Forças paralelas perseguem indígenas e acirram clima de tensão no norte do RS
Na tarde de quarta feira, dia 30 de março, quatro indígenas da etnia Kaingang que trafegavam pelo município de Barão de Cotegipe, no norte do Rio Grande do Sul, foram abordados de forma inesperada e truculenta por oito policiais da Brigada Militar e quatro policias do BOE – Batalhão de Operações Especiais.
Os Kaingang retornavam à sua aldeia, que está localizada no município de Sananduva, há mais de 100 km de distância de Faxinalzinho, onde ocorreu o conflito entre indígenas e agricultores. Mesmo se identificando como moradores de uma região distante do lugar do conflito eles foram abordados e sofreram intimidações. Ao que parece a intenção dos agentes policiais era a de amedrontar os indígenas.
De acordo com o cacique Leonir Franco (de Passo Grande do Rio Forquilha e um dos que sofreu as intimidações) os Kaingang foram duramente abordados pelos agentes do BOE que não estavam identificados. Segundo Leonir, um dos policias falou que a “justiça” será feita agora do lado de fora das aldeias, pelas estradas e campos, de maneira direta e que todos os indígenas terão, daqui para frente, tratamento semelhante aos dos agricultores mortos em Faxinalzinho. Os policias ainda disseram que eles mesmos tinham vontade de aplicar tal tratamento em cada índio da região.
A abordagem durou aproximadamente trinta minutos e, além dos insultos e ameaças, os indígenas foram revistados, assim como o veículo e seus pertences. Ao serem liberados receberam novas ameaças e foi quando, segundo Leonir, um dos policias falou que eles (os indígenas) não têm consciência de onde estão se metendo, que nem a FARSUL e nem a FETRAF deixarão os indígenas sem punição. A atitude dos policias militares, na prática, serve para alimentar o clima de tensão e violência na região, assim como fizeram os deputados federais Luiz Carlos Heinze, Alceu Moreira e Vilson Covatti. Os discursos violentos dos deputados federais nas audiências públicas realizadas para debater a PEC 215/2000, somada à negligência dos governos Federal e Estadual são, certamente, os maiores propulsores da intolerância por parte dos pequenos agricultores e dos grandes produtores rurais contra os povos indígenas.
O governo federal negligencia os conflitos, mesmo tendo atribuição constitucional para fazer as demarcações, fiscalizar e proteger as suas terras e comunidades. Por sua vez, o governo estadual, responsável pelas forças policiais militares que estão atuando na região, e ao que parece foram designadas para intimidar as lideranças indígenas, nada faz no intuito de contribuir com a União para impedir que violações aos direitos humanos ocorram. É importante referir que o governo estadual tem responsabilidade pelo clima de tensão existente no norte do Rio Grande do Sul porque foi o governador Tarso Genro quem primeiro solicitou ao governo federal, no ano de 2013, que todos os procedimentos de demarcações de terras fossem paralisados.
Já a FETRAF-SUL, referida pelos policiais aos indígenas, vem se colocado como força operante das teses ruralistas, tendo organizado diversos piquetes e mobilizações contra os povos indígenas que lutam pela demarcação de suas terras. E mesmo quando os indígenas e agricultores realizam acordos pacíficos com o objetivo de encontrar as soluções para os problemas relativos às demarcações e ao pagamento das indenizações, o governo, atendendo as elites agrárias, não permite que eles se concretizem.
Na quinta-feira, 01 de maio, a TV Bandeirantes exibiu uma reportagem onde apresentou agricultores da região de Sananduva com armas de grosso calibre, e sem nenhum constrangimento o repórter informou que todos os agricultores estão se armando para a “resistência” contra a demarcação das terras indígenas. Não por acaso, Sidimar Levandoski, da FETRAF-SUL, posiciona-se, na mesma reportagem, em defesa destes agricultores.
O Cimi Regional Sul vem a público, uma vez mais, para alertar as autoridades sobre a gravidade do conflito. Lamentavelmente nenhuma medida foi adotada pelos governos estaduais ou federais. O Cimi também alerta para as práticas de incitação à violência, de intimidação e criminalização do movimento indígena. Se medidas não forem adotadas com o objetivo de coibir tais práticas, inclusive das forças policiais, teremos com toda a certeza o aumento da tensão nas regiões de conflito.
Conclamamos a sociedade para que fique atenta e vigilante ao que ocorre no Rio Grande do Sul. São inaceitáveis as agressões à vida e aos direitos dos Povos Indígenas, bem como são inaceitáveis a omissão das autoridades federais e estaduais. É inaceitável que permaneçam na cômoda posição de espectadores, uma vez que são responsáveis pela busca de soluções e, portanto, devem responder por todo e qualquer ato de violência que venha a ocorrer contra indígenas e agricultores.
Chapecó, 03 de maio de 2014
Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul.