Crianças Marubo têm membros amputados por falta de soro antiofídico
O drama em que se encontra o atendimento à saúde na Terra Indígena do Vale do Javari é público e notório há tempos. Inúmeras denúncias já foram feitas aos órgãos governamentais, mas a situação não muda. Ontem (3), os povos indígenas Marubo, Mayuruna, Matis e Kanamary denunciaram, em carta, que duas crianças foram amputadas por falta de soro antiofídico, medicamento básico na região Amazônia. Eles reivindicam uma urgente reunião com Antônio Alves, responsável pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a, também urgente, compra de soros antiofídicos para os Polos Base, além de outras reivindicações necessárias para melhorar as condições de atendimento médico na região.
Leia, na íntegra, a carta dos povos indígenas do Vale do Javari:
Atalaia do Norte (AM), 03 de Julho de 2013
Nós, povos indígenas Marubo, Mayuruna, Matis e Kanamary do Vale do Javari, estamos reunidos no auditório da Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio (CRVJ/Funai) de Atalaia do Norte, no Amazonas, preocupados com o que ocorreu com as crianças indígenas Natalino Dorlis Marubo, de 10 anos, e Clebson Dionísio Marubo, de 12 anos, amputados devido à picadas de cobra. O fato está causando uma profunda insatisfação dos familiares pelo sofrimento dos mesmos, causado pela grave situação de falta de soro antiofídico nos Polos Base, o que levou a agravamentos no quadro médico das crianças.
Vale lembrar que tal medicamento nunca faltou mesmo nos períodos em que a Funai era a responsável pela saúde indígena. Esta é segunda vez que um fato desses acontece na história de vida dos povos indígenas do Vale do Javari. Em 1995 houve um caso desses, e agora, dessa vez, temos um caso de óbito de uma indígena Mayuruna Branca Unan Mayuruna, de 50 anos, da aldeia Fruta-Pão do povo Mayuruna.
Estamos insatisfeitos com a “falta de tudo” nos Polos Base: soro antiofídico, luva, medicamento, insuficiência de gasolina, óleo lubrificante, vela, hélice de motor, etc. Muitas vezes, os remédios são enviados já em fase de vencimento pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) aos Polos Base. Os profissionais sobem os rios com a promessa, muitas vezes, de receber o medicamento depois. Acaba passando 45 dias ou mais sem receberem os medicamentos.
Os indígenas cobram melhores condições no atendimento, mas os profissionais não têm o que fazer. A Casa de Apoio de Tabatinga está quase parando pela falta de pagamento de 16 meses de pendência, e o proprietário está preocupado pela falta de pagamento de aluguel. Falta faxina na referida estrutura por ausência de materiais de limpeza do Dsei, e os profissionais estão desestimulados no serviço de saúde. Não tem mais dieta para os pacientes, por falta de alimentação e o fornecedor diz que não tem condições de fornecer se não houver pagamento dos que já foram fornecidos para Dsei.
Os carros estão parados por falta de peças de reposição, forçando a utilização de veículo da Funai. O barco, que fazia o transporte entre Benjamim Constant e Tabatinga, para apoio aos portadores em tratamento, está parado. Existem apenas dois barcos tipo (deslizador) para atender as remoções no interior da Terra Indígena do Vale do Javari, causando, dessa forma, insatisfação pela gestão de saúde no Vale do Javari.
O Dr.Vorney, médico que acompanha os pacientes portadores de hepatites virais em Tabatinga, tem apresentado a situação da estrutura da Casa de Apoio de Tabatinga ao seu chefe, no sentido de melhorar a atenção na saúde e torná-la mais humanizada. No entanto, não foram tomadas providências. Por sua vez, os indígenas se sentem abandonados e cobram suas aldeias para que tomem providências no sentido de melhorar a atenção no local.
O adolescente Kulína morreu devido à espera do convênio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) com o estado, e por não haver recursos próprios para o frete de um avião. Vem acontecendo outros casos constrangedores, que levam os indígenas a se negarem a ir para outras cidades, para atenção de média e alta complexidade.
Diante do exposto, vimos exigir a presença do Dr Antonio Alves, secretario da Secretaria Especial de Saúde Indígena, para uma reunião com urgência com as lideranças indígenas do Vale do Javari, para que sejam tomadas providências urgentes em relação aos descasos que acontecem na região.
Exigimos que seja adquirido soro antiofídico para as comunidades indígenas, considerando que está aumentando o número de acidentes ofídicos no interior desta terra indígena.
Desse modo, precisamos de uma resposta URGENTE.
Caso não sejamos atendidos, iremos levar ao conhecimento do Ministério Público Federal, bem como exigiremos uma audiência pública em Atalaia do Norte, além de outras providencias necessárias que iremos tomar.
Desde já agradecemos sua valiosa atenção e despedimo-nos, com saudações indígenas.