Juiz dá prazo de 48h para permanência de índios em cidade do AM
Uma portaria assinada pelo juiz estadual, Leoney Figliuolo Harraquian, titular da Segunda Vara da Fazenda Pública Estadual determina a proibição de venda de bebidas alcoólicas a indígenas e limita a permanência dos mesmos em até 48 horas no município de Eirunepé, localizada a 1,5 mil km de Manaus, no sudoeste do estado de Amazonas.
A norma também pretende penalizar a Fundação Nacional do Índio (Funai) em R$ 100 mil reais, caso a portaria seja descumprida. Conforme a decisão, a exceção fica se houver a necessidade de permanência do indígena por mais tempo na cidade, como em situações de doenças.
A justificativa do magistrado está na proteção aos indígenas: “Considerando a ausência da Justiça Federal no município de Eirunepé e receoso de que aconteça um mal maior aos índios”.
A “lei seca” e a proibição de permanência de indígenas em Eirunepé afetam, sobretudo, os Kanamari, que vivem às margens rio Juruá, mas se você pertencer a qualquer um dos 305 povos indígenas do Brasil pode estar sujeito a tais sanções.
Na decisão, o juiz não estipula um período específico de vigência da portaria. Apenas faz referência aos dias de recebimento de benefícios, tais como Bolsa Família e demais assistências governamentais. No entanto, a ida dos Kanamari a Eirunepé é constante, inclusive para o comércio de produtos.
Foto: Arquivo Funai
Aproximadamente 5 mil indígenas das etnias Kulina e Kanamari vivem em aldeias localizada na região de Eirunepé. As terras indígenas estão localizadas a longas distâncias da cidade. De canoa ou embarcação de pequeno porte, as viagens levam no mínimo três dias.
Concepção jurídica
A assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte publicou um parecer questionando a portaria, uma vez que a mesma “não possui competência para prescrever condutas proibitivas ou obrigatórias, já que não há esta autorização no sistema jurídico brasileiro”, portanto não tem força de lei, ressalta o documento.
Ainda, preceitua a Constituição Federal de 1988, que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Desse modo, a referida Portaria viola dispositivo constitucional ao impedir que as populações indígenas que vivem próximas a Eirunepé de frequentar e permanecer neste município.
Ademais, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), determina aos povos indígenas os direitos de autonomia e controle de suas próprias instituições, formas de vida e desenvolvimento econômico.
O parecer ainda interpreta que proibir a venda de um produto lícito às populações indígenas poderia, inclusive, ser considerado um ato de racismo. Visto que, há um impedimento a determinado grupo, em virtude de sua raça/etnia em relação à prática de determinada atividade lícita.
Alcoolismo
O problema de alcoolismo configura como um grave problema social e de saúde, principalmente pelos danos acarretados, como suicídio e violência. Soma-se a isso, a escassez de profissionais de saúde especializados e a descontinuidade ou falta de ações prevenção que se coadunem às especificidades de cada etnia indígena ou, no mínimo, sejam voltadas para a população indígena em geral.
Entretanto, a decisão do juiz mais do que repressora, uma vez que impede o direito de ir e vir dos indígenas é também um tanto preconceituosa, uma vez que um dos grandes desafios para solucionar o alcoolismo se deve a falta de infraestrutura na saúde indígena.
Segundo o site Amazônia Real, o coordenador técnico e único funcionário da Funai em Eirunepé, Arquimimo Amaral da Silva, admite a existência de alcoolismo em grupos de índios (uma minoria, segundo ele) que vão à cidade, mas diz que, apesar de “bem intencionado”, o juiz Leoney Figliuolo Harraquian tomou uma medida “extrema, precipitada e que rotulou todos os indígenas de alcoólatras”. Na matéria, o coordenador ainda ressalta que os indígenas não vão a cidade apenas para receber benefícios sociais, mas também para tirar documentos pessoais.
O parecer do Cimi interpreta que proibir a venda de um produto lícito às populações indígenas poderia, inclusive, ser considerado um ato de racismo. Visto que, há um impedimento a determinado grupo, em virtude de sua raça/etnia em relação à prática de determinada atividade lícita.