Considerações do Cimi acerca de Carta Circular número 04 do FPCondisi
Considerando a Carta Circular número 04 do Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCondisi), de 25 de agosto de 2014, por meio da qual divulga “nota de repúdio à nota publicada pelo Conselho Indigenista Missionário sobre a Criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena”, cumpre-nos observar que:
1- O Cimi é uma organização indigenista e como tal não se manifesta nem fala em nome dos povos indígenas do Brasil, nem pelo controle social da saúde indígena.
2- Os povos indígenas do Brasil são autônomos nas suas manifestações, têm suas instâncias organizativas legítimas e manifestam-se de acordo com suas próprias deliberações. O Cimi sempre defendeu e defende este direito dos povos indígenas.
3- O Cimi atua em defesa dos povos indígenas e de seus direitos no Brasil desde 1972.
4- O Cimi é membro de espaços de controle social da saúde indígena em Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) e na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi). Apesar disso, o Cimi somente teve acesso à informação sobre a proposta de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) por meio de uma mensagem de e-mail enviada pelo Secretário Especial de Saúde Indígena, Sr. Antônio Alves, ao representante da entidade junto à Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), Saulo Ferreira Feitosa, fato ocorrido no último dia 01 de agosto.
5- De posse dessa informação, que vinha sendo escondida dos povos indígenas até então, o Cimi cumpriu o compromisso histórico e sua obrigação, inclusive estatutária, de informar os povos indígenas sobre um tema de relevante interesse para suas vidas. No caso, fez isso por meio do documento intitulado “Nota do Cimi contra a privatização da Atenção à Saúde Indígena”.
6- Diante do processo violento e sistemático de ataques aos povos indígenas e seus direitos, que vem sendo implementado nos últimos anos por setores político econômicos anti-indígenas e pelo governo brasileiro, a manifestação pública do Cimi tem sido uma prática permanente. Foi assim, no caso das Portarias 419-11 e 303-12, do decreto presidencial 7957-13, da PEC 215-00, do relatório do PL 1610-96 e de tantos outros instrumentos que estão sendo usados na perspectiva de desmantelar as estruturas do Estado brasileiro que têm responsabilidades constitucionais relativamente aos direitos dos povos indígenas no Brasil.
7- A manifestação pública do Cimi sobre o INSI não retirou dos povos indígenas o direito legítimo de manifestarem-se sobre o tema. A nota do Cimi trouxe à tona uma informação que vinha sendo mantida em sigilo inconfesso pelos gestores da SESAI.
8- Diferentes organizações e lideranças indígenas, legitimamente constituídas pelos próprios povos, têm expressado posicionamento político acerca da proposta de criação do INSI. A título de exemplo podemos citar: Apib: Nota pública sobre o novo modelo institucional proposto pelo governo para o atendimento à saúde dos povos indígenas; Conselho Indígena de Roraima divulga nota crítica à proposta de privatização da saúde indígena no Brasil; Movimento de Povos Indígenas da Bahia repudia proposta de privatização da saúde indígena; Nota da Coiab sobre a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena; Nota da Apoinme sobre o INSI;
9- Apesar de não ter merecido nenhuma nota de repúdio por parte do FPCondisi, em 2013, no Brasil, morreram 920 crianças indígenas de 0 a 5 anos. Isso significa que, em média, morreram 03 crianças indígenas por dia no Brasil em 2013. Muitas delas devido ao caos instalado pelo atual modelo de atenção à saúde indígena, o modelo da terceirização.
10- Enquanto a taxa média de mortalidade infantil do Brasil ficou abaixo de 20 crianças mortas por mil nascidas vivas, entre os povos indígenas essa média foi de 50 mortes. Em alguns Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS) esse índice foi ainda maior. A título de exemplo, podemos citar: no DSEI Yanomami a taxa foi de 172 crianças mortas a cada mil, no DSEI Vale do Javari foi 138, no Dsei Xavante foi 108, no DSEI Amapá e Norte do Pará foi de 74,9 e no DSEI Altamira-PA foi de 68,5 crianças mortas a cada mil nascidas vivas.
11- O Cimi responsabiliza a atual gestão da Sesai, o Ministério da Saúde e o governo Dilma por este descalabro inaceitável e revoltante.
12- O Cimi não ocupa, nem pleiteia cargos junto a qualquer instância do governo brasileiro.
13- O Cimi não abrirá mão de seu direito e de sua responsabilidade institucional de informar os povos indígenas e de manifestar suas posições e denúncias acerca de iniciativas do Estado brasileiro que atentam contra a vida dos povos indígenas.
14- O INSI anula elementos centrais da política de atenção à saúde indígena, tais como, a gestão descentralizada e autônoma e o controle social de acordo com os princípios estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde na Constituição Federal.
15- Com o INSI, a única instância de controle social dos povos indígenas que ficaria vinculada a órgão público, no caso à Secretaria Especial de Saúde Indígena, seria exatamente o Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCondisi). Todas as instâncias locais e regionais (Conselhos Locais de Saúde Indígena e Conselhos Distritais de Saúde Indígena – Condisi) seriam desqualificadas e ficariam sem nenhum instrumento legal para interferir nas ações do INSI, por ser uma empresa paraestatal de direito privado, regida por um contrato de gestão assinado com a União com abrangência nacional.
16- Com o INSI, os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS) seriam transformados em departamentos de uma empresa paraestatal, e deixariam de ser instâncias autônomas e legítimas de controle social e gestão participativa da Política de Atenção à Saúde Indígena.
17- Isso caracteriza um verdadeiro desmantelamento da estrutura do Estado Brasileiro relativamente ao direito de atenção à saúde dos povos indígenas, conforme proposto desde 1986 nas cinco Conferências Nacionais de Saúde Indígena protagonizadas de forma exemplar pelos povos indígenas do Brasil.
18- Por isso, o Cimi entende que a proposta do INSI é parte do processo de ataque aos direitos historicamente conquistados pelos povos junto ao Estado brasileiro. Enquanto fortalece as estruturas estatais que respondem às demandas de setores anti-indígenas, o governo busca enfraquecer as estruturas do Estado responsáveis pela implementação de direitos dos povos indígenas.
19- Com o INSI uma das principais distorções do atual modelo de atenção à saúde indígena, a terceirização, seria oficializada e legalizada.
20- O INSI pode ser bom para o Estado brasileiro e governos, mas não é para o projeto de vida dos povos indígenas de nosso país, que veem suas crianças morrerem cotidianamente apesar do orçamento destinado ao setor ter triplicado nos últimos anos e ter sido superior a um bilhão de reais em 2013.
21- Neste sentido, é perfeitamente compreensível e justificável as manifestações dos povos indígenas que questionam a atual gestão da saúde indígena no Brasil assim como o fez recentemente a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Amazonas: Foirn denuncia descaso e questiona "onde vai parar o dinheiro da Saúde Indígena?";
O Cimi reitera seu compromisso com os projetos de vida e o respeito ao protagonismo dos povos indígenas do Brasil e continuará atuando, dentro de suas limitações, em defesa dos mesmos.
Brasília, DF, 27 de agosto de 2014.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi