26/04/2013

Informe nº 1062: Abril Indígena reacende o poder e a necessidade da mobilização

Por Patrícia Bonilha,

de Brasília (DF)

 

A ocupação do plenário Ulisses Guimarães, da Câmara Federal, por cerca de 700 indígenas na última terça-feira, dia 16, entrou para a história. A imagem dos índios representantes de 121 povos, das cinco regiões do Brasil, entrando no coração da “Casa do Povo”, dançando e cantando, enquanto os deputados corriam visivelmente amedrontados é carregada de simbolismos. Divulgada amplamente pela mídia nacional e internacional, esta reveladora cena circulou extensivamente também pelas mídias sociais, onde muitos dos vídeos questionavam o porquê de os deputados estarem com tanto medo, já que se tratava de uma manifestação pacífica.

 

Somente com a ocupação do plenário os povos indígenas conseguiram encontrar ouvidos para a reivindicação de que os congressistas barrassem a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215. Esta proposta inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a titulação de terras quilombolas, a criação de unidades de conservação ambiental e a ratificação das demarcações de terras indígenas já homologadas. Para as lideranças indígenas, uma forma dos ruralistas, com cerca de 40% das cadeiras da Câmara Federal, terem controle sobre a demarcação de terras tradicionalmente ocupadas.  

 

Após estarem o dia todo reunidos no plenário 1, da Comissão de Constituição e Justiça, em que vários deputados estiveram presentes e o presidente da casa, Henrique Alves (PMDB-RN), compareceu para ouvir as reivindicações indígenas, eles foram frustrados com a proposta mais “avançada” apresentada pelos líderes dos partidos: a de que se comprometiam a não indicar representantes para a Comissão Especial sobre a PEC 215 em um prazo de 45 dias. A avaliação do movimento indígena era de que esta proposta, concretamente, não significava nada.

 

No entanto, a postura dos parlamentares mudou radicalmente após a ocupação do plenário no momento em que aconteciam as votações. Em reunião imediatamente realizada entre lideranças indígenas e deputados federais foi definida a criação de um grupo paritário para discutir a PEC 215 e outras propostas e ações legislativas e executivas que ameaçam os direitos indígenas. A primeira reunião deste grupo, instalado dois dias após a ocupação, será em 14 de maio.

 

Através da ocupação, com foco nesta famigerada PEC, os indígenas também conseguiram visibilizar para toda a sociedade brasileira que direitos fundamentais e historicamente conquistados por seus povos estão sob grave ameaça. Levar este debate para os brasileiros é uma conquista e tanto, ainda mais considerando a dificuldade de sensibilizar a mídia corporativa em relação aos direitos das comunidades e povos tradicionais.

 

“Foi o maior ato político organizado pelos indígenas até agora”, afirmou o deputado federal Padre Ton (PT-RO). Segundo ele, os indígenas ocuparam o Congresso de modo legítimo e pacífico, com cantos, danças e, sobretudo, falas com muito conteúdo. “O foco foi correto e, por isso, houve o apoio da mídia e da sociedade, de modo geral, a intimidação da bancada ruralista, que nem se manifestou, e a definição de um grupo de trabalho que vai negociar a PEC 215, o Projeto de Lei (PL) 1610, sobre mineração em terras indígenas, o atraso nas demarcações e os principais problemas das políticas públicas direcionadas para estes povos. O ato foi muito vitorioso”, avalia.

 

Unidos pelos direitos

 

O cacique Neguinho Truká, do sertão pernambucano, compartilha a avaliação positiva do deputado. “Mesmo com todas as dificuldades financeiras, este foi o melhor Abril Indígena. A mobilização traz a essência do nosso movimento. Todas as nossas conquistas, inclusive as garantidas na Constituição de 88, foram feitas com muita mobilização”, afirma ele. Segundo Truká, os índios ficaram paralisados, esperando as coisas acontecerem, por um período por acreditarem que os governos que ajudaram a eleger eram parceiros e defensores das suas causas. Mas a realidade tem se mostrado outra. “A presidente Dilma tem se escondido para não falar com os índios”, indigna-se, complementando que esta articulação realizada em Brasília precisa ser mantida nas regiões, fundamentada no objetivo de fortalecer os povos indígenas diante das ameaças aos seus direitos e dos desafios enfrentados no dia-a-dia.

