla divulgação ao público.
– Reconhecimento pela Comissão de Anistia, enquanto “atos de exceção” e/ou enquanto “punição por transferência de localidade”, motivados por fins exclusivamente políticos, nos termos do artigo 2o , itens 1 e 2, da Lei no 10.559/2002, da perseguição a grupos indígenas para colonização de seus territórios durante o período de abrangência da referida lei, visando abrir espaço para a apuração detalhada de cada um dos casos no âmbito da Comissão, a exemplo do julgamento que anistiou 14 Aikewara-Suruí.
– Criação de grupo de trabalho no âmbito do Ministério da Justiça para organizar a instrução de processos de anistia e reparação aos indígenas atingidos por atos de exceção, com especial atenção para os casos do Reformatório Krenak e da Guarda Rural Indígena, bem como aos demais casos citados neste relatório.
– Proposição de medidas legislativas para alteração da Lei no 10.559/2002, de modo a contemplar formas de anistia e reparação coletiva aos povos indígenas.
– Fortalecimento das políticas públicas de atenção à saúde dos povos indígenas, no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (Sasi-SUS), enquanto um mecanismo de reparação coletiva.
– Regularização e desintrusão das terras indígenas como a mais fundamental forma de reparação coletiva pelas graves violações sofridas pelos povos indígenas no período investigado pela CNV, sobretudo considerando-se os casos de esbulho e subtração territorial aqui relatados, assim como o determinado na Constituição de 1988.
– Recuperação ambiental das terras indígenas esbulhadas e degradadas como forma de reparação coletiva pelas graves violações decorrentes da não observação dos direitos indígenas na implementação de projetos de colonização e grandes empreendimentos realizados entre 1946 e 1988.