Povo Karitiana e os efeitos negativos das barragens do Rio Madeira
“Eis nossa voz aos atingidos do Brasil e do mundo”!
Nós Povo Indígena Karitiana habitamos na Terra Indígena Karitiana, distante cerca de 90km de Porto Velho, nas seguintes aldeias: Kyowã, Bom Samaritano, Byjyty osop aky e Juarí. Vimos por ocasião das reflexões realizadas em nossa grande assembleia, expor no Encontro Nacional dos Atingidos por Barragens 2013, nossas angústias, preocupações e violências ainda vivenciadas diariamente por nossas comunidades e territórios tradicionais. Podemos afirmar para todo o mundo que o Povo Karitiana está vivendo uma grande noite com a construção das hidrelétricas do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.
Parece se repetir a grande noite que caiu sobre os povos indígenas de Rondônia com a construção da BR-
Quando Furnas e Odebrechet começaram a fazer os estudos, tentaram de todo jeito conseguir nosso apoio e a nos enganar, inclusive tivemos atritos entre membros do Povo Karitiana, pois tinha os que eram contra e os que se tornaram à favor, mediante promessas de melhorias da vida de nosso povo, oferta de emprego, tudo com a conivência da Funai. Foram muitas reuniões na comunidade para convencer-nos a não se posicionar contrários. Tínhamos todos os motivos para isso, já que nossa terra está no que eles chamam de influência indireta, mas discordamos porque o principal igarapé Sapoti que corta nossa terra sofre influências das cheias do rio Madeira e formando o lago permanente o mesmo ficará sempre cheio, o que vai intensificar aumento nos casos de malária, que normalmente ocorrem nos períodos de cheia, ou seja, igarapé sempre cheio, malária o ano inteiro.
Além desta situação, reivindicamos e nos foi prometido nas compensações de que nossa terra tradicional, que ficou de fora da demarcação inicial, com mais de trinta aldeias antigas, teria prioridade na demarcação, mas isso não ocorreu até agora e ao mesmo tempo, dezenas de planos de manejos foram aprovados para extração de madeira incidindo sob estes territórios que reivindicamos, limpando a floresta, antes de garantirem nosso direito à terra tradicional, amparado na Constituição Federal. Por outro lado devido esta pressão, foi aprovado pela comunidade a construção de um Posto de Vigilância com recursos das compensações. O projeto de construção da casa que abrigará este posto de vigilância, inicialmente apresentada à comunidade, foi orçado em 360 mil reais, mas tomamos conhecimento que o projeto foi reajustado e gasto mais 400 mil, com anuência da Funai e sem passar pela decisão da comunidade. Esse fato já levamos à conhecimento do Ministério Público Federal, porque não é compatível a obra com as despesas. Este recurso gasto era para investir em benefícios de nosso povo e lamentavelmente tomam decisões como que se fossemos meros expectadores enquanto empresas lucram em cima de nosso Povo.
Outro fator que nos deixa consternados é que desde 1995 estamos lutando para anexar uma parte de nossa terra que ficou fora da demarcação atual, embora nossos mais velhos já reivindicassem que a terra chegasse até o rio Candeias onde tem cemitério, roçados e malocas antigas desde a primeira demarcação. Já foi constituído mais de 2 grupos de estudos para corrigir este erro proposital da Funai, mas os trabalhos não avançam e muita grana das compensações foram aplicadas neste trabalho. A ofensiva contra a demarcação desta nossa terra, onde fica a aldeia Byjyty osop aky em 2011 sofreu ataques de políticos, como do atual presidente da Frente Parlamentar do Agronegócio deputado Moreira Mendes e de um ex-governador e atual senador Valdir Raupp, conjuntamente com mais parlamentares e a prefeitura do município de Candeias do Jamari (ambos de RO), que entraram com Mandato de Segurança (TRF 1ª. região Processo Nº 53580-76.2011.4.01.3400), contrários à realização dos estudos pelo grupo instituído pela Funai. Isso representa uma afronta aos nossos direitos garantidos na Constituição.
Convém destacar que o Programa Luz para Todos em 2009 atendeu uma parte de nossas aldeias, inclusive como medida paliativa às nossas necessidades. Nosso povo pagou mais de 50 mil reais na abertura da estrada para dar acesso aos veículos do Luz para Todos, do contrário estaríamos até agora sem energia elétrica. Mas o que era para ser solução de melhoria da qualidade de vida, hoje coloca na inadimplência a maioria das famílias que não possuem renda para pagar as contas, já que não temos incentivos produtivos por parte da Funai ou outros órgãos afins. Os únicos que conseguem pagar são professores, agentes de saúde e idosos que recebem a aposentadoria e deixam de comprar gêneros necessários para pagar a conta de energia que em média custa 80,00 reais por mês cada família. Entendemos que não devemos pagar nada pela energia elétrica precária que chega até nossas aldeias. Primeiro que temos sido violentados por este modelo de Estado que por mais de cinco séculos nos oprimiu, matou, humilhou e que nos trata nos dias atuais como empecilhos ao tal desenvolvimento. Segundo porque temos prestado um serviço ambiental para RO, para o Brasil e para o Mundo, respeitando a nossa Mãe natureza, diferente dos projetos dos governos e das empresas que barram rios, desmatam a floresta, põem fogo em tudo para converter em pastagens ou plantios de soja entre outros, que por meio do agrotóxico produzem e matam a terra.
Na Saúde, mesmo com a implantação da Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI, constatamos mais uma vez que a falta de um atendimento diferenciado tem provocado o agravamento de saúde e em alguns casos a morte de indígenas. No último final de semana perdemos duas pessoas de nosso povo, vítimas do câncer e sabemos que vem da alimentação externa, dos enlatados que nos empurraram ao invés de apoiar nossa produção de alimentos nas aldeias. Continua a demora do atendimento nos hospitais e os pacientes que necessitam de tratamento especializado, dentro e fora do Estado não é priorizado seu encaminhamento. A estrutura da Casa de Saúde Indígena atende em nível regional, sem dar o atendimento devido e especifico para os povos Karitiana, Karipuna, Cassupá e Salamãi. Falta equipe médica, infra-estrutura de refrigeração, medicamentos, equipamentos e formação específica dos profissionais envolvidos. Também faltam medicamentos básicos nos postos de saúde das aldeias. Por isso exigimos que haja um pólo base, específico e diferenciado para os povos da região
No tocante a Educação, a morosidade do Estado de Rondônia em cumprir as normas de oferta do ensino fundamental e médio em nossas aldeias é alarmante. O transporte da educação escolar indígena só atende os professores não indígenas, que atuam nas aldeias e exigimos que os mesmos direitos sejam estendidos aos professores indígenas. Nossos alunos do 6º ano e ensino médio da aldeia Bom Samaritano estão sem transporte escolar até a aldeia Central, dificultando a vida dos pais que necessitam se deslocar vários quilômetros para deixar e buscar seus filhos, gerando despesas e diminuindo tempo de ir pro roçado. Até o direito à alimentação escolar tem sido negada, porque não há regularidade no transporte dos produtos na escola Kyowã, aldeia Central. Mesmo nossas escolas terem constituído, não vemos a implantação do Conselho Escolar com a participação dos representantes do nosso povo de fato e de direito.
Diante desse cenário afirmamos que as hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio atingem o povo Karitiana. Repudiamos que toda pactuação para reparação ou compensação de danos causados por essas obras estão sendo feitas diretamente com a Funai, sem a participação dos povos indígenas afetados. Nessa região das usinas há presença de indígenas isolados, reconhecidos pela Funai, que podem estar sendo exterminados. Responsabilizamos a Funai, a União, o governo estadual, municipal e as empresas responsáveis por esses empreendimentos por eventual genocídio desses povos isolados. Reivindicamos a imediata interdição e demarcação das terras dos povos indígenas livres, que transitam no Território Karitiana e seu entorno.
Exigimos a Conclusão imediata do GT de revisão dos limites da Terra Indígena Karitiana, bem como que o Governo do Estado de Rondônia cumpra com os acordos que assumiu com o povo Karitiana no ano de 2012. Reivindicamos a liberação dos recursos para o inicio dos trabalhos de reaviventação da Terra Indígena Karitiana demarcada, previstos nas compensações sociais da Santo Antonio Energia. Exigimos que o Governo brasileiro institua um grupo de trabalho com nossa presença, para fiscalizar as obras e recursos já gastos em compensações nas terras indígenas e que sejam punidos os responsáveis por desvios diante das evidências existentes. Exigimos a suspensão imediata pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental – SEDAM de todos os planos de manejos que incidem sobre a terra reivindicada pelo nosso Povo, pois estamos refém dos governos e de depredadores dentro de nosso próprio território tradicional, violentado por este modelo que mata a vida.
Diante de tudo isso, renovamos nossa indignação e nossos protestos e exigimos respeito aos nossos direitos tão duramente conquistados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT, e hoje ameaçados por aqueles que só sabem explorar as riquezas e os povos do nosso país. Exigimos que o Governo brasileiro suspenda todas as obras e projetos de hidrelétricas e hidrovias que afetem povos indígenas, populações tradicionais e pequenos agricultores, até que seja regulamentado o princípio da consulta prévia e informada, respeitando as decisões destes. Nenhuma barragem deve barrar nosso modelo de vida que nos permitiu resistir por mais de 500 anos. Esse modelo que ai está só tem gerado morte para nós e por isso somos contra.
Deixem nossos rios e nossos povos livres de barragens e da opressão de decisões governamentais à serviço das empresas que financiam suas campanhas eleitorais.
Juntos aos nossos parentes dos rios do Brasil (Madeira, Juruena, Machado, Teles Pires, Tapajós, Xingú, Paraná, São Francisco…) e do Mundo (Madre Diós, Patzepango…), vítimas de Barragens, erguemos e fazemos Ecoar a nossa Voz para defender Águas para Vida e não para a Morte!
Povo Karitiana, Aldeia Central, 30 de agosto de 2013.