09/09/2014

MPF divulga nota pública sobre a criação do INSI

1. O Sistema Único de Saúde, que vem com a Constituição de 1988, é resultado de uma luta histórica contra o pouquíssimo investimento do poder público em serviços de saúde até então.

2. A partir da atual Constituição, a saúde pública é serviço a ser executado pelo poder público, mediante Sistema Único de Saúde, sendo o papel da iniciativa privada meramente complementar (art. 199, § 1º). Todo o esforço estatal em saúde, portanto, deve ser realizado dentro do SUS (art. 198, § 1º). E, fora do SUS, não há autorização para atuar.

3. A saúde indígena tem natureza essencialmente pública, integra o SUS e é dele subsistema (art.2º e parágrafo único do Decreto 3.156, de 27 de agosto de 1999). De modo que todo o investimento estatal deve ser realizado dentro desse subsistema. O Instituto Nacional de Saúde Indígena está na contramão desses princípios constitucionais, porque transfere a execução da saúde indígena para pessoa jurídica de direito privado, que se constitui sob a forma de serviço social autônomo, não fazendo parte da administração pública, direta ou indireta.

4. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Súmula 516), esse modelo de serviço social autônomo não está sujeito à jurisdição da Justiça Federal. Portanto, segundo esse entendimento, o Ministério Público Federal deixaria de ter atribuição para fiscalizar a aplicação desses recursos e, em consequência, a boa e regular gestão da saúde indígena.

5. Além de o modelo apresentado estar em desconformidade com a Constituição Federal, não foi apresentado o projeto de lei tendente a viabilizá-lo. De modo que, até o momento, não se sabe como o Instituto vai conviver com as ideias centrais do subsistema de atenção à saúde indígena, especialmente os Distritos Sanitários de Saúde Indígena e os Conselhos Distritais de Saúde Indígena (art. 8º e §§ 4º e 5º do Decreto 3.156/99).

6. Apesar de não ter sido ainda apresentado o texto do projeto de lei, de acordo com as informações passadas pela própria SESAI, o controle social da saúde indígena estaria sem dúvida prejudicado, ou, ao menos, enfraquecido, uma vez que apenas três membros do conselho deliberativo do INSI, de um total de treze, seriam indicados pelas organizações indígenas. Esse formato, de resto, viola o princípio da paridade entre os usuários da saúde indígena e o conjunto dos demais segmentos (art. 1º, § 4º, da Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990).

7. Ainda no tocante ao controle social, a proposta de criação do INSI não foi apresentada na 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, realizada em dezembro/2013, não obstante uma de suas pautas principais, que contou com várias deliberações, fosse o concurso público objeto do Termo de Conciliação Judicial (processo nº 0751-2007-018-10-00-4).

8. O INSI não cumpre as promessas que ele anuncia, a começar pela suposta carga horária diferenciada, uma vez que os trabalhadores seriam submetidos ao regime geral da CLT, que não prevê especificidade alguma para a prestação de serviços de saúde indígena. Tampouco há segurança alguma de que os atuais trabalhadores seriam mantidos em seus quadros, uma vez que, também nesse modelo, é necessário o concurso público, sem que a proposta faça qualquer menção a particularidades quanto ao seu formato e conteúdo.

9. As alegações de que a realização do concurso público diretamente pela SESAI não levaria em conta as particularidades da saúde indígena e a importância de manutenção de trabalhadores com experiência e da própria etnia também não representam a realidade, visto que o Termo de Conciliação Judicial prevê expressamente que o concurso deve: ser específico e diferenciado; ser regionalizado por DSEI; considerar, para fins de títulos, cursos promovidos pela SESAI, FUNASA, pós-graduação na área de saúde indígena, tempo de atuação em saúde indígena, entre outros relacionados à matéria, além de tempo de atuação em saúde indígena; provas objetivas com critérios referentes ao conhecimento da língua, da cultura, entre outros aspectos específicos relacionados à comunidade.

10. A proposta de criação do INSI não consegue provar a alegada impossibilidade de recrutar quadros por meio de concurso público. A uma, porque a única experiência relatada remonta a 1996, carecendo, portanto, de atualidade. A duas, porque jamais foi realizado concurso público específico para a saúde indígena. E, mesmo considerando o concurso de 1996, está dito que, na ocasião, restaram 22% das vagas sem candidatos. Tal percentual, além de ser comum em concursos públicos, representaria, no total de 6.899 vagas, 5.373 cargos providos. Levando em conta que os Agentes Indígenas de Saúde e os Agentes Indígenas de Saneamento não estão incluídos nesse concurso – pois submetidos a processo seletivo simplificado, entre pessoas da própria comunidade, nos termos do art. 198, § 4º, da CF – e são, atualmente, 6.098 profissionais, se teria, ao final, um total de 11.471 trabalhadores na área de saúde indígena.

11. Tudo somado, a conclusão inevitável a que se chega é que as informações que chegaram aos representantes indígenas nos Conselhos Distritais de Saúde Indígena não atendem aos critérios da Convenção 169 da OIT, para a realização de consulta livre, prévia e informada, pois são omitidos dados relevantes pertinentes tanto à criação do INSI, quanto ao concurso público objeto do Termo de Conciliação Judicial.

 

Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira

Subprocuradora-Geral da República

Coordenadora da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão

 

Sebastião Vieira Caixeta

Procurador do Trabalho

 

Gustavo Kenner Alcântara

Procurador da República

Coordenador do GT Saúde Indígena/6ªCCR


Analúcia de Andrade Hartmann

Procuradora da República

 

José Godoy Bezerra de Souza

Procurador da República


Márcia Brandão Zollinger

Procuradora da República

 

Emerson Kalif Siqueira

Procurador da República

 

Júlio José Araujo Junior

Procurador da República

 

Talita de Oliveira

Procuradora da República

 

Fonte: MPF
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