Aldeias e acampamentos indígenas no Mato Grosso do Sul: violência, insegurança e medo
Brasília, Brasil e o mundo mais uma vez ouviram o clamor da situação de genocídio e o anúncio de suicídio coletivo do povo de maior população e pior situação do país, os Kaiowá-Guarani. Não é possívelficar insensível ou se omitir diante de um quadro dantesco de violência. Ou nos solidarizamos com essa luta de vida, justiça e paz ou seremos identificados pela história como cúmplices das piores crueldades contra um povo indígena no mundo. “Chorei”, confidenciou um dos advogados do Cimi ao acompanhar alguns indígenas desse povo aos gabinetes dos ministros da Suprema Corte.
Parece que vão se esgotando todas as possibilidades de sobrevivência de um povo. É como se muros de concreto fossem sendo construídos para impedir que o sol da esperança continuasse a brilhar. “Cercaram a terra. Estão tentando fazer de cada pequena área ou confinamento, uma prisão. Roubam nossa liberdade, tentam prender nossos sonhos, negam nosso tekohá (terra tradicional.) Nos expulsam quando voltamos a nossas terras. Então queremos dizer a vocês e a todas as pessoas em todo mundo que não vamos mais deixar nossos territórios. Se querem nos retirar, pedimos ao governo brasileiro que mande soldados, que venham os pistoleiros, enviem também a funerária, tratores para cavar grandes valas, pois é aí que vamos ficar”. Essa declaração de uma das lideranças no Supremo Tribunal Federal (STF) bradou fundo nos corações dos presentes. Com esses termos também se pronunciaram lideranças religiosas e membros ameaçados de novas expulsões.
Gestos fortes como envolver os rostos com terra e comer terra, como grito de filhos da terra, deixaram perplexos os repórteres que estiveram na coletiva de imprensa no lado seco da grama do Supremo. “Essa é a nossa arma” mostrou um dos rezadores o maracá com o qual buscam abrandar a ira dos Nhanderu (Deus na cosmologia Kaiowá), para que a terra não seja destruída.
“Não acreditamos mais em vocês, pois já nos enganaram e mentiram demais. Nós vamos retomar as nossas terras”. Essa decisão foi repetida inúmeras vezes, dentro do Ministério da Justiça, na presença do novo presidente da Funai, Flávio Chiarelli Vicente de Azevedo. Conseguiram informações sobre o andamento de alguns processos de identificação, sendo que dos cinco Grupos de Trabalho (GT), apenas um o relatório foi concluído, com atraso de mais de três anos conforme compromisso assumido no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Noite de vigília, muita reza e ritual
Apesar de tudo, a resistência, a vida e a espiritualidade desse povo falam mais alto. Ao lado do Palácio da Justiça, as lonas pretas do acampamento. Ali passaram a noite em ritual, para que os corações dos ministros fossem amolecidos e os seus direitos e terras garantidas. As estrelas acompanharam toda a jornada como fiéis testemunhas do pacto de vida que estava sendo celebrado.
Lindo e dramático acordar entre os Três Poderes. Abrir os olhos e ver a justiça de olhos vendados. O que se pode fazer?
Era preciso recuperar esperança, encontrar com pessoas sensíveis e atuantes na garantia dos diretos indígenas. Na 6ª Câmara uma agenda propositiva. Hora de cobrar dos representantes do Ministério da Justiça ações efetivas no combate à violência. De nada adianta a presença da Guarda Nacional, da Polícia Federal e outros, se não existem condições objetivas e políticas claras de segurança nas áreas indígenas e proteção das comunidades e áreas ameaçadas submetidas a um contexto de violência. “A Funai de Dourados parece estar virando um quartel” desabafou uma das lideranças. Daí a conclusão de que segurança só com a demarcação das terras
Por fim, rituais de despedida. Certeza de que estão lutando pela vida e futuro de seu povo.
Egon Heck
Cimi – Secretariado -Brasilia, 17 de outubro de 2014