01/10/2014

Dom Tomás no ritual dos índios Krahô: “Ele está aqui. Ele está olhando por nós”

“Ele está aqui. Eu vi. Uma pessoa quando morre fica entre nós. Ele não foi embora. Ele está aqui. Ele está olhando por nós. São poucos os que ajudam os povos indígenas. Tem que continuar o trabalho, a luta de Dom Tomás”.

Gercília Krahô, importante liderança do povo, recebeu, na nova aldeia, com muito carinho, parentes e amigos de Dom Tomás, que ela tinha como tio. Para o povo Krahô, o tio tem uma relevância tão importante no papel da formação social quanto o pai.

A homenagem ritual Amjĩkĩn Pàrcahàc acontece como finalização de luto de um parente e, neste caso, seu inesquecível amigo Tomás. Este ritual compreende momentos marcantes de noites acordados embalados pelos cantos no pátio, pinturas corporais, os cortes de cabelos e a corrida com a tora de buriti que simboliza o corpo de Dom Tomás. Esse corpo pintado e empenado percorre o pátio nos ombros dos indígenas e em seguida é levado à casa de Gercília, onde é envolto em um pano e logo depois despido para que as mulheres possam se despedir, através do choro ritual, um lamento profundo de lágrimas e soluços que toca e faz chorar muitos presentes.  

“Eu só participo do ritual na igreja de Goiás, se depois puder fazer o ritual dele, em minha aldeia, conforme a nossa cultura”, havia exigido Gercília.

O cerrado já se vestia de verde e o rio se tingia de vermelho para participar desse momento ímpar da memória de um de seus filhos e defensores intransigente e radicalmente comprometido com a diversidade de vida, povos e comunidades originárias deste Brasil central.

Cenário perfeito para um grande e inesquecível acontecimento. Beleza e simplicidade, alegria e lágrimas, gestos profundos de espiritualidade ritual. A celebração da memória de um “kupen” (não indígena) na aldeia é mais do que uma excepcionalidade, é um gesto de reconhecimento da permanência entre eles.

Presentes e compromisso

Um dos momentos marcantes do ritual Amjĩkĩn Pàrcahàc foi quando Dom Eugênio, bispo de Goiás, entregou à comunidade, através de Gercília, umas lembranças de Dom Tomás – uma cruz simbolizando os mártires latino-americanos e uma vistosa estola, que ela imediatamente vestiu. Era mais do que memória. Foi selado o compromisso da continuidade do trabalho em defesa da vida e dos direitos dos povos indígenas, em especial com os “mehin” (Krahô).

De longe se ouvia a cantoria ritual no centro do pátio da aldeia. Era o último dia da celebração. Gercília se aproximou de Dom Eugênio, e num gestou perdido na noite, carregada de harmonia, revezando silêncios e maravilhosos cantos, tirou o colar que trazia no pescoço e colocou-o no bispo dizendo: “Agora você é compadre de Dom Tomás”. Umas rápidas palavras e estava selado o compromisso.

Dom Eugênio declarou que sempre teve muita admiração por Dom Tomás, pelos seus trabalhos, pela sua luta. Por essa razão estava junto aos Krahô, com o pessoal do Cimi, da CPT e outros amigos de Dom Tomás. “Simpatizo com a causa indígena e da terra. É preciso defender essa gente e os empobrecidos da terra”. Disse ter achado ótima essa oportunidade de conhecer um pouco mais da cultura indígena.

O massacre continua

No decorrer dos três dias celebrativos, inúmeros depoimentos foram sendo desfilados, todos eles marcados por profunda indignação e revolta, pelas violências, omissões, preconceitos e massacres. Isabel Xerente verberou: “Vão entrar em nossas terras (grandes projetos) para massacrar. Nós vivemos lutando por todos. Tenho essa borduna pra dar na cabeça”.

Vários depoimentos lembraram o avanço do agronegócio, destruindo as matas, poluindo os rios. As monoculturas da soja, do eucalipto, do gado, acabam envenenando e matando a terra e os animais. Os rios estão secando.

Foi lembrada a brava resistência das comunidades indígenas diante das políticas desenvolvimentistas do atual governo com as rodovias, hidrovias, hidrelétricas, dentre outros. Porém, “nós indígenas somos a semente e as plantinhas dessa terra. Vamos continuar lutando. Vamos nos unir com os pobres. Vamos lutar unidos”.

O povo Krahô, que faz parte da grande nação Timbira, são hoje em torno de 3.200 pessoas vivendo em 28 aldeias nos municípios de Goiatins e Itacajá no Tocantins

Gratidão e alegria. O ritual que marcou o fim do luto de Dom Tomás entre os Krahô, também nos traz a certeza de sua presença e a continuidade de sua luta entre nós e da vitória dos povos originários do país e do continente latino-americano.

Fonte: Egon Heck e Cimi Regional Goiás/Tocantins (texto e fotos)
Share this: