Indígenas retomam fazenda em área ‘subtraída’ da Reserva de Dourados
Ruy Sposati, de Campo Grande (MS)
Indígenas Guarani Kaiowá retomaram mais uma fazenda que incide sobre o tekoha ("o lugar onde se é") Nhu Vera, em Dourados (MS), nesta segunda-feira, 19. Reivindicado por um grupo de 180 famílias da Reserva Indígena de Dourados, a Fazenda Curral de Arame 2 é parte de uma área que, segundo os Kaiowá, ficou de fora da titulação definitiva da área da reserva, demarcada em 1917.
A àrea, contígua à Reserva Indígena de Dourados, é ladeada por plantações de soja e eucalipto, além de ser cortada pela rodovia MS-162. Em maio de 2011, os indígenas retomaram 26 hectares de seu território tradicional, onde incidia a Fazenda Curral de Arame.
No mesmo ano, os proprietários, Achilles e Lenita Decian, ajuizaram ação possessória na Justiça Federal. No dia 16 de outubro de 2012, o juíz José Luiz Paludetto deferiu o pedido de liminar dos dois fazendeiros e expediu mandado de desocupação e reintegração de posse da área.
O Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) conseguiram a suspensão da ordem de reintegração por 120 dias, até que fosse realizada perícia topográfica e antropológica, que determinaria se a área pertence ou não à Reserva Indígena de Dourados.
O tekoha
No tekoha Nhu Verá, desde 2011, as famílias vem plantando mandioca, abacaxi, banana, milho, manga, pokã. "Sem veneno. Tudo bonito. Gosto de deixar herança. Todo ano dá muita pokã. A gente não dá nem conta de comer", diz Shatalim. "Nós precisamos de espaço. Hoje já não é assim e por isso os índios brigam demais", referindo-se à vida de confinamento nas reservas indígenas.
"Índio gosta o mato. Quando eu tenho que ir na cidade resolver alguma coisa, eu chego lá, me incomodo. Fico dez minutos e quero ir embora. Eu gosto é do mato. Fico o maior alegre quando tô no mato. Eu chamo tudo bicharada. Por isso quero ficar aqui", aponta.
A cobra
Shatalim e os Kaiowá tem certeza de que ficarão na terra, e conta a história da cobra para explicar o porquê. "Depois da retomada, uma cobra chegou na minha barraca. Uma jaracara amarela, grossa. De noitezinha. Eu tomando chimarrão e ela apareceu no fundo. Apontei o fogo e vi que era muito grande". Shatalim conta que matou a cobra a pancadas – e que isto significou não só eliminar a ameaça do animal peçonhento, mas também a vitória na reconquista da terra. "O sinal era muito brabo, muito feio. Depois, eu nunca mais vi cobra aqui depois, nem minhoca. A cobra representa que eu venci ele. Porque eu peguei ele. Se ela [a cobra] me pagasse, ele [o fazendeiro] ia me vencer. Se ela pegasse no meu pé, na minha mão, ele ia me vencer. Aí eu já ia saber que o fazendeiro ia me vencer. Mas como eu bati, eu matei eu venci dele". E termina: "aqui eles não entram. Minha reza é forte. Aqui quem manda é o maracá".
A Reserva
A Reserva Indígena de Dourados foi demarcada em 1917 com 3,6 mil hectares. Ao longo do tempo, sofreu um processo histórico de diminuição de sua área, sendo registrada em 1965 com 61 hectares a menos. O título definitivo de propriedade, expedido vinte anos depois, manteve a redução, e a área total ficou com 3,5 mil hectares – dos quais apenas 3,4 mil estão na posse efetiva dos indígenas. A Reserva abriga 13 mil indígenas Kaiowá, Guarani e Terena, e é considerada uma área de confinamento humano.