Lideranças do povo Tupinambá visitam cooperativas agroecológicas latino-americanas e participam de G77 sobre o Bem Viver
Por Haroldo Heleno e Ricardo Zehnder,
de Itabuna (BA)
Três lideranças do povo Tupinambá de Olivença, do sul da Bahia, percorreram cooperativas agroecológicas na Argentina e na Bolívia, entre os dias 26 de maio a 15 de junho, para conhecer formas de organização no que tange o aproveitamento do cacau para atividades econômicas coletivas. Na região de Alto Beni, os indígenas conheceram uma das principais produções do fruto na Bolívia e participaram do Cumbre del grupo de lós 77 (G77), com cerca de 100 delegados e chefes de Estado.
Estiveram presentes na comitiva o cacique Ramon Ytajibá, Nadia Akauã e o professor José Carlos Tupinambá, juntamente com um representante do assentamento Terra Vista, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e representantes da Casa da Economia Solidária de Uruçuca, todos do sul da Bahia, que juntos compõem a Teia Agroecológica.
Na viagem, as lideranças puderam conhecer a experiência da Central de Cooperativas “El Ceibo”, fundada há 37 anos na Bolívia. Esta central de cooperativas é hoje uma organização cooperativa de sistemas agroflorestais orgânicos de prestígio, com reconhecimento nacional e internacional, que atua em todas as áreas de produção de cacau do Estado Plurinacional da Bolívia.
Os tupinambá puderam ver detalhes da organização da central de cooperativas. A cada quatro anos, o Conselho de Administração da El Ceibo é eleito por representantes das cooperativas integradas à central. Além de supervisionar todas as atividades da El Ceibo, o conselho é responsável pela condução da Assembleia Geral.
Na El Ceibo, as lideranças indígenas puderam perceber as possibilidades diferenciadas na relação com a mãe natureza e entre a própria comunidade. Conforme o cacique Ramon “existe uma participação democrática de todos os associados”. A liderança destaca ainda a importância do compartilhamento dos conhecimentos técnicos entre os agricultores de cacau até mesmo para grupos de outros países.
“Impressiona a produção ambientalmente sustentável e distribuição justa dos lucros entre todos. Espero transmitir isso aos parentes, sobretudo quanto à integração e apoio solidário e cooperativo entre organizações, além de enorme respeito pela vida, culturas e pelo meio ambiente”, diz o cacique que espera poder transmitir tudo isto para seus parentes.
Experiências partilhadas
Segundo um dos organizadores da viagem, Ricardo Zehnder, da Casa da Economia Solidaria de Serra Grande, Uruçuca, Bahia, o intercâmbio tem como objetivo fortalecer a proposta de uma integração cooperativa continental, buscando divulgar em diversos espaços, a começar pelos grupos que participaram da comitiva baiana, esta ideia da troca de experiências positivas e geradoras de vida, que se contrapõem ao modelo hegemônico implantado no continente. “Temos de fortalecer a resistência a este modelo, capitaneado pelos “geradores de riquezas e progresso”, no lobby do agronegócio, da mineração, das “propostas” energéticas que muitas vezes encurralam, acossam e amedrontaram as comunidades”, afirma Zehnder.
Neste sentido, o intercâmbio também buscou fortalecer os laços entre as organizações socioprodutivas continentais, em especial Brasil e Bolívia, especificamente levando as experiências desenvolvidas na Costa do Cacau (sul da Bahia), por intermédio dos indígenas do povo Tupinambá, MST, Casa da Economia Solidaria, com os dirigentes e produtores das cooperativas que integram a El Ceibo.
No sul da Bahia se busca hoje construir consensos entre as diversas organizações tradicionais indígenas, campesinas, da economia familiar e solidária, ocupantes de cerca de 100 mil hectares do território baiano. “Se trata de mostrar como podemos planejar de forma cooperativa, participativa, ampla, inclusiva e solidária uma proposta de Bem Viver. A ideia de ir até a Bolívia é para observar um modelo concreto e bem sucedido que está sendo compartilhado com todos nós de forma generosa e solidária”, afirma Zehnder.
A comitiva esteve no dia 29 de maio na Universidade Nacional de Rosário, Argentina, em debates na Faculdade de Relações Internacionais sob o tema “Por uma América Latina Integrada”. A conversa permeou os novos paradigmas de relação de justiça e sustentabilidade com a Mãe Terra e também sobre identidade. Este momento foi de suma importância para a comitiva, pois a Universidade de Rosário articula estes conceitos entre as suas 12 Faculdades, sendo hoje a segunda maior da Argentina com cerca de 34.000 estudantes. No bojo desta discussão se apresentou a proposta de Integração Continental Cooperativa.
G 77
Em La Paz, no dia 2 de junho, a comitiva visitou o embaixador José Crespo Fernandez, diretor Geral de Relações Multilaterais do Ministério de Relações Exteriores do Estado Plurinacional da Bolívia. Este encontro foi preparatório para a participação da comitiva no Encontro Cume Extraordinária de Chefas e Chefes de Estados e do Governo do G77 + China da ONU, que aconteceu em Santa Cruz de La Sierra com o tema: “Por um novo ordenamento mundial para Viver Bem”.
O Cumbre del grupo de lós 77 (G77), com mais de 100 delegados e chefes de Estado, teve sua abertura oficial no estádio de Santa Cruz. Para Nádia Tupinambá, foi uma festa foi emocionante com grande quantidade de culturas. A participação da comitiva na Plenária Extraordinária do G77 + China, conforme o cacique Ramon, foi informativa. “Todos aqueles chefes de estado e delegados trocando desejos de novos tempos e propostas de novas práticas, inclusivas, cooperativas, justas, solidarias, pacíficas, foi importante”, diz. Para Ricardo Zehnder: “Um maravilhoso exemplo, um alimento de energia poderosa, desejos que estimulam nossa caminhada, alegria abundante, confiança no futuro, fortaleza para nossas alianças fraternas. Paz, amor, alegria”.
As palavras do presidente da Bolívia, Evo Morales, durante seu discurso na abertura do evento, abordou a questão da harmonia e equilíbrio com a Mãe Terra, o que reforçou ainda mais a viagem da comitiva do sul da Bahia, fortalecendo as possibilidades de planejamento e práticas sociais de modelos produtivos, orgânicos e cooperativos bem sucedidos.
O presidente Evo disse em sua fala: “Necessitamos construir uma visão distinta do desenvolvimento ocidental capitalista, transitando desde o paradigma de desenvolvimento sustentável ao paradigma do desenvolvimento integral para Viver Bem, que busca não só o equilíbrio entre os seres humanos, mas o equilíbrio e a harmonia com nossa Mãe Terra”. E foi além: “Nenhum desenvolvimento é sustentável se a produção destrói a Mãe Terra, uma vez que Ela é a fonte da vida e da nossa existência. Nenhuma economia é sustentável se produz desigualdades e exclusões”. O povo Tupinambá sabe bem o que isso significa.