Centro de Trabalho Indigenista divulga relatório sobre violências contra os índios Guarani do oeste do Paraná
Foi divulgado hoje publicação online que contém o relatório “Violações aos direitos humanos e territoriais dos Guarani no oeste do Paraná: subsídios para a Comissão Nacional da Verdade”, produzido pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI).
A publicação ocorre logo após a visita oficial da Comissão Nacional da Verdade à região. A psicanalista Maria Rita Kehl, coordenadora do GT “Graves violações de Direitos Humanos no campo ou contra indígenas”, esteve por quatro dias na região, período em que pode ouvir, in loco, os testemunhos dos índios Guarani que vivenciaram ou presenciaram diversas formas de violências, atos de tortura e assassinatos impetrados contra seu povo. (Ver matéria sobre a visita publicada na Rede Brasil Atual).
Sua visita marca um momento importante, dando início a um processo de reparação e de reconhecimento da memória e do sofrimento Guarani que, no entanto, só será plenamente concluído quando seus direitos territoriais forem efetivados e os Guarani puderem, enfim, viver em paz em sua própria terra.
O contexto de divulgação do relatório é bastante oportuno, uma vez que o Governo Federal, através do Ministério da Justiça, se esforça neste momento, para aprovar uma minuta de Portaria de “Regulamentação [sic] do Decreto nº1775” que, segundo parecer das principais organizações indígenas e indigenistas do país, trata-se de uma proposta velada de paralisar todos os procedimentos de demarcação de terra, por meio de subterfúgios formais. Segundo a proposta do Ministério a Justiça, cujo conteúdo foi tornado público no ano passado, passariam a participar dos estudos de identificação e delimitação de terras vários órgãos do Governo ligados aos setores da sociedade que se opõem às demarcações, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), órgão historicamente vinculado ao agronegócio.
O relatório ora apresentado pelo CTI revela por meio da análise do estudo deste caso específico que a proposta do Governo nada mais faz do que ressuscitar o formato de demarcação instaurado durante o Regime Militar, modelo que foi justamente o responsável por consolidar o esbulho de diversos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas no país, inclusive no Oeste do Paraná. A esse respeito, é nítido como a proposta do Governo Federal ecoa a declaração do Coronel Nobre da Veiga, que esteve à frente da FUNAI (1979 -1981):
“toda vez que é eleita uma área indígena, antes de ela ser decretada, de ser oficializada, procuramos encaminhar, como temos feito, aos Governos dos Estados, aos órgãos federais e estaduais que se interessam pela terra, tais como IBDF, CEMA, INCRA, o DNER, o DNPM, todos os institutos de terra do Estado, de maneira que não passamos à eleição da área sem que esses órgãos nos digam quais serão os problemas criados por essa eleição, para evitar os conflitos que hoje existem em quase todas as 250 reservas indígenas…” (Coronel Nobre da Veiga, Comissão da Câmara, 17/9/1980).
O interesse atual do documento se reforça ainda pelo fato de que a gênese do processo político que culminou na apresentação da proposta de minuta de Portaria pelo MJ foi uma audiência no Senado na qual a então Ministra da Casa Civil apresentou laudo da Embrapa, que justamente tratava da presença indígena no Oeste do Paraná. Por esse meio, justificava a inclusão de diversos outros órgãos no processo de regularização fundiária supostamente “comprovando”, com fotos aéreas que a ocupação guarani no oeste do Paraná seria recente. Essa posição foi reforçada por factoide veiculado também pela Rede Globo, em matéria no Jornal Nacional.
O relatório “Violações aos direitos humanos e territoriais dos Guarani no oeste do Paraná: subsídios para a Comissão Nacional da Verdade (1946-1988)” refuta por meio de vasta análise documental as alegações preconceituosas da ex-Ministra Gleisi sobre o Oeste do Paraná, demonstrando o claro processo histórico de esbulho sofrido pelos Guarani na região, acirrado durante a Ditadura Militar.
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VEJA O RESUMO DO RELATÓRIO:
Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no oeste do Paraná (1946-1988): subsídios para a Comissão Nacional da Verdade. CTI, 2013.
Violências cometidas contra os índios Guarani do oeste do Paraná se perpetuam
O relatório “Violações dos direitos humanos e territoriais dos Guarani no oeste do Paraná: subsídios para a Comissão Nacional da Verdade (1946-1988)”, produzido pelo Centro de Trabalho Indigenista já está online. Ao longo de mais de cem páginas, o relatório traz uma série de depoimentos dos xamoĩ kuery (anciãos) e xaryi kuery (anciãs) que vivem ainda hoje no oeste do Paraná (municípios de Foz do Iguaçu, Diamante d’Oeste, Santa Helena, Guaíra e Terra Roxa). As tristes histórias de vida dos Guarani na região são cotejadas com uma vasta base documental, reunida em 13 anexos, que comprova com clareza a forma como eles e suas famílias foram ilegal e violentamente expulsos de seus locais tradicionais de ocupação, perdendo suas terras, matas e meios de subsistência e sendo relegados à situação de extrema penúria em que se encontram até os dias de hoje.
Abordando um período que engloba o investigado pela Comissão Nacional da Verdade (1946-1988), o relatório mostra como, desde a criação do Parque Nacional do Iguaçu (1939) até a construção da usina hidroelétrica de Itaipu (1975-1982), passando pela avassaladora expansão da frente agropecuária no oeste do Paraná à partir dos anos 40, ocorreu um gradativo tensionamento da estrutura fundiária da região. O Estado brasileiro, ao patrocinar a ocupação da região por ervateiros, colonos, madeireiras e os grandes empreendimentos, promoveu a expulsão, a escravização e assassinatos dos Guarani, ao mesmo tempo que os privou dos meios legais de fazer valer seus direitos civis e territoriais. A partir desse estudo, constata-se assim que o Estado brasileiro, ao instalar um sério conflito social e se furtando a resolvê-lo, relegou os índios ao esquecimento deixando-os à sua própria sorte. Com a força de seus rezadores, homens, mulheres e crianças, eles continuam a resistir.
Ao contextualizar a situação em que vivem as comunidades guarani na região, o relatório deixa claro que os mecanismos de violação dos direitos humanos, intensificados durante o governo militar, continuam vigentes ainda hoje com a não demarcação das terras e a negação do acesso aos direitos sociais mais elementares. Ao final, o relatório propõe medidas de reparação para reverter a condição de precariedade e insegurança, com o reconhecimento dos legítimos direitos das comunidades Guarani na região oeste do Paraná, que lhes foram seguidamente usurpados, de modo a restituir a sua merecida dignidade.