30/07/2015

A invisibilidade indígena em Amambai

“A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte” (Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto)

A música “Comida”, dos Titãs, banda de Rock dos anos 90, hoje mais pop, sempre me inspirou como um hino ao desejo. A ação do humano, como ser pensante, é a busca da satisfação de seus desejos e suas necessidades, de todas, das mais básicas, como alimentação, trabalho, segurança… às mais difusas, como lazer, arte, experimentação… Isso sempre me pareceu intrínseco ao ser humano, visto que, a maioria das pessoas, nunca está satisfeita com o que tem, buscando ir sempre além, na conquista de bens, de valores e de espaços de participação.

A cidade de Amambai sempre foi um espaço de pouca opção para a juventude, que como ser humano, quer mais do que tem sempre. A cidade é linda, não pelos pontos turísticos, afinal são praticamente inexistentes, mas sim pela sua gente. É uma cidade sui generis, singular, no tocante a sua população. Somos uma mescla de povos. Aqui existem os sulistas, oriundos e descendentes dos gaúchos, catarinenses e paranaenses. Temos os paraguaios e seus descendentes. Temos nordestinos, mineiros, paulistas… Afinal aqui foi um dos “eldorados” dos anos passados, onde pessoas de vários cantos buscavam oportunidades de riqueza, fama e sucesso. Mas aqui já tinha gente. Aqui viviam, e vivem, os Guarani e Kaiowá, povo indígena com história, cultura, valores e forma de vida e produção dos saberes e fazeres.

Segundo dados oficiais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e da Fundação Nacional do Índio (Funai), Amambai possui uma das maiores populações indígenas do estado do Mato Grosso do Sul, com aproximadamente 9 mil seres humanos, vivendo em três aldeias no município (Amambai, Limão Verde e Jaraguari), perfazendo um porcentual de 25% da população do município, que, como todo ser pensante, quer ir além de onde está.

Quando ando na cidade, vendo os serviços públicos e privados, parece que não existem indígenas em Amambai. Eles não aparecem. Eles não são notados. No comércio, maior fonte de emprego por aqui, não vi nenhum trabalhador indígena. Se existe, não são nas lojas e mercados que eu já estive nesse meu ano e meio de volta à cidade. Nos espaços públicos só os vejo nos trabalhos braçais, e são poucos.

Só como exemplo, a câmara municipal tem 13 vereadores. Tem vereador de diversos segmentos: fazendeiro, empresário, advogado, ex-prefeito, professor, enfermeiro, radialista… mas não tem nenhum Guarani e Kaiowá. Sendo eles 25% da população não seria meio óbvio que fossem também 25% da representatividade, pelo menos 3 vereadores deveriam ser indígenas. Mas também não existem mulheres entre os vereadores. Coisas da representatividade parcial e viciada que temos no atual sistema político. Muitos dos nobres edis falam em nome dos povos indígenas, ou pelo menos tentam passar essa impressão, mas até quando seremos nós, os não-índios, a falar em nome deles?

Em tempo de acirramento das retomadas de terras pelas comunidades indígenas da região, Amambai e entornos, me incomoda o silêncio dos representantes do povo, do parlamento. Parece que não existem indígenas em Amambai. Os que defendem a classe dos fazendeiros, dos latifundiários, têm se manifestado. Os outros não. Ou não existem outros representantes na câmara? Será que são todos fazendeiros e eu me enganei na minha primeira análise? Pode ser, eu não estava aqui na última eleição, não sei quem pagou cada candidatura, afinal como dizia minha vó “quem paga a banda, escolhe a música”.

No dia a dia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em Amambai, temos diversos Guarani e Kaiowá. Pelo menos lá eles e elas existem. Aparecem. São protagonistas de um processo de reafirmação cultural e valorativa. Confesso que tenho muito orgulho dos meus acadêmicos.

Como bem disse o líder negro estadunidense, Martin Luther King, “o que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética… O que me preocupa é o silêncio dos bons”. Até quando seguirão caladas as pessoas de bem? Até quando as igrejas fingirão que a questão do conflito agrário não existe em Amambai e região? Até quando o preconceito contra os indígenas será visto como natural e aceitável? Até quanto parecerá que não existem indígenas em Amambai?

Precisamos, urgentemente, colocar a temática na roda de debate das pessoas de bem. Não na ótica da assistência, não como passivos dos processos sociais, mas sim entendendo-os como protagonistas de sua história, como seres pensantes, que tem desejo e necessidade de ir além de onde estão.

Esse tema deve ser refletido desnudado das paixões utópicas. Sem mitificar. Sem pré-conceitos, sem preconceitos. Partindo da visão que somos todos cidadãos amambaiense, com os mesmos direitos e as mesmas obrigações em relação ao município.

Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?

Eu tenho fome e sede de direitos, de igualdade, de oportunidades. Não para mim apenas, mas para todas as pessoas. Enquanto houver um humano, um ser pensante, sem direito, igualdade e oportunidade, eu não terei os meus realizados. Afinal, quero muito além de pasto e água. Quero e desejo vida de qualidade para todos e todas. Que fique claro, não sou antropólogo, não estudo a temática indígena. Sou apenas mais um ser pensante… E sigo pensando!

Foto: Terra Indígena Amambai / Arquivo Cimi

Fonte: Luiz Peixoto para o Cimi
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