17/11/2014

Copipe: 15 anos de luta e resistência

A Comissão de Professores Indígenas de Pernambuco (Copipe) realizou, entre os dias 13 a 16 de novembro, o seu XXIX Encontrão. O evento ocorreu na Ilha da Assunção, uma grande ilha do rio São Francisco que corresponde à maior extensão da porção insular do território tradicional do povo Truká. Participaram 11 dos 12 povos do estado. Apenas o povo Fulni-ô não pôde comparecer em razão de seu período ritual. Anualmente os Fulni-ô realizam o Ketxatkhalhá (Ouricuri), que corresponde ao período de três meses, geralmente entre final de agosto e início de dezembro. Além dos povos indígenas, também se fizeram representar várias comunidades quilombolas (Cruz dos Riachos, Jatobá, Santana, Tiririca dos Crioulos e Conceição das Crioulas) o que expressa a consciência de indígenas e quilombolas sobre a importância de estabelecerem alianças.

O encontrão é uma atividade permanente da Copipe, desde a sua fundação a organização tem conseguido promover dois grandes encontros anuais que contam com ampla participação de professores indígenas e lideranças de todos os povos e das pessoas da comunidade anfitriã. O público varia entre 700 a 1000 pessoas. Nesse encontrão de agora, somados os 700 participantes de fora mais o público local, atingiu-se o um número de pouco mais de mil participantes. Além das discussões políticas, o encontro também foi marcado pela celebração dos 15 anos da Copipe, razão pela qual esse encontrão teve como tema “Copipe: 15 anos de luta e resistência”.

No primeiro dia foi feita uma breve memória sobre a história da organização, destacando-se o processo de criação da mesma e sua consolidação através das lutas em defesa da educação escolar indígena sempre em articulação com as lutas pela demarcação e garantia dos territórios tradicionais dos povos, nas quais acontece o envolvimento de professores e alunos. Dois motes norteiam a atuação da Copipe ao longo desses anos: “Educação é um direito, mas tem que ser de nosso jeito” e “Escola formadora de guerreiros e guerreiras”. Ainda nesse dia foi realizada uma análise da conjuntura política indigenista e em seguida cada povo se reuniu para estabelecer suas prioridades para o ano de 2015 e apresentar estratégias de enfrentamento dos desafios conjunturais.

A demarcação e/ou desintrusão da terra apareceu como a principal prioridade para 2015, por essa razão os povos identificaram a importância de continuar as mobilizações contra os projetos de lei (PLs) e propostas de emenda à Constituição (PECs) que pretendem subtrair direitos indígenas, a exemplo da PEC 215 que propõe transferir do poder executivo para o legislativo a competência para decidir sobre demarcação de terras indígenas, o que representaria o fim das demarcações uma vez que a bancada ruralista já detém grande representação no Congresso Nacional e a ampliará na nova legislatura (2015-2018). Na mesma intensidade deverão também promover ações que obriguem o governo a suspender a paralisação das demarcações de terras, o que ocorreu durante o primeiro mandato da presidenta Dilma. No âmbito do poder judiciário, apareceram preocupações principalmente sobre decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) em que se condiciona o direito à demarcação da terra ao fato da comunidade (povo) estar ocupando seu território no ano de 1988, quando foi promulgada a Constituição. Tal interpretação nega o processo de esbulho possessório sofrido pelos povos, os que não se encontravam em seus territórios naquele período é porque haviam sido expulsos pelos invasores. Contra tais decisões os indígenas também decidiram lutar com o objetivo de revertê-las.

Nos dias seguintes foram debatidos temas relacionados à educação escolar indígena, como a discussão sobre o modelo de escola indígena e a construção de currículos que sejam de fato específicos e diferenciados, capazes de traduzir para a comunidade educativa o projeto de bem viver de cada povo. Os territórios etnoeducacionais e a Licenciatura Intercultural Indígena, curso ofertado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) receberam atenção devida. Sobre o ultimo tema foi denunciado o fato da universidade está apresentando impedimento legal (regimental) para que a Copipe continue participando das discussões e deliberações sobre o curso. Em resposta os participantes decidiram fazer uma carta denúncia a ser encaminhada ao MPF e MEC e exigir o direito de representação da entidade no colegiado do curso.

Durante todo o evento as lideranças religiosas se encarregaram de cuidar da espiritualidade, assegurando uma mística suave através dos toantes e linhas de toré cujos conteúdos reportavam-se às cosmovisões dos vários povos ali representados. Na noite do sábado houve um grande ritual intercultural e inter-religioso, no qual todos os povos fizeram suas celebrações no terreiro sagrado do povo Truká. As águas do São Francisco e a o frescor espiritual aliviaram do forte calor que castigou os participantes durante todos os dias.

Fonte: Saulo Ferreira Feitosa, Cimi Regional Nordeste
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