Povo Guarani Mbya retoma Terra Indígena Irapuá, território imemorial
Por Patrícia Bonilha,
de Brasília
A sensação térmica era de alguns graus abaixo de zero na madrugada de ontem (25) na beira da BR 290, quando cerca de quinze famílias Guarani Mbyá retomaram a área de
À tarde, o procurador da República se reuniu com os indígenas na área ocupada e manifestou total apoio às famílias. Ele afirmou que a ocupação da área já declarada como sendo indígena é justa e se comprometeu a enviar um ofício para o Ministério da Justiça para que seja imediatamente publicada a portaria declaratória da terra indígena Irapuá, já que ela não se enquadra dentro das áreas que o governo tem objeção em demarcar por causa dos conflitos com pequenos agricultores.
Localizada entre os municípios de Caçapava do Sul e Cachoeira do Sul, a cerca de
Desse modo, os indígenas estão determinados a permanecer na área retomada. Durante o dia de ontem eles construíram várias moradias nos limites da área. “Não sairemos daqui. A ocupação é permanente. A terra é nossa. Nossos ancestrais viveram aqui e aqui vamos voltar a morar, plantar e comer como fazíamos antes, nos nossos costumes. Vamos fazer isso de novo e isso vai mudar nossas vidas”, anuncia Albino Gimenes, de 38 anos e há 10 anos vivendo na beira da BR 290.
A importância de proporcionar para as 30 crianças da comunidade indígena o nhande reko é outro estímulo para a retomada da vida tradicional dos Guarani. Acampados na beira da BR, eles vivem sem nenhuma infraestrutura, sem condições dignas de moradia, saúde e educação. “O rigoroso inverno, com intensas geadas, piorou muito a já desumana e brutal condição em que estão vivendo as 15 famílias. As lonas, nos tetos dos barracos, têm buracos de até um metro entre uma e outra estaca. Não há lenha nas proximidades. O frio está sendo tão intenso que estava sendo impossível dormir e as crianças choravam a noite toda ali”, informa Rempel.
Histórico da retirada da terra
As quinze famílias que compõem esta comunidade do povo Guarani Mbyá nunca saíram deliberadamente de suas terras tradicionais mas, com o crescimento das cidades e a expansão das fazendas, ficaram cada vez mais encurraladas, chegando ao ponto de ocupar apenas uma faixa de domínio público na beira da rodovia federal.
Após o longo processo de demarcação feito pela Funai, que levou 15 anos, foram delimitados, em 2011,
As contestações feitas por fazendeiros da área não foram aceitas, mesmo assim o processo está parado no Ministério da Justiça. Diferente de outras áreas reivindicadas, não há pequenos agricultores, nem benfeitorias de fazendas nesta terra. No entanto, três fazendeiros reivindicam, mesmo sem escritura ou qualquer documentação, o uso dela para a criação de gado e plantação de soja e trigo. Segundo os indígenas, um deles, José Denemídio Almeida, que contestou o processo demarcatório da Funai, é dono de várias propriedades agrárias e tem bastante influência política na região.
Para conciliar conflitos, ao invés de indenizar os agricultores (muitas vezes detentores de títulos de terra concedidos pelos governos anteriores), o estado do Rio Grande do Sul tem historicamente a prática de retirar os Guarani de suas terras tradicionais através da transferência deles para pequenas áreas degradadas, geralmente áreas devolutas e impróprias para cultivo da agricultura de subsistência. No entanto, o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais é originário, ou seja, ele é anterior ao direito concedido pelo Estado. “Os Guarani têm, culturalmente, muita paciência diante das adversidades. E sempre foram muito pacientes nestes anos todos em que viveram fora de suas terras, mesmo em condições desumanas. Mas decidiram que não mais aceitar a violação aos seus direitos. A decisão agora é de lutar definitivamente pelas suas terras tradicionais”, conclui Rempel.