21/11/2013

Segurança privada invade acampamento e escreve ameaça de morte na terra

Ruy Sposati, de Dourados (MS)

Indígenas do tekoha Apyka’i denunciam que um segurança privado armado, acompanhado de um funcionário da Usina São Fernando, invadiu o acampamento da comunidade Guarani Kaiowá na Fazenda Serrana, em Dourados (MS), nesta quinta-feira, 21. Não houve ataque a tiros nem violência física, mas os dois homens teriam deixado uma ameaça de morte, escrito na terra e mais tarde apagado por eles mesmos, onde lia-se algo como "nós vamos acabar com vocês".

Segundo relato dos Kaiowá, na manhã de quinta, um veículo teria estacionado do outro lado da BR-463, onde fica a fazenda ocupada pelos indígenas. Observados de longe pela comunidade, dois homens desceram, escreveram a ameaça e deixaram o local. Um casal de indígenas voltava à pé da cidade, que fica a seis quilômetros do Apyka’i, e viu a mensagem escrita no chão. "A gente entendeu. Ele veio até ali e escreveu a mensagem dele, ‘nós vamos acabar com vocês’, explica o jovem que viu a mensagem.

Veja galeria de fotos do Apyka’i

De tarde, ainda segundo as famílias que estão no local, o carro teria voltado com as mesmas duas pessoas, que atravessaram a estrada e entraram na aldeia. Um dos homens estava armado. Os indígenas foram em direção às duas pessoas, que recuaram correndo de volta para o carro. "Tava aqui um peão e um pistoleiro da usina. Entraram aqui. Acho que eles querem tirar foto de todo mundo. Não falaram com a gente, deixaram ameaça de morte"., explica uma liderança.

Antes de deixarem o local, os homens teriam apagado quase toda a ameaça escrita na terra, restando apenas a palavra "Nós" e algumas outras letras na terra. Marcas de botinas que rasparam o chão para eliminar a mensagem são evidentes.

Após a invasão, os indígenas passaram a roçar a plantação de cana, no sentido de limpar o terreno e impedir que seguranças armados permaneçam na área sem que possam ser vistos pelos Kaiowá. "Nós vamos tirar a cana, não vamos deixar nenhum lugar para pistoleiro se esconder e atacar a gente", explica uma liderança. A Fundação Nacional do Índio esteve no Apyka’i e registrou formalmente a denúncia dos indígenas.

Mortes e ataques

Em março, uma criança Kaiowá de quatro anos morreu atropelada na estrada. Além dela, outros quatro moradores da comunidade faleceram, vítimas de atropelamentos, e uma sexta pessoa foi morta envenenada por agrotóxicos utilizados nas plantações que circundam o acampamento.

Em agosto, ainda acampados na beira da estrada, um incêndio que, segundo os indígenas, teria sido iniciado propositalmente no canavial da Usina São Fernando, alastrou-se pelo acampamento, destruindo barracas, alimentos e pertences dos indígenas, forçando-os a fugir. A causa do incêndio ainda não foi confirmada.

Em 16 de setembro, depois de 14 anos na rodovia, a comunidade retomou novamente parte do território reivindicado como tradicional, em processo de demarcação e parte do Grupo de Trabalho Dourados-Peguá, onde hoje incide a fazenda Serrana, utilizada pela São Fernando para a monocultura em larga escala de cana-de-açucar.

Gaspem

O Conselho do Aty Guasu, grande assembleia Guarani e Kaiowá, denunciou ao Ministério Público Federal (MPF), em agosto, uma ameaça atribuída a funcionários da empresa Gaspem Segurança à comunidade Apyka’i. Segundo o documento, um grupo de seguranças impediu os indígenas de pegar água no córrego próximo à fazenda, e ameaçou de matá-los caso voltassem ao local. Na ocasião, o secretário geral da Anistia Internacional, o indiano Salil Shetty, visitou o acampamento Apyka’i e afirmou se sentir "em um lugar onde direitos humanos não existem”.

