11/12/2014

ICMBio deforma a formação de seus servidores

A nomeação de 30 novos servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para a base de Itaituba (Pará) é algo a se comemorar, afinal, trata-se de uma das porções mais ameaçadas de todo o bioma amazônico. No vale do Tapajós, hoje, estão os maiores índices de desmatamento e degradação florestal da Amazônia, além de a área estar na mira da obsessão barrageira do governo Dilma, no marco de um polêmico projeto de complexo hidrelétrico, que prevê cinco barramentos, além de outros aproveitamentos hidrelétricos de menor porte, espalhados pela bacia. A região é alvo, ainda, de outras grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como a hidrovia Teles Pires-Tapajós, concebida para transformar o rio Tapajós em um corredor de escoamento da soja plantada no norte de Mato Grosso.

Os novos servidores serão gestores de um mosaico de unidades de conservação (UCs) de mais de 9 milhões de hectares, o equivalente a três vezes o tamanho da Bélgica. A área seria maior, não fosse a autoritária redução de várias das UCs por meio da Medida Provisória nº 558/2012 para "liberar" áreas a serem inundadas pelos lagos das hidrelétricas. Na ocasião, os antecessores dos gestores que chegam agora publicaram uma contundente carta aberta em repúdio ao ato do governo federal. Porém, ao que parece, o próprio ICMBio encarrega-se agora de formar seus servidores de modo a inibir quaisquer críticas, ainda que essas venham no sentido de defender as UC em que são lotados e que são, portanto, obrigados a proteger.

Entre 10 e 12 de dezembro, em Itaituba, os novos servidores concursados participam de uma oficina, cujos dois primeiros objetivos são:

Ampliar a compreensão da equipe sobre cada UC, a região e o território do Tapajós; e
Possibilitar que a equipe conheça o histórico de gestão das UC a partir de Itaituba e compreenda o momento atual, onde se propõe a Gestão Integrada.

Considerando-se os objetivos mencionados, imagina-se que entre os convidados para falar da região, do território do Tapajós, dos problemas enfrentados pelas UCs e pelos povos e comunidades tradicionais que ali vivem figurariam representações dos índios Munduruku e de beiradeiros do Tapajós. Afinal, são quem, de longe, melhor conhece o que os novos gestores deverão enfrentar. Imaginamos que estariam professores e pesquisadores que estudam as dinâmicas e tensões agrárias e ambientais da região. Imaginamos que estariam convidados, também, procuradores da República, que, à frente do Ministério Público Federal (MPF), empreendem uma árdua luta em defesa dos direitos socioambientais.

Entretanto, a programação da oficina vai na direção oposta evidenciando, pelo tipo de formação que o órgão oferece, o que espera dos seus servidores. Os temas a serem abordados, com os respectivos palestrantes convidados, são:

  • Licenciamento ambiental – Hilário Rocha/Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Itaituba (Semmat);
  • Hidrovia e Terminal Portuário – Marco Domaneschi/Bunge;
  • Desenvolvimento regional – Consórcio Tapajós; e
  • Concessões em Florestas Nacionais (Flonas) – Serviço Florestal Brasileiro (Serviço Florestal Brasileiro).
Criado em junho de 2013, o Consórcio Tapajós consiste em uma articulação das prefeituras de seis municípios situados na área de influência dos projetos de barramento do rio: Aveiro, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Rurópolis e Trairão. Durante solenidade em que se selou o pacto, o prefeito de Rurópolis assim definiu os objetivos da entidade: “Fomos esquecidos durante muitos anos, mas esta região será a menina dos olhos do Brasil, pelo seu potencial para a geração de energia e pela localização estratégica para o escoamento da produção de grãos”.

Por essa afirmação, vê-se o sentido de “desenvolvimento regional” que norteia o Consórcio Tapajós, e a coerência entre uma apresentação da entidade e a de um representante de uma empresa privada (Bunge) para ”formar” servidores públicos.


Porto da Bunge às margens do rio Tapajós, em Itaituba-PA. Há projetos para que a região torne-se um grande corredor de escoamento de soja.

Há escalação, ainda, de representantes do SFB, que terá a incumbência de falar sobre a concessão de florestas públicas da região para empresas madeireiras. Levando em consideração essa região, em particular, assunto não falta. Atualmente, dois processos de concessão no oeste paraense são questionados judicialmente pelo Ministério Público Federal (MPF), sob suspeita de desrespeitarem territórios tradicionalmente ocupados, e um terceiro caso já anunciou a pretensão de leiloar terras que podem estar sobrepostas a uma terra indígena ainda não demarcada.

Tudo isso, acontece sob a batuta da The Nature Conservancy (TNC), uma ONG especializada em conferir “fachadas verdes” a seus endinheirados parceiros, como a Monsanto e a Dow Chemical.

Em suma, a formação dos servidores contemplará a apresentação de diversos segmentos econômicos proeminentes, com interesse em recursos da região, mas não terá contraponto algum oriundo das diversas comunidades tradicionais e povos indígenas que habitam a região, e cujo modo de vida – bem como sua resistência ao avanço de interesses econômicos predatórios, muitas vezes – contribuíram para a sociobiodiversidade que justificaria a existência, mesmo, de um mosaico de unidades de conservação ambiental.

Fonte: Cândido Cunha, do blog Língua Ferina
Share this: