ICMBio deforma a formação de seus servidores
Os novos servidores serão gestores de um mosaico de unidades de conservação (UCs) de mais de 9 milhões de hectares, o equivalente a três vezes o tamanho da Bélgica. A área seria maior, não fosse a autoritária redução de várias das UCs por meio da Medida Provisória nº 558/2012 para "liberar" áreas a serem inundadas pelos lagos das hidrelétricas. Na ocasião, os antecessores dos gestores que chegam agora publicaram uma contundente carta aberta em repúdio ao ato do governo federal. Porém, ao que parece, o próprio ICMBio encarrega-se agora de formar seus servidores de modo a inibir quaisquer críticas, ainda que essas venham no sentido de defender as UC em que são lotados e que são, portanto, obrigados a proteger.
Entre 10 e 12 de dezembro, em Itaituba, os novos servidores concursados participam de uma oficina, cujos dois primeiros objetivos são:
Ampliar a compreensão da equipe sobre cada UC, a região e o território do Tapajós; e
Possibilitar que a equipe conheça o histórico de gestão das UC a partir de Itaituba e compreenda o momento atual, onde se propõe a Gestão Integrada.
Considerando-se os objetivos mencionados, imagina-se que entre os convidados para falar da região, do território do Tapajós, dos problemas enfrentados pelas UCs e pelos povos e comunidades tradicionais que ali vivem figurariam representações dos índios Munduruku e de beiradeiros do Tapajós. Afinal, são quem, de longe, melhor conhece o que os novos gestores deverão enfrentar. Imaginamos que estariam professores e pesquisadores que estudam as dinâmicas e tensões agrárias e ambientais da região. Imaginamos que estariam convidados, também, procuradores da República, que, à frente do Ministério Público Federal (MPF), empreendem uma árdua luta em defesa dos direitos socioambientais.
Entretanto, a programação da oficina vai na direção oposta evidenciando, pelo tipo de formação que o órgão oferece, o que espera dos seus servidores. Os temas a serem abordados, com os respectivos palestrantes convidados, são:
- Licenciamento ambiental – Hilário Rocha/Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Itaituba (Semmat);
- Hidrovia e Terminal Portuário – Marco Domaneschi/Bunge;
- Desenvolvimento regional – Consórcio Tapajós; e
- Concessões em Florestas Nacionais (Flonas) – Serviço Florestal Brasileiro (Serviço Florestal Brasileiro).
Por essa afirmação, vê-se o sentido de “desenvolvimento regional” que norteia o Consórcio Tapajós, e a coerência entre uma apresentação da entidade e a de um representante de uma empresa privada (Bunge) para ”formar” servidores públicos.
Tudo isso, acontece sob a batuta da The Nature Conservancy (TNC), uma ONG especializada em conferir “fachadas verdes” a seus endinheirados parceiros, como a Monsanto e a Dow Chemical.
Em suma, a formação dos servidores contemplará a apresentação de diversos segmentos econômicos proeminentes, com interesse em recursos da região, mas não terá contraponto algum oriundo das diversas comunidades tradicionais e povos indígenas que habitam a região, e cujo modo de vida – bem como sua resistência ao avanço de interesses econômicos predatórios, muitas vezes – contribuíram para a sociobiodiversidade que justificaria a existência, mesmo, de um mosaico de unidades de conservação ambiental.