29/09/2014

Aumenta o risco contra a sobrevivência dos povos indígenas isolados na Amazônia Brasileira

O respeito aos direitos humanos dos povos em isolamento ou contato inicial deve dar-se dentro de um marco que respeite plenamente seu direito a livre autodeterminação, a vida e integridade física, cultural e psíquica dos povos e seus membros, a saúde e a seus direitos sobre as terras, territórios e recursos naturais que têm ocupado e utilizado ancestralmente. (Povos Indígenas em isolamento voluntário e contato inicial nas Américas – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH,2013)

 

Os povos indígenas em situação voluntária de isolamento ‘emergiram’, nos últimos meses, nos noticiários nacionais e internacionais e, com frequência, informações sobre a sua presença, em diferentes regiões da Amazônia, chegam até a equipe do Cimi de apoio a estes povos, bem como à Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatos (CGIIRC) da Funai.

No Acre, um grupo de indígenas isolados buscou apoio numa aldeia Ashaninka, entre os meses de junho e julho deste ano. No diálogo estabelecido com funcionários da Funai, em jaminawa, traduzido por um falante desta língua indígena, estes indígenas relataram que foram vítimas de massacre, possivelmente por madeireiros ou narcotraficantes na fronteira com o Peru. Além disso, contraíram gripe, o que pode ter um efeito devastador entre o grupo.

Todavia, a situação de risco em que este povo isolado vive, dentre os demais desta região banhada pelo rio Envira, era amplamente conhecida pelas autoridades brasileiras, mesmo assim a Frente de Proteção Etnoambiental do Envira, da Funai, foi abandonada em 2012, porque o órgão indigenista não contou com respaldo suficiente para oferecer segurança a seus funcionários – atacados por narcotraficantes internacionais.

No Vale do Javari, Amazonas, uma família isolada Korubo, composta por seis pessoas, foi encontrada às margens do rio Itacoaí por indígenas Kanamari, neste mês de setembro, e levada para a aldeia Massapê. Outra vez trata-se de um pedido de socorro, desta vez diante de uma situação de doença que se manifestava, segundo descrição de uma indígena da família, através de febre alta e muita tremedeira no corpo (sintomas da malária), que estava provocando mortes no grupo Korubo isolado.

O fato motivou um posicionamento público da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Nela a organização denuncia a invasão da terra indígena por caçadores e pescadores, além das dificuldades da Funai para desenvolver as necessárias ações de vigilância e proteção por falta de recursos financeiros e pessoal qualificado.

No Maranhão, os indígenas isolados Awá-Guajá continuam ameaçados pelos madeireiros que impunemente devastam as terras indígenas já demarcadas, por onde perambulam os diversos grupos que compõe este povo. Essa situação já foi reiteradas vezes denunciada ao Poder Público. Diante da omissão governamental, a denúncia foi levada para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). É absolutamente inaceitável que o povo Awá-Guajá continue sendo submetido a essa política de extermínio.

Na região da Ilha do Bananal, recentemente indígenas isolados foram vistos dentro e fora da terra indígena, e os sinais de sua presença foram percebidos nas proximidades da aldeia indígena Waotynã, localizada no município de Lagoa da Confusão. Um alerta também foi feito ao departamento de isolados da Funai, sobre a sua presença na região da Mata do Mamão, dentro da Ilha, pelas brigadas de combate a incêndios. As ameaças a este povo vêm das queimadas na Ilha, comuns nessa época do ano, mas também com suspeitas de origem intencional, das invasões de caçadores e pescadores e dos projetos de construção de estradas. A Funai até hoje não fez nenhum estudo sobre a área de perambulação deste povo, e também não adotou medidas de proteção.

No rio Tapajós, o governo está anunciando para breve o licenciamento ambiental para a construção de diversas usinas hidrelétricas. Até o momento nenhum estudo foi apresentado sobre os diversos povos indígenas isolados que vivem nas proximidades destas hidrelétricas projetadas para a região. Os governos da ditadura militar promoviam a remoção forçada dos povos indígenas isolados, localizados ‘no caminho’ dos mega empreendimentos de infraestrutura na Amazônia. Prática que levou a verdadeiras tragédias humanas e genocídio. Os governos atuais optaram por desconhecer a sua existência, repetindo a estratégia dos governos militares, para que não atrapalhem os seus projetos. Essa política é perversa, trágica e violenta porque não considera o que pode acontecer a estes povos.

As informações sobre os povos indígenas isolados, nada tranquilizadoras, sinalizam para um agravamento das situações de vulnerabilidade e risco em que estes povos se encontram, com seus espaços territoriais cada vez mais restritos e invadidos, numa Amazônia onde os índices de desmatamento voltam a crescer, a propósito de manter, num contexto de crise da economia globalizada, a reprodução do sistema de dominação e acumulação através da exploração extrema dos recursos naturais. 

Os fatos revelam igualmente, e de forma contundente, as contradições mais profundas das políticas governamentais que apostam, em termos macro econômicos, em um desenvolvimentismo sem limites, festejado pelas empresas transnacionais dos setores do agronegócio, do extrativismo mineral, petrolífero, madeireiro e da construção civil, que são as grandes beneficiárias dos vultosos investimentos públicos nos empreendimentos de infraestrutura nas áreas de energia, transporte e comunicação na região.

As políticas compensatórias, de mitigação de impactos e de proteção aos povos e comunidades locais, expõem neste cenário toda a sua ineficácia, revestidas que são por uma natureza emergencial permanente. Denunciam, por sua inoperância, a reprodução dos decretos de extermínio dos povos indígenas expedidos desde que as caravelas europeias atracaram no continente sul-americano.

Reiteramos que a autodeterminação dos povos indígenas isolados, que se manifesta por sua vontade de não estabelecer relações regulares com a sociedade brasileira, deve ser respeitada, assim como seus territórios demarcados e protegidos. A vontade do não contato significa também uma demonstração clara destes povos contra os empreendimentos governamentais em seus territórios, e deve ser vista como o exercício do seu direito de consulta.

A atenção à saúde nas aldeias das terras indígenas, onde os grupos isolados vêm aparecendo com relativa frequência, sobretudo no Vale do Javari/AM e Rio Envira/AC, deve ser absolutamente prioritária para evitar a transmissão de doenças infectocontagiosas, fatais a estes grupos. É fundamental que o órgão indigenista oficial, a Funai, seja aparelhado com recursos financeiros e com pessoal qualificado para identificar a presença dos povos isolados, verificar suas áreas de perambulação e evitar que seus territórios sejam invadidos. Por fim é preciso acabar urgentemente com a vergonhosa invasão madeireira nas terras indígenas do Maranhão, que está decretando o extermínio do povo Avá Guajá.

Porto Velho, 27 de setembro de 2014

Equipe do Cimi de Apoio aos Povos Indígenas Isolados

 

Fonte: Cimi Regional Equipe Isolados
Share this: