04/09/2013

Os ciclos colonizatórios no Rio Grande do Sul e os enfrentamentos necessários ao latifúndio na defesa dos direitos territoriais indígenas no Brasil

Assim vivem os povos indígenas no Rio Grande do Sul. Foto: Renato Santana/Cimi.

Em 1856, o governo oficializou a primeira grande redução das terras indígenas no estado do Rio Grande do Sul. Por meio de ato público, delimitou uma área compreendida entre os limites naturais do Rio Uruguai, ao norte, o Rio Passo Fundo, ao oeste, o Rio da Várzea, ao Leste, e os “Campos de Sarandi”, ao Sul. Calcula-se que este perímetro chegue a aproximadamente 420 mil hectares de terra. Esta demarcação foi feita a fim de diminuir a resistência e os enfrentamentos que os Kaingang faziam à colonização do seu território.

 

Em 1912, já com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), a área acima descrita, “reservada” aos indígenas, sofreu nova redução. No interior da mesma, foram demarcadas as terras indígenas Serrinha, com 11.950 hectares, e a terra indígena Nonoai, com 34.950 hectares. O restante, cerca de 373 mil hectares foi disponibilizado ao avanço da colonização.

 

Por volta dos anos de 1950 e 1960, o processo de colonização avançou para cima também destas duas terras indígenas. A terra indígena Serrinha foi extinta e os indígenas levados em caminhões para a terra indígena Nonoai. Nesta, por sua vez, os Kaingang conseguiram assegurar a posse de aproximadamente 3.000 hectares. Do restante, uma parte foi transformada em parque florestal estadual e a outra foi tomada por arrendatários que, posteriormente, receberam, do governo do Rio Grande do Sul, títulos das áreas arrendadas dentro da terra indígena.

 

Neste processo colonizatório, por não imprimirem resistência bélica, os Guarani acabaram totalmente alijados de seu território. Sendo obrigados, desde então, a residirem, “de favor”, no interior das terras reservadas aos Kaingang ou nas beiras das rodovias que foram sendo abertas no estado.

 

Os Kaingang nunca se conformaram e sempre imprimiram grande resistência aos colonizadores. Foi exatamente esta resistência e os enfrentamentos por eles implementados que obrigou o Estado a ao menos oficializar as reduções de seu território. E foi a partir dos poucos hectares restantes que os Kaingang encontraram força para retomar parte do território tradicional, iniciando este ciclo com a expulsão dos não-índios da terra indígena Nonoai em 1978. Nos anos seguintes, retomaram também a terra indígena Serrinha, auto-demarcaram a terra indígena Iraí e continuaram a luta pela reconquista de espaços minimamente suficientes para viverem de acordo com seu jeito próprio de ser. A Constituição Federal de 1988 potencializou as forças dos povos indígenas nesse processo.

 

Estamos convencidos, no entanto, de que vivemos um momento da história em que os colonizadores, sempre em conluio com o Estado, estão articulados e empenhados não só para romperem este processo de reconquista territorial por parte dos povos, mas também para implementarem um novo ciclo colonizatório-desenvolvimentista em âmbito nacional, aos moldes do ocorrido nos períodos de 1856, 1912 e 1950 no Rio Grande do Sul. Para tanto, implícita ou explicitamente articulados, enquanto os governos, federal e estaduais, buscam enredar os indígenas em “mesas de diálogo” que os mantenham “quietos”, os ruralistas pressionam e manejam instrumentos, de forma maciça e violenta, na perspectiva de romper os direitos coletivos estabelecidos na Carta Magna.

 

Como bem mostra a história, neste contexto, para assegurar seus direitos territoriais, não resta outra alternativa aos povos indígenas senão a resistência e o enfrentamento agudo ao latifúndio colonizador. Do contrário, com as duplicações de rodovias que estão em curso em muitas regiões do país, não restarão nem mesmo as beiras de estradas para os povos “se abrigarem”.

Fonte: Cleber César Buzatto - Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário - Cimi
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