No mesmo mês, o MPF ajuizou ação para que a Gaspem fosse dissolvida e tivesse seu registro comercial cancelado. A empresa é conhecida por sua atuação em propriedades com conflito fundiário e é acusada de executar ataques contra comunidades indígenas, que resultaram em dezenas de feridos e na morte de duas lideranças. De acordo com depoimentos coletados pela Procuradoria, a empresa chegava a receber R$ 30 mil para cada desocupação violenta e os seguranças da Gaspem eram contratados para intimidar e aterrorizar as comunidades.

A participação da Gaspem nos episódios está sendo investigada, tal como o possível envolvimento da empresa nos ataques às comunidades Guarani e Kaiowá de Lagoa Rica, Laranjeira Ñanderu, Ñaderu Morangatu, Sombrerito, Pyelito Kuê e Guaiviry – todas próximas a áreas reivindicadas como tradicionalmente indígenas.  A 4a. Assembleia Terena também relatou a presença da empresa em territórios reivindicados por eles.

Histórico das mortes

No caso do pequeno Kaiowá de quatro anos, atropelado no acampamento em março deste ano, o motorista do veículo fugiu do local sem prestar socorro a criança, e até hoje não foi identificado. Um mês antes do episódio, outro indígena do tekoha havia sido atropelado por uma moto, que também não parou para prestar socorro. De bicicleta e acompanhado da esposa grávida, vinha caminhando pelo acostamento, quando foi atingido por uma motocicleta.

Desde 1999, quando foram expulsos do local, seis pessoas da comunidade faleceram – cinco por atropelamento e uma por intoxicação, em decorrência do uso de agrotóxicos nas plantações ao redor do acampamento, segundo os indígenas.

Os Kaiowá do Apyka’i tentaram por duas vezes retomar seu território originário. A última tentativa ocorreu em junho de 2008, quando os indígenas ocuparam uma pequena parte da fazenda, próximo à mata da Reserva Legal da área, estabelecendo pequenas roças.

No período em que ficaram acampados ali, foram vigiados pela empresa particular de segurança. A Funasa e Funai foram impedidas de prestar atendimento. A ocupação durou até abril de 2009, quando a Justiça determinou a reintegração de posse em favor do fazendeiro. Desde então, o grupo está acampado à beira da rodovia.

Com a expulsão das terras, os índios foram obrigados a ocupar a outra margem da BR-463, por causa das obras de duplicação da rodovia. Um dos maiores problemas dos indígenas de Apyka’i é a obtenção de água potável. Atualmente, eles se valem da água poluída de um córrego para beber, cozinhar e para higiene pessoal.

Um relatório do MPF-MS sobre a situação da comunidade de Apyka’i, publicado em 2009, afirmou que “crianças, jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a condições degradantes e que ferem a dignidade da pessoa humana. A situação por eles vivenciada é análoga à de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no seu próprio país”.

Violência

Em setembro de 2009, um grupo armado atacou o acampamento, atirando em direção aos barracos. Um Kaiowá de 62 anos foi ferido por tiros, outros indígenas agredidos e barracos e objetos foram queimados.

Segundo lideranças da comunidade, o ataque, realizado a mando dos fazendeiros, ocorreu já depois que os indígenas foram despejados da área, e que teve relação com o uso da água de um córrego que fica dentro da área da fazenda. Na ocasião, depois de terem sido despejados, os barracos e todos os pertences dos indígenas foram queimados. O ataque ocorreu por volta da 1h da madrugada, quando o grupo de índios dormia no acampamento improvisado construído no dia anterior.

A fazenda

Segundo apuração da ONG Repórter Brasil, a propriedade foi arrendada para o plantio de cana-de-açúcar pela Usina São Fernando. A usina, por sua vez, é um empreendimento da Agropecuária JB (Grupo Bumlai) com o Grupo Bertin, um dos maiores frigoríficos da América Latina.

Instalada em Dourados (MS) em 2009, a Usina São Fernando é tocada por uma parceria da Agropecuária JB (Grupo Bumlai), especializado em melhoramento genético de gado de corte, e o Grupo Bertin, um dos maiores frigoríficos produtores e exportadores de itens de origem animal das Américas.



Fonte: Assessoria Cimi/MS
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