Carta conjunta do Conselho da Aty Guasu dos Kaiowá e Guarani com a Comunidade do Apyka’i que fez a retomada de sua terra
Nós, do Conselho Aty Guasu, junto com a comunidade do Apyka’i, informamos as autoridades brasileiras que retomamos nossa terra tradicional no dia 15 de setembro de 2013, no município de Dourados, em Mato Grosso do Sul. A comunidade Apyka’i vem esperando há décadas pela demarcação da terra. Terra onde nasceram, cresceram e viveram até o momento em que foi invadida por não índios, que hoje se denominam proprietários da terra.
A comunidade está cansada de esperar pela boa vontade do governo e da justiça que, enquanto prolongam a busca de soluções dos problemas, especialmente da demarcação das nossas terras, as pessoas vão morrendo na beira das estradas. A comunidade do Apyka’i está localizada nas margens da BR- 463, que liga a cidade de Dourados à Ponta Porã. Lá, na beira da estrada, as crianças passam fome, adoecem e os pais não sabem de onde tirar os alimentos, pois hoje não tem terra para plantar, não existem mais caças, nem pesca por conta da poluição constante e do desmatamento que acabou com nossa alimentação natural. Por tudo isso a nossa comunidade decidiu retomar o TEKOHA, a terra tradicional, onde o espírito e alma se sentem felizes, mesmo passando por dificuldades e sofrimentos.
O Conselho Aty Guasu, junto com a comunidade Apyka’i, vem se manifestar publicamente para cobrar do governo e da justiça brasileira o respeito e garantia dos nossos direitos. Chega de omissão, não vamos mais aceitar que o governo continue a tratar o povo indígena Kaiowá e Guarani com desprezo, porque isso faz parte de uma política que nega nossa existência, nega nossos direitos e impõe uma prática de genocídio silencioso. Há décadas esperamos que se resolvam, de maneira pacífica as questões que envolvem nossos direitos, mas o governo parece que não quer uma solução “pacífica “, parece querer que, para conquistar as nossas terras, tenhamos que derramar nosso sangue. Parece que o governo e a justiça brasileira querem a nossa morte.
Hoje, percebemos que se não nos pintarmos e pegarmos as nossas flechas, bordunas e partir para ação vamos continuar sofrendo fome, sede, sofrimento e injustiça. Enquanto isso, em cima da nossa terra os fazendeiros lucram, devastam, exploram, contaminam a terra e a natureza. E isso nós não vamos aceitar mais, por uma questão de justiça. Chega de esperar, chega enrolação, estamos retomando a terra que é nossa, porque as vidas que perdemos durante a espera pela justiça brasileira são inaceitáveis.
Voltamos para dentro de nossa terra apesar da pressão e perseguição dos fazendeiros e das dificuldades pela falta de alimentos e de infraestrutura. Tiramos nossa força da religião, de nossos Nhanderu, de nossas rezas, cantos e rituais. Nos sentimos felizes e fortalecidos para enfrentar as lutas que virão pela frente.
Terra indígena Apyka’i – Dourados – MS, 16 de setembro de 2013.