Povos da Terra Indígena Vale do Javari denunciam coordenador do DSEI por má gestão da saúde indígena
Um documento divulgado nesta quarta-feira (18) pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), representada pelos povos Mayuruna, Matis, Marubo, Kanamari e Kulina, denuncia o atual coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), Heródoto Jean de Sales, pela situação calamitosa da saúde na Terra Indígena Vale do Javari que, situada no oeste do Amazonas, concentra o maior número de povos isolados do mundo, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai). O documento foi protocolado no Ministério Público Federal de Tabatinga.
As ações básicas de saúde em todas as aldeias indígenas são realizadas de forma paliativa e ineficiente, faltam medicamentos e materiais médico-hospitalares básicos em todas as aldeias dos Pólos Bases da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e, de acordo com o documento, mesmo com grande número de profissionais existentes no quadro do Dsei/Javari, não conseguem programar e executar o calendário de planejamento de forma ágil e concreta. Os relatos apontam a má gestão do Distrito como causa da perda de 409 doses de Interferon, medicamento antiviral que venceu nas prateleiras do Distrito enquanto pacientes portadores de hepatites virais necessitavam do tratamento.
O Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) revela ainda a suspeita de fraude dos dados de atendimentos realizados. Os números do Relatório Anual de Gestão (RAG) 2014 do Dsei relativos ao atendimento à saúde indígena no Vale do Javari são insuflados se comparados aos das planilhas de atendimento. Em relação à vacinação, por exemplo, consta na planilha de esquema vacinal que 86 das 120 crianças com até um ano de idade foram vacinadas, ou seja, 71,2%. Já o percentual apresentado no Relatório é de 77%.
O dado mais inconsistente, segundo o documento, é do programa de Controle de Tuberculose. Nenhum óbito relacionado à doença foi registrado, conforme apresentou ao Condisi o técnico responsável do Dsei, enfermeiro Gerdson Matos Silva. O Programa de Vigilância de Óbitos (do mesmo Dsei), no entanto, registra três mortes de indígenas vitimas de tuberculose pulmonar.
“Esta inconsistência de dados nos faz acreditar que o Dsei/Javari pode estar forjando os dados reais de ações e serviços de saúde executados pela instituição, necessitando de uma intervenção por parte dos órgãos de controle externo dos setores competentes”, considera o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Jorge Marubo. Jorge ressalta que a situação foi denunciada muitas vezes às autoridades competentes, mas nenhuma providência foi tomada.
Enquanto isso, o número de mortes de crianças indígenas na região é alarmante. Em 2014 foram onze óbitos – entre recém-nascidos e crianças de até um ano, decorrentes da desassistência à mãe e ao bebê, seja por pré-natal mal feito ou não realizado ou mesmo por falta de auxílio no parto.
O atual gestor do Dsei, Heródoto de Sales, vem sendo questionado pelos indígenas e pelo Condisi sobre o uso da máquina pública para fins políticos. “Ele é declarado candidato à prefeitura para as eleições de 2016. Esse questionamento foi apresentado pelos Conselheiros Distritais, que pediram ao gestor que saísse do cargo de chefia do Dsei para dedicar-se à campanha”, explicita o documento.
De acordo com a Univaja, Herótodo vinculou funcionários do Dsei à campanha de reeleição do deputado estadual Sinésio Campos (PT/AM) em 2014. Na época, o coordenador da campanha era Jocicley Gomes, auxiliar logístico do Dsei. “Durante a visita do seu candidato ao município de Atalaia do Norte, o coordenador convocou os funcionários do DSE para recepcioná-lo”.
Além disso, Herótodo é o responsável pela contratação dos assessores indígenas, feita sem o aval das comunidades ou a observação das competências técnicas dos candidatos. Uma comissão chegou a ser criada para evitar favorecimentos e cooptação, mas os assessores continuam sendo selecionados sem nenhum perfil técnico ou experiência profissional.
As tentativas de diálogo são fracassadas e quando os indígenas cogitaram ocupar a sede do DSEI/Javari em protesto, Herótodo declarou que chamaria a Polícia Federal para retirá-los com balas e que “índio não manda aqui”.
A Univaja reiterou seu posicionamento de insatisfação e preocupação, “uma vez que os povos indígenas do Vale do Javari vivem numa área endêmica, onde já ocorreram centenas de mortes pela malária, hepatite e tuberculose, nesses tempos em que o programa de saúde vigorou em nossa região”.
A Sesai foi acusada de “apadrinhamento político”, por ser conivente com a conduta do atual coordenador do Dsei, que se promove “em benefício da saúde indígena para fazer sua campanha eleitoreira”. Por fim, foi reforçado mais uma vez o pedido para que os órgãos competentes apurem as denúncias e tomem medidas concretas.
Leia aqui o documento na íntegra