Juruna, Babau, e o Papa – Quem não deve não teme
Egon Heck,
Secretariado do Cimi
Sexta feira santa de 2014. Babau Tupinambá é condenado ao silêncio. Impedido de deixar o país. Seu território está militarizado e sua luta pela terra criminalizada. “Querem me impedir de todas as formas de ir para o encontro com o Papa. É uma rede contra a demarcação das terras Tupinambá, contra os indígenas. Não querem que denunciemos ao mundo o que se passa aqui. Isso não é democracia, é ditadura. Como pode se instalar um Estado de Exceção assim, sem mais nem menos?”, questiona cacique Babau.
Babau iria ao Vaticano a convite feito pela CNBB para que participasse de uma celebração relativa à canonização do padre José Anchieta. Na oportunidade, o Babau levaria ao papa documentos e mensagens sobre a questão indígena no Brasil, denunciando violações de direitos humanos e a paralisação da demarcação de terras.
A história se repete
Novembro de
Travaram-se verdadeiras batalhas jurídicas, estando de um lado o governo através da Funai e Ministério do Interior impedindo a viagem de Juruna, e do outro lado Juruna, movimento indígena e seus aliados, impetrando habeas corpus para viabilizar a viagem à Holanda.
Finalmente por quinze votos a nove o Tribunal Federal de Recursos concedeu habeas corpus ao cacique Xavante Mário Juruna e reconheceu seu direito de representar o Brasil no Tribunal Bertrand Russel, atestando a “ilegalidade e o abuso de poder do ministro do Interior Mario Andreazza que negara autorização para o índio sair do país".
Juruna chegou no último dia do encontro, sendo recebido com flores e empossado como presidente das últimas sessões do Tribunal. A tutela fora nocauteada. Porém, só seria superada na Constituição de 1988 e seus resquícios são enfrentados ainda hoje.
Genocídio dos índios no Brasil é levado ao Vaticano
“O etnólogo Frances Christian Delorme, membro do Comitê da Escravatura, informou o Vaticano sobre o assassinato em massa de índios em diversos países latino-americanos. O relatório diz que no tempo do Serviço de Proteção do Índio (SPI), quando era diretor o major Luis Vinhas (já na ditadura militar), este inverteu em seu benefício 300.000 dólares, além de ser responsável pela morte de 42 indígenas… Já não é um ou vários indivíduos monstruosos cujos atos são denunciados. Trata-se da destruição coletiva de várias comunidades étnicas, organizada sistematicamente por uma administração oficial”. (Folha da Tarde, Porto Alegre, 4-03-1970).
Já no ano de 1968, com a publicação do “Relatório Figueiredo” e a CPI do Índio – 1963, o Brasil e o mundo ficaram surpresos com as vultuosas barbaridades cometidas contra os índios no Brasil. Logo as reações nacionais e internacionais se fizeram sentir. “De Genebra, na Suíça, a Comissão Internacional de Juristas pediu ao governo brasileiro para tomar as mais enérgicas providências contra os responsáveis pelo assassinato em massa de índios. Como resultado das corajosas descobertas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, o mundo chocou-se ao saber que tribos inteiras de índios, que viviam em certas regiões do interior do Brasil – em particular nas áreas da Bacia Amazônica e no Mato Grosso estavam sendo exterminadas a vários anos. Os métodos empregados foram excepcionalmente bárbaros: bombardeios de aldeias por aviões, inoculação de varíola e outras doenças contagiosas. Embora não seja possível fornecer números com certeza, pode-se declarar que todos os elementos de genocídio estiveram presentes…” (Estado de Minas, 19/09/68).
Denúncias semelhantes foram apresentadas ao Papa Paulo VI em julho de 1980. Recentemente o presidente do Cimi, D. Erwin Krautler e o assessor teológico da entidade, Paulo Suess, entregaram ao papa Francisco um documento com as graves violações do direitos indígenas, que infelizmente continuam acontecendo.
Como diz o ditado popular “quem não deve não teme!”. Esperamos que a luta dos povos indígenas e seus aliados faça o Estado brasileiro reconhecer os direitos indígenas, demarque e proteja os seus territórios, antes mesmo que comece a rolar a bola na Copa do Mundo. E que os Tupinambá, vítimas primeiras da secular invasão, tenham finalmente suas terras demarcadas e possam viver em paz.