Guarani e Kaiowá retomam duas áreas da TI Ypo’i-Triunfo em busca de demarcação e Justiça
Mais um capítulo se soma ao histórico de luta pela terra dos Guarani e Kaiowá do tekoha – lugar onde se é – Ypo’i, município de Paranhos, Mato Grosso do Sul. Na noite desta terça-feira, 29, a comunidade realizou retomadas em duas áreas na fazenda São Luís, incidente sobre a Terra Indígena Ypo’i-Triunfo. Essa é a única terra Guarani e Kaiowá cujo relatório de identificação está concluído, a aguardar apenas a publicação da portaria declaratória pela Funai. Em 2012, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região decidiu pela permanência dos indígenas no local até a conclusão da demarcação.
As retomadas ocorreram sem violência, mas em Paranhos, de acordo com os Guarani e Kaiowá do Ypo’i, capangas são arregimentados para atacar a comunidade. Se acontecer, não será a primeira vez. “Não vamos mais sair. Morremos todos aqui, se o governo quiser. Os estrangeiros são os fazendeiros, não nosso povo”, declara um Guarani e Kaiowá do Ypo’i, que não identificaremos por razões de segurança. O acampamento Ypo’i congrega cerca de 200 pessoas.
Os Guarani e Kaiowá do Ypo’i ficavam literalmente trancados dentro da fazenda. Para chegar até o local do acampamento, no tekoha, era preciso pedir a chave da porteira para o caseiro da propriedade. O transporte escolar não chegava e é preciso caminhar alguns quilômetros até o acesso mais próximo à estrada. O atendimento de saúde também era prejudicado. “O estopim foi o fato de que uma motocicleta usada pela comunidade foi detida por fazendeiros e apreendida enquanto um dos indígenas atravessava a divisa da tekoha com a fazenda São Luís”, comunica o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Regional Mato Grosso do Sul.
“Não queremos nada do caraí (branco). Pedimos que retirem tudo. Nada disso que está aqui nos serve, só a terra. Nos olham como selvagens, mas somos um povo que quer os seus direitos, que quer a vida. A terra foi feita para que todos possam viver bem. Caraí veio e tomou tudo, matou tudo. Deixa para o índio só beira de estrada. Temos crianças e queremos criá-las na terra que não vamos abandonar mais. Nos matem, então”, declarou um Ñanderu do Ypo’i.
As lideranças do Ypo’i reivindicam três pontos: segurança para a comunidade em “luta legítima por seus direitos”, depois das duas retomadas; demarcação imediata da Terra Indígena Ypo’i-Triunfo e punição aos assassinos de Rolindo e Genivaldo Verá, mortos durante ataque de milícia ocorrido há quase seis anos. “Nenhum dos culpados foi julgado e isso machuca nós Guarani. São seis anos que se foram, seis anos que suas pequenas filhas não conhecem seus pais, é pelo futuro das filhas deles e para calar o sentimento de cada espírito deles e nosso que retomamos a nossa terra, este é o motivo”, explica uma das lideranças do Ypo’i.
“O córrego que corta a aldeia, única fonte de água dos indígenas, foi contaminada com veneno em 2012. Na ocasião o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação para garantir o abastecimento de água para a comunidade. Em outra ocasião, os indígenas foram aprisionados tal como gado pelo fazendeiro da São Luís, passando 100 dias atrás de portões fechados, além do cerco físico e psicológico, não tendo acesso aos serviços de saúde, tampouco alimentação, cerco este que só foi desfeito por outra ação judicial”, relembra a coordenação do Cimi-MS.
O Ypo’i consta na lista dos tekoha a serem identificados como parte da Terra Indígena Ñandeva no Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado em 2007.
Formação de milícia e assassinatos
Os indígenas pedem que o Estado cumpra sua função e os proteja. Razoes para temer um ataque não faltam. Formação de milícias para atacar a comunidade do Ypo’i é um fato que poderá se repetir. Em 27 de outubro de 2009, Mario Verá reuniu seus 89 anos de memórias e mais 50 Guarani e Kaiowá para fincar o yvyra’i, um bastão sagrado, no território do Ypo’i. A área retomada na ocasião abrangia uma reserva legal. Três dias depois, Everaldo Nunes Escobar, filho do proprietário da São Luís, Fermino Escobar, ex-integrante do Exército paraguaio, liderou um ataque contra a comunidade, com a ajuda do Poder Público local e do Sindicato Rural.
Desceram à comunidade gritando "kure! kure!" (porco! porco!, uma injúria racista), e distribuindo tiros, porradas e bombas nos índios feriram Mário Verá com uma paulada na cabeça. A comunidade fugiu, e só depois puderam contar os mortos e desaparecidos: Rolindo Verá, professor da aldeia, nunca foi encontrado; o corpo de seu colega, Genivaldo Verá, foi achado dez dias depois, atirado em um riacho. Diz-se que outras duas pessoas permanecem desaparecidas.
A investigação levou ao indiciamento dos três filhos de Fermino Escobar. A participação de um deles, comprovada por um exame balístico de projétil, precisou a arma exótica que efetuou o disparo: um Lugger nazista, calibre 9mm. A Ação Penal tramita na 1ª Vara Federal de Ponta Porã. No dia 18 de agosto de 2010, porém, a comunidade expulsa pelo ataque fez uma nova retomada, no mesmo local.