Indígenas suspendem mesa de diálogo depois de divergência com governo
Por Renato Santana,
de Brasília (DF)
A bancada indígena suspendeu os trabalhos da primeira reunião da Mesa de Diálogo, criada por decisão da presidente Dilma Rousseff, na tarde dessa quinta-feira, 22, depois de ouvir proposta do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de criação de uma comissão executiva para tratar dos conflitos fundiários no país. O encontro será retomado na manhã dessa sexta, 23, às 9h30, no Ministério da Justiça.
Para os povos indígenas o que interessa discutir são as demarcações de terras como resolução para o conflito fundiário em eclosão pelo país. Para tanto, as lideranças realizaram um minucioso levantamento por região das demandas. O objetivo é traçar um cronograma de trabalho com metas e prazos.
“Terra indígena é para ser demarcada conforme a Constituição Federal e o Decreto 1775. Não tem conversa sobre isso. Políticos ligam e o governo suspende demarcações. Que diálogo é esse?”, afirmou o cacique Marcos Xukuru. Os indígenas criticaram também o fato da comissão proposta por Cardozo ser enxuta, ou seja, com poucos representantes dos povos.
Na proposta do ministro, a mesa seria executiva e no âmbito da CNPI. Traria em seu bojo as experiências em curso de mesas montadas no Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, além de outras pretendidas pelo governo no Paraná, Santa Catarina, Bahia e Alagoas. Em todos estes estados, os procedimentos de demarcação foram suspensos para a instalação do ‘diálogo’.
“Tenho muita dúvida se a palavra vai continuar depois da eleição. Mudam as pessoas e tudo com plica. Não sei se ele (ministro Cardozo) entende o que é a terra. A terra corre nas nossas veias. Interagimos com a água, com as florestas. Para a sociedade isso não tem sentido, porque se vende a terra e vai embora”, declarou Manoel Moura Tukano. Presente na história recente das lutas indígenas, Moura declarou que no país são 305 povos para apenas uns poucos representantes na comissão executiva.
Os indígenas discutem a proposta, que para eles demonstra o quanto o governo federal está refém da bancada ruralista e interesses políticos. Cardozo admitiu, durante fala, a razão da suspensão do procedimento de demarcação na Terra Indígena Xukuru-Kariri, em Palmeira dos Índios (AL). O ministro afirmou que os senadores Renan Calheiros e Fernando Collor pediram o ‘diálogo’ e ele aceitou, pois segundo os parlamentares a demarcação iria gerar violência.
Cardozo justificou a decisão pelas mesas de diálogo, em detrimento da sequência natural dos procedimentos de demarcação, com críticas a lentidão do Judiciário em julgar processos envolvendo as terras indígenas: “Quando os conflitos são judicializados as coisas se arrastam por décadas e o conflito torna-se permanente. Prefiro um fim horroroso do que um horror sem fim. Não aceito violência de nenhum dos lados”.