20/05/2013

O governo do Rio Grande do Sul se alinha aos interesses dos ruralistas contra as demarcações de terras indígenas

Um grupo de agricultores realizou, nos dias 14 e 15 de maio, em Porto Alegre, uma manifestação contra a demarcação de terras indígenas. Oriundos do norte do estado do Rio Grande do Sul e articulados pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul – Fetraf-Sul e a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul Farsul, os agricultores acamparam, na noite do dia 14, em frente ao Palácio Piratini, sede do governo e no dia 16 ocuparam o Centro Administrativo do Estado, onde quebraram portas e vidraças.

 

O governador Tarso Genro recebeu os representantes dos agricultores e se comprometeu em intervir, junto ao Governo Federal, para que as reivindicações fossem atendidas. Ficou agendada, para o dia 23 de maio, uma audiência do governador com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e com a ministra Casa da Civil, Gleisi Helena Hoffmann. Tarso genro declarou que vai expor a situação dos agricultores afetados por demarcações de terras. E, segundo o que foi noticiado pela imprensa, teria garantido que solicitará medidas no sentido de paralisar as demarcações.

 

Tal manifestação está inserida dentro de uma programação de eventos que a CNA Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, juntamente com a Frente Parlamentar da Agropecuária (bancada de deputados federais e senadores ruralistas) está promovendo em todos os estados (regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste) para pressionar o Governo Federal e os parlamentares com o intuito de:

 

– suspender as demarcações de terras de quilombolas e indígenas em áreas onde, segundo ela, não há consenso (ou seja, todas as áreas indígenas, com exceção, por enquanto, dos barrancos de beira de estrada);

 

– revisão dos decretos 1.775/1996 e 4.887/2003 (que regulamentam as demarcações de terras indígenas e quilombolas);

 

– suspensão de todos os procedimentos administrativos de demarcação de terras em curso no Rio Grande do Sul; garantia de observância do devido processo legal e da ampla defesa (como se essas não existissem previsão nos decretos e na Constituição Federal);

 

– revisão da legislação indigenista e da Constituição Federal no que se refere à demarcação das terras indígenas e quilombolas;

 

– votação e aprovação da PEC 215/2000; garantir assistência jurídica e antropológica aos produtores rurais.

 

As propostas são unilaterais e refletem o anseio de impor a vontade de certos poderosos segmentos econômicos em detrimento dos direitos estabelecidos na Constituição Federal e, assim, são propostas que instauram a insegurança jurídica, uma vez que colocam em questão as leis e as instituições responsáveis pela sua execução. As iniciativas de desqualificar a Funai, órgão indigenista do governo, e os antropólogos e demais pesquisadores que realizam os estudos de identificação e delimitação das terras, são exemplos disso.

 

A CNA, para impor seus objetivos políticos e econômicos, estabelece uma relação de força com os poderes constituídos e estimula, nas regiões, os conflitos fundiários. Sua intenção é impactar a opinião pública e comprometer parlamentares e os governos com as suas causas: a produção de grãos, a criação de boi, a agroindústria, o agronegócio e a concentração de terras.

 

A CNA não dialoga. Ao contrário disso, tenta impor mudanças na legislação que impõe restrição aos direitos dos povos indígenas e de comunidades quilombolas, assim como ocorreu com a mudança do Código Florestal. Portanto, suas mobilizações não estão acontecendo devido às demarcações de terras que supostamente estariam ocorrendo no país, mas à tentativa de impossibilitar que estas venham a ser realizadas no futuro. Há tempos o Governo Federal impôs uma moratóriano que se refere a demarcações de terras indígenas, especialmente na Região Sul do país.

 

O que ocorre no Rio Grande do Sul é uma grande demonstração de intolerância e de desrespeito contra indígenas e quilombolas. Eles não são ouvidos e muito menos recebidos pelas autoridades para tratar deste embate acerca dos direitos indígenas, quilombolas e dos agricultores. Mesmo os pequenos agricultores não têm espaço para um debate sereno acerca das demarcações de terras, sempre há a intermediação da Farsul, Fetraf e da CNA, organizações que se alimentam do conflito e do sofrimento do pequeno para defender o latifúndio e a grande produção. Eles não se interessam pelas pequenas propriedades e sua produção familiar, apenas as utilizam para insuflar a população contra comunidades indígenas e quilombolas.

 

O próprio deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS), que tem sua história de militância política junto aos pequenos agricultores no Rio Grande do Sul, disse recentemente numa audiência convocada pelos ruralistas na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados que é necessário explicitar que existe um jogo armado pela bancada ruralista para usar os pequenos agricultores e coloca-los contra os quilombolas e os índios. Segundo ele, os coronéis se escondem e estão usando os pequenos para atingir os seus objetivos, que é o de se apropriarem também das terras indígenas e quilombolas. Ele enfatizou que, em função da grande concentração de terras nas mãos de poucos, o governo precisa fazer a regularização fundiária. Para demonstrar que há grande concentração de terras nas mãos de poucos citou o dado do INCRA de que 196 proprietários rurais detêm 336 mil hectares .

 

Os pequenos agricultores precisam tomar conhecimento de que a má distribuição de terras não está relacionada com os direitos indígenas e quilombolas. Eles precisam ser informados que 69 mil propriedades improdutivas concentram uma área de 228,5 milhões de hectares. Eles precisam ser informados de que o Censo Agropecuário 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que os estabelecimentos rurais com até 10 hectares ocupam 2,7% da área total dos estabelecimentos rurais no país, enquanto que as áreas ocupadas pelos estabelecimentos de mais de 1.000 hectares concentram 43% da área total do país.

 

O Censo revela ainda que 05 milhões de estabelecimentos agropecuários ocupam 330 milhões de hectares, ou o equivalente a 36,75% do território brasileiro que é de 851 milhões de hectares. As unidades de conservação representam 8,47% do território nacional (ou 72 milhões de hectares) e as terras indígenas ocupam 14% do País (ou 125 milhões de hectares). No caso das terras indígenas há que se considerar que mais de 85% delas estão invadidas, portanto os povos indígenas não tem a posse plena de suas terras.

 

Outro aspecto das questões envolvendo pequenos agricultores e que não é considerado, especialmente pela Fetraf, Farsul CNA, são as inundações de terras provocadas por hidroelétricas. Milhares de famílias são obrigas a abandonar suas casas, lotes, lavouras em função das barragens. Nunca se ouve deputados e senadores se posicionarem de maneira contundente opondo-se a estas obras. Ao contrário, fazem gestão para que as famílias sejam removidas de suas propriedades, mesmo sabendo que raramente as compensações e/ou indenizações serão pagas efetivamente pelo governo ou pelo consórcio de empresas responsável pelo empreendimento. São inúmeros os exemplos a serem lembrados: Foz do Chapecó, Machadinho, Jacuí, Balbina, Tucurui, Madeira, Santo Antonio, Girau.

 

É importante reafirmar, assim como fez o deputado Marcon, que os pequenos agricultores, merecem ser tratados com respeito, com diálogo fraterno e não serem usados como massa de manobra para os interesses de ruralistas. Os governos, tanto federal quanto os estaduais, são imprudentes quando, ao receber a Farsul, CNA e outras federações dos ruralistas, prometem que vão atender suas reivindicações restringindo os direitos indígenas e quilombolas. Com esse tipo de posicionamento instigam a violência e atuam de maneira parcial tendo em vista os interesses de uma minoria, os latifundiários.

 

Porto Alegre, 20 de maio de 2013.

Roberto Antonio Liebgott

Cimi Sul-Equipe Porto Alegre

Fonte: Assessoria de imprensa
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