06/11/2013

Agricultores fazem protesto e, mais uma vez, ministro da Justiça fala em suspender demarcação

Por Renato Santana,
de Brasília (DF)

O ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, depois de protesto de agricultores, falou em suspender, na tarde desta quarta-feira, 6, o procedimento de demarcação da Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha, entre os municípios de Sananduva e Cacique Doble, Rio Grande do Sul. A decisão gerou revolta entre o povo Kaingang: Cardozo descumpriu acordo firmado no último dia 24 de outubro, em Erechim (RS). Antes da reunião, as demarcações no estado já vinham suspensas.

Na ocasião, representante da Justiça, indígenas e colonos definiram que o governo federal seguiria com a demarcação e ambos os lados da disputa não realizariam mobilizações. No caso, os Kaingang paralisariam retomadas e ações de garantia da terra tradicional. Nesta quarta o comércio de Sananduva fechou as portas, uma rodovia foi trancada e em Brasília protesto bateu às portas do Ministério da Justiça. 

“Ele (Cardozo) está desfazendo o acordo. Já fizemos a autodemarcação e se o governo paralisar o procedimento vamos nós mesmos desintrusar a área. Se houver derramamento de sangue, a culpa será do ministro”, afirma o cacique Leonir Franco Kaingang. Conforme o acertado na reunião do dia 24, diz o cacique, a demarcação deveria ser concluída até o final deste mês.

O encontro ocorreu depois dos Kaingang terem feito a autodemarcação, durante o mês de outubro, dos 1.916 hectares de ocupação identificada como tradicional. A comunidade ficou entre 2003 e 2010 às margens da BR-343. Permaneceram ali sob lonas pretas, suportando o forte calor e o frio rigoroso. Dois indígenas foram atropelados e  o grupo passava por privações. Tudo mudou quando regressaram para a terra tradicional. 

Dali por diante os conflitos passaram a outro patamar, mas estavam na terra a qual foram expulsos quatro décadas antes. Os não-indígenas na área dizem que estão em 115 família. Para os indígenas, o importante é que não haja nenhum, porém defendem que não passam de 60, sendo apenas seis a quantidade de grandes proprietários. Destes, cinco vivem fora das terras que possuem na terra indígena. Plantam soja.  

“Os invasores inflam números, contam aos colonos sobre expulsões de comunidades e fazem um cenário terrível. Falta esclarecimento para o povo da cidade (Sananduva). Acham que os agricultores vão sair de mão abanando, o que não é verdade. O que eles têm na cabeça é que vão ser retirados à força”, destaca o cacique. Ele explica que evitam ir para a cidade à noite e que o Estado precisa garantir as indenizações. “Nós e os pequenos somos todos vítimas deste e de outros governos”, define.

A Terra Indígena Passo Grande do Rio Forquilha tem seus hectares divididos quase ao meio, entre os municípios de Sananduva, onde está a violência contra a comunidade Kaingang, e Cacique Doble, parte da terra em que todo o procediemnto acontece sem resistência de colonos, “ao contrário, temos boa relação com eles”, frisa cacique Leonir.     

Histórico de violências

Contam os mais velhos que os primeiros invasores a chegar na região do Alto Uruguai, noroeste do Rio Grande do Sul, tocavam gado de um canto a outro tendo o território Kaingang como passagem. Por ali acampavam. Alguns foram se instalaram. A rota dos tropeiros não tardou a ser usada por outros grupos, colonizadores, incentivados pela ‘limpeza’ da região promovida pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

Os mais fortes economicamente tiraram os índios das terras, durante todo o século XX. Os pequenos chegaram na sequência. Cada um se disse dono de pedaços maiores ou menores do território Kaingang picotado. Negociavam as terras entre si, com gente de fora e mais ‘no fio do bigode’ do que com escrituras, sendo estas, quando muito, fornecidas ilegalmente pelo governo do Rio Grande do Sul. Cerca de 400 hectares de ‘propriedades’ em Passo Grande do Rio Forquilha estão sem títulos ou documentação.

As expulsões eram violentas. Conforme os mais velhos da comunidade, o invasores vinham e queimavam as casas, as tabas. Propunham parcerias para a plantar e na lavoura seguinte simplesmente se diziam donos da terra. Artemio dos Santos Kaingang, com mais de 70 anos, afirma que tem parentes enterrados abaixo de uma plantação de soja. Na época do SPI, muitos Kaingang fugiam do aldeiamento forçado para o Passo Grande, vindos de Cacique Doble e Ligeiro.

Leonir Caldato é um dos beneficiados destes tempos. Em três ocasiões os Kaingang retomaram a área de 96 hectares do fazendeiro. Desde a primeira ocupação, em 2003, as gavetas da casa grande estavam vazias. Caldato está longe daquilo que ele diz que é seu há, ao menos, 10 anos, segundo os indígenas. 

“A relação com os agricultores invasores é boa, mesmo assim. Concordam que ali era indígena e esperam por indenização, mas os grandes, envolvidos com a velha prática, insistem em produzir factóides de violência e indignação generalizada contra os Kaingang”, encerra cacique Leonir.
 

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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