MS: indígenas ocupam sede do distrito de saúde; leia carta
Ruy Sposati, de Campo Grande (MS)
Cerca de quarenta lideranças indígenas Terena, Guarani, Kaiowá, Guató e Kadiwéu ocuparam na manhã desta quarta-feira, 18, a sede do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), em protesto contra a atual gestão do órgão. O movimento é pacífico e exige o afastamento do atual coordenador do órgão, Nelson Carmelo, e a indicação de um novo nome, sob orientação do movimento indígena. Em carta lançada esta tarde, as lideranças afirmaram que não deixarão o prédio até que suas demandas sejam atendidas.
Segundo os indígenas, apesar do movimento ser pacífico e não ter tido a intenção de paralisar os serviços do distrito de saúde, o coordenador do departamento exigiu que os funcionários evacuassem o prédio. Ainda, teria ameaçado de demissão servidores que não cumprissem a ordem, e afirmou que, caso os indígenas não desocupassem o local, entraria com um pedido de reintegração de posse do prédio. No site da Justiça Federal, contudo, ainda não há registro de nenhum pedido de despejo.
Indígenas Terena de diversas aldeias vieram até Campo Grande para realizar o protesto na sede do departamento, onde acontecia uma reunião da comissão de organização da Conferência Estadual de Saúde Indígena. Os participantes do encontro se somaram à manifestação, que reivindica a vinda do secretário Antônio Alves, chefe da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ao qual o DSEI é ligado. "Ele precisa nos ouvir. Não podemos mais aceitar que forças políticas do estado utilizem a saúde indígena como moeda de troca com aqueles que os beneficiaram em campanhas eleitorais", finaliza a carta.
Leia o documento na íntegra:
Carta da ocupação indígena do Dsei-MS
Hoje, nós, indígenas Terena, Guató, Kadiwéu, Guarani e Kaiowá ocupamos pacificamente a sede do Distrito Sanitário Especial Indígena do Mato Grosso do Sul (DSEI-MS) para exigir o afastamento do atual coordenador do órgão, Nelson Carmelo. Esta demanda não é uma pauta individual de poucas aldeias ou lideranças da região: é parte de uma luta histórica dos indígenas em defesa de melhorias no atendimento à saúde.
Antes de falarmos de nossa luta, no entanto, gostaríamos de contrapor algumas informações que tem sido veiculadas pelo coordenador do DSEI a respeito da nossa manifestação:
1. Nosso movimento é pacífico. A Polícia Federal esteve presente na ocupação e pode constatar que o movimento buscava dialogar com ele de maneira democrática e pacífica, e que o coordenador, ao contrário, se posicionou de maneira autoritária e foi incapaz de dialogar conosco;
Nossa ocupação tem como único fim a saída do atual coordenador do DSEI e a nomeação de um novo coordenador para a pasta. Esta seleção, contudo, deve ser qualitativa e ter participação intensa do movimento indígena, de modo que possa atender aos anseios dos povos do Mato Grosso do Sul;
3. No sentido de jogar os servidores do DSEI e a opinião pública contra nós, indígenas, o coordenador teria dado uma ordem aos funcionários do departamento para que o prédio fosse evacuado. Nós entendemos que o funcionamento dos serviços essenciais do DSEI é fundamental para a garantia do acesso dos indígenas à saúde, e exigimos que os serviços voltem a operar normalmente;
4. O coordenador teria ameaçado entrar com um pedido de reintegração de posse contra a ocupação. Esta é mais um atestado de que o atual coordenador é autoritário e incompetente para dialogar com os indígenas. Nós avisamos: não iremos desocupar o prédio até que nossas demandas sejam atendidas.
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Como dizíamos, esta luta pela saúde indígena não começou hoje: ela já dura décadas. A criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), da qual o DSEI é parte, também é fruto de nossa luta. Ter um departamento próprio ligado ao poder executivo que tratasse com exclusividade da saúde indígena era um de nossos sonhos.
No entanto, três anos depois da criação da secretaria, nós temos visto nossos sonhos se transformarem em um pesadelo. Em termos significativos, não houve melhorias na atenção à saúde indígena.
A situação nas aldeias é bastante precária. Existem cerca de 80 postos de saúde espalhados pelas aldeias – a maioria deles sem condições mínimas de atender às populações indígenas. Estruturalmente, as construções estão depredadas, precárias, sem banheiros, ventilação, iluminação e há anos sem refromas.
Não há insumos e equipamentos básicos para as equipes de atendimento. Aparelhos de pressão, otoscópios, termômetros, equipamentos básicos de agente de saúde como balanças, bicicletas, mochilas e uniformes – materiais essenciais como estes praticamente não existem. Muitas vezes, os trabalhadores tem de emprestar entre si estes equipamentos para desempenhar suas funções.
Sofremos, também, a falta de medicaçao básica. Muitas vezes, os indígenas recebem receitas, e os remédios levam de 5 a 10 dias para chegar. Às vezes, nem chegam. Por conta da falta desse tratamento incial, vemos uma gripe de transformar em pneumonia.
Todos estes problemas vem sendo exaustivamente discutidos e denunciados por todo o movimento indígena da região em cartas, documentos, protestos e ocupações. O Conselho Terena, a grande assembleia Guarani Kaiowá Aty Guasu, a Associação Kadiwéu, os Guató, os Kinikinau, os Ofayé, todos temos participado de mobilizações em defesa da nossa saúde. E até hoje não houve uma resposta efetiva para isso tudo que relatamos.
As comunidades ficam muito tristes. E nós, lideranças, não temos outra saída a não ser nos mobilizar. Não restou outra alternativa para nós a não ser ocupar o prédio do DSEI. Esta não foi a primeira vez – mas esperamos que seja a última.
Parte considerável da responsabilidade destes problemas está na conta da atual gestão, coordenada por Nelson Carmelo. O secretário especial de saúde indígena da Sesai, Antônio Alves, precisa vir ao Mato Grosso do Sul. Ele precisa nos ouvir. Não podemos mais aceitar que forças políticas do estado utilizem a saúde indígena como moeda de troca com aqueles que os beneficiaram em campanhas eleitorais.
18 de setembro de 2013 – Campo Grande, Mato Grosso do Sul
Lideranças Terena, Guató, Kadiwéu, Guarani e Kaiowá