24/09/2013

Conflito entre grileiros e retireiros “fecha” a cidade de Luciara, MT

Na madrugada desta segunda-feira, 23, dois tiros foram disparados contra a casa do diácono José Raimundo Ribeiro da Silva (Zecão), agente da Prelazia de São Félix do Araguaia, em Luciara, região Norte Araguaia, no Mato Grosso. O clima na cidade de pouco mais de dois mil habitantes é tenso desde a semana passada, quando na quarta-feira (18) a casa no retiro do líder dos retireiros, Ruben Eterny Sales, foi queimada.

Desde sexta-feira (20) o comércio da cidade foi fechado, a rodovia MT 100 – que dá acesso à cidade – foi bloqueada, máquinas foram colocadas na pista de pouso do aeroporto da cidade e foram montadas estratégias para evitar a chegada de pessoas pelo rio para evitar uma suposta visita de membros do Instituto Chico Mendes à cidade, que estaria marcada para o sábado, para a implantação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), de 110 mil hectares. A ação foi coordenada pela Associação dos Produtores da região e tem a participação de quase todos os vereadores da cidade.

Os proprietários de terras, com medo de que fosse realizada uma Consulta Pública para transformar a área reivindicada pelos retireiros em Reserva de Desenvolvimento Sustentável, barraram, no dia 19, dois geógrafos que iam realizar um trabalho de cartografia social dos retireiros. Dois homens grisalhos, armados, fizeram com que eles entrassem em seu carro e os escoltaram até o entroncamento com a BR 158, onde era o Posto da Mata, a 100 km de Luciara, onde estavam.

Também barraram, por duas vezes, na estrada um ônibus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), com pesquisadores e um grupo de alunos de mestrado em geografia que iriam fazer um estudo de campo na região. Os proprietários (na realidade, grileiros) queriam revistar o ônibus, ameaçaram incendiá-lo e proibiram que fossem tiradas fotografias. Também impediram que o grupo seguisse até São Félix do Araguaia.

O trabalho que geógrafos e alunos da UFMT iriam realizar nada tinha a ver com a reserva (RDS), pois todo o trabalho necessário à criação da reserva já havia sido feito, inclusive o mapeamento social dos retireiros.

Na madrugada de sábado último, 21 de setembro, foram incendiados pneus em frente à casa de Ruben, na cidade. Por volta das 7h da manhã, ele surpreendeu dois homens encapuzados com um galão de gasolina prontos para jogá-la sobre o carro de sua esposa.

Na noite de sábado para domingo mais uma liderança, Jossiney Evangelista, teve a casa de seu retiro incendiada. Jossiney é índio Kanela, retireiro e vereador da cidade. Ao tentar voltar do seu retiro para sua casa na cidade foi impedido de entrar. Um policial que estava no local, ao ser inquirido por não reagir, disse não poder fazer nada.

A bióloga Lidiane, irmã de Ruben, recebeu ameaças de ser queimada viva em cima de sua moto.

No domingo, a população da cidade foi convocada para um grande churrasco no local do bloqueio da MT 100, de onde partiram em passeata para a cidade. Uma das faixas dizia: “Rubem e Zecão, diácono agente da Prelazia, mentem para o povo de Luciara”. E outra: “A Prelazia é o câncer dos trabalhadores Rurais do Araguaia”.

Foram feitos contatos com autoridades estaduais e federais, mas até o momento não se tem notícia de nenhuma ação concreta.

 

O que são Retireiros?

A identidade retireira tem relação com os ocupantes não-indígenas da região do Vale do Araguaia. São pequenos criadores que criam à solta seu gado nas pastagens naturais do cerrado e varjões da região, numa dinâmica de agroextrativismo do capim nativo. É uma prática tradicional, adequada às características ecológicas e sociais locais que se mantém desde a década de 1930, data da presença dos primeiros sertanejos na região de Luciara.

O gado é criado de forma extensiva em terras comuns com pouca alteração da paisagem natural. Nestas áreas há o espaço do retiro, local de moradia e manejo do gado, organizado individualmente ou em grupo. Nos retiros são construídas casas, piquetes para manejo de gado, currais e cisternas. Varjões, lagos, rios, matas não inundáveis e toda a paisagem é de uso comum.

 

A criação da RDS foi solicitada pelos retireiros, apoiada por professores e alunos da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), para garantir a manutenção desta área de exploração coletiva, impedindo que acabasse mercantilizada e colocada sob o domínio de um fazendeiro qualquer. Os retireiros se organizaram na Associação dos Produtores Rurais do Mato Verdinho (Aprumav).

Mais informações:

Cristiane Passos (assessoria de comunicação CPT Nacional) – (62) 4008-6406 / 8111-2890

 

 

Fonte: Assessoria de Comunicação da CPT
Share this: