27/05/2013

“Governo federal, nós voltamos”, diz carta de indígenas que ocupam canteiro da UHE Belo Monte

Foto: Ruy Sposati/CimiCerca de 170 indígenas voltaram a ocupar, na madrugada desta segunda-feira (27), o principal canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em Vitória do Xingu, no sudoeste do Pará. A reivindicação central é a de que as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte e os estudos para a construção das usinas no Rio Tapajós sejam suspensos até que as consultas prévias aos povos indígenas sejam realizadas.

 

Os indígenas divulgaram carta explicando o movimento – leia abaixo – formado por indígenas Chipaia e Arara, que moram na Volta Grande do Xingu, além de representantes das etnias Kayapó, Munduruku e Tupinambá.

 

Eles afirmam que estes mega projetos de geração de energia causam graves impactos ambientais e sociais e destroem o modo de vida dos povos e das comunidades tradicionais da região. Se efetivada, a construção de Belo Monte, por exemplo, secará 100 quilômetros do rio na Volta Grande do Xingu. No caso da construção das hidrelétricas planejadas pelo governo para o Rio Tapajós, as milenares aldeias Munduruku, situadas às margens do rio ficariam totalmente inundadas.

 

Esta é a segunda ocupação realizada nas obras de Belo Monte em menos de um mês. No dia 2 de maio os indígenas ocuparam o mesmo canteiro e permaneceram lá por oito dias. Os indígenas afirmam que saíram pacificamente na última ocupação porque o governo federal garantiu que haveria uma negociação, o que não aconteceu. Portanto, desta vez, eles garantem que resistirão até que o governo federal, efetivamente, converse com eles e atenda às suas reivindicações.

Os indígenas também criticam a presença da Força Nacional na região com o objetivo de garantir segurança e apoio para a realização dos estudos de impacto ambiental das usinas no Tapajós.

 

Além dos policiais que já estavam alojados dentro do canteiro de obras com o objetivo de garantir a proteção de Belo Monte, outros contingentes da polícia estão chegando à ocupação iniciada nesta madrugada.

 

Leia carta na íntegra divulgada pelo movimento de ocupação

 

Governo federal, nós voltamos

 

Nós somos indígenas Munduruku, Xipaya, Kayapó, Arara e Tupinambá. Nós vivemos do rio e da floresta e somos contra destruírem os dois. Vocês já nos conhecem, mas agora somos mais.

 

O seu governo disse que se nós saíssemos do canteiro, nós seríamos ouvidos. Nós saímos pacificamente – e evitamos que vocês passassem muita vergonha nos tirando à força daqui. Mesmo assim, nós não fomos atendidos. O governo não nos recebeu. Nós chamamos pelo ministro Gilberto Carvalho e ele não veio.

 

Esperar e chamar não servem para nada. Então nós ocupamos mais uma vez o seu canteiro de obras. Não queríamos estar de volta no seu deserto de buracos e concreto. Não temos nenhum prazer em sair das nossas casas nas nossas terras e pendurar redes nos seus prédios. Mas, como não vir? Se não viermos, nós vamos perder nossa terra.

 

Nós queremos a suspensão dos estudos e da construção das barragens que inundam os nossos territórios, que cortam a floresta no meio, que matam os peixes e espantam os animais, que abrem o rio e a terra para a mineração devoradora. Que trazem mais empresas, mais madeireiros, mais conflitos, mais prostituição, mais drogas, mais doenças, mais violência.

 

Nós exigimos sermos consultados previamente sobre essas construções, porque é um direito nosso garantido pela Constituição e por tratados internacionais. Isso não foi feito aqui em Belo Monte, não foi feito em Teles Pires e não está sendo feito no Tapajós. Não é possível que todos vocês vão continuar repetindo que nós indígenas fomos consultados. Todo mundo sabe que isso não é verdade.

 

A partir de agora o governo tem que parar de dizer mentiras em notas e entrevistas. E de nos tratar como crianças, ingênuas, tuteladas, irresponsáveis e manipuladas. Nós somos nós e o governo precisa lidar com isso. E não minta para a imprensa que estamos brigando com os trabalhadores: eles são solidários a nossa causa! Nós escrevemos uma carta para eles ontem!.Aqui no canteiro nós jogamos bola juntos todos os dias. Quando saímos da outra vez, uma trabalhadora a quem demos muitos colares e pulseiras nos disse: “eu vou sentir saudades”.

 

Nós temos o apoio de muitos parentes nessa luta. Temos o apoio dos indígenas de todo o Xingu. Temos o apoio dos Kayapó. Nós temos o apoio dos Tupinambá. Dos Guajajara. Dos Apinajé, dos Xerente, dos Krahô, Tapuia, Karajá-Xambioá, Krahô-Kanela, Avá-Canoero, Javaé, Kanela do Tocantins e Guarani. E a lista está crescendo. Temos o apoio de toda a sociedade nacional e internacional e isso também incomoda bastante a vocês, que estão sozinhos com seus financiadores de campanha e empresas interessadas em crateras e dinheiro.

 

Nós ocupamos de novo no seu canteiro – e quantas vezes será preciso fazer isso até que a sua própria lei seja cumprida? Quantos interditos proibitórios, multas e reintegrações de posse vão custar até que nós sejamos ouvidos? Quantas balas de borracha, bombas e sprays de pimenta vocês pretendem gastar até que vocês assumam que estão errados? Ou vocês vão assassinar de novo? Quantos índios mais vocês vão matar além de nosso parente Adenilson Munduruku, da aldeia Teles Pires, simplesmente porque não queremos barragem?

 

E não mande a Força Nacional para negociar por vocês. Venham vocês mesmos. Queremos que a Dilma venha falar conosco.

 

Canteiro de obras Belo Monte, Altamira, 27 de maio de 2013

 

 

Fonte: Assessoria de Comunicação - CIMI/Xingu Vivo
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