 

Nesse mesmo sentido é feita a avaliação de Ninawá Huni kui, que considera que mesmo com todas as suas particularidades, os povos indígenas estão unidos. “Demonstramos que estamos preparados para defender nossos direitos, seja através do diálogo ou do embate, porque não podemos ficar de braços cruzados quando tudo o que nossos guerreiros e líderes conquistaram está ameaçado agora”, considera o representante da Terra Indígena Hene Nixia Namakia, localizada no município de Feijó, no Acre.

 

Ninawá ressalta a importância da articulação com as comunidades tradicionais já que muitas das proposições legislativas e executivas que retiram direitos  não se restringem aos povos indígenas. “Trata-se, acima de tudo, de uma disputa por territórios. E é preciso ter clareza sobre isso”, assegura.

 

Em consonância, o assessor da Articulação dos Povos Indígenas, Paulino Montejo, afirma que o que também está em disputa é o projeto de nação. Segundo ele, de um lado, há um projeto hegemônico, autoritário, patriarcal, machista e monoétnico, que nega as diversidades. De outro, um modelo de nação plural, que respeita a vida, a dignidade e que entende que a diversidade é riqueza, e não um obstáculo; este projeto prevê condições dignas para o conjunto da sociedade e não para uma minoria. Montejo também considera que cada terra indígena demarcada não é uma dádiva ou uma concessão que o Estado dá. "É o reconhecimento de um direito originário. Os povos indígenas têm clareza sobre o fato de que as terras e os recursos naturais que preservaram por milhares de anos estão sob ameaça, mas não vão abrir mão fácil disso", garante.

 

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, faz coro à importância de manter a mobilização e a articulação no sentido de evitar um golpe contra os direitos dos povos indígenas, tanto no Legislativo como no Executivo. Ele utiliza a recente "descoberta" do Relatório Fiqueiredo, realizado em 1967 e que retrata violências e atrocidades cometidas contra os índios tanto por órgãos do estado como por fazendeiros e outros atores, para fazer uma instigante comparação. "Este relatório é revelador no sentido de que, quase cinquenta anos depois dele ter sido realizado, os povos indígenas continuam tendo que lutar e resistir contra os mesmos atores e sujeitos que atacam violentamente os seus direitos. Com a gravidade de que agora estes povos têm esses direitos assegurados pela Constituição de 88; e, mesmo assim, são ignorados", afirma Buzatto. Ele acredita que a ampla publicação deste relatório é necessária como um instrumento na movimentação de resistência e de luta para a efetivação dos direitos dos povos que o Abril Indígena explicitou para toda a sociedade brasileira na semana entre 15 e 19 deste mês.

 

Agenda de resistência

 

Ações e eventos em diferentes instâncias dos três poderes compuseram a extensa agenda da semana do Abril Indígena. Todas com o mesmo objetivo de reverter os processos em trâmite que visam ao retrocesso na garantia dos direitos dos povos indígenas.

 

A reunião com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, foi bastante significativa pela sensibilidade que ele demonstrou em relação às reivindicações indígenas em relação à Portaria 303. Emitida pela Advocacia-Geral da União (AGU), ela é considerada outra grande ameaça por estender as condicionantes decididas pelo STF na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para as demais terras indígenas. Segundo Barbosa, as condicionantes não deveriam constar na decisão da demarcação da Raposa Serra do Sol porque não foram objeto da ação e não proporcionaram a manifestação das partes envolvidas.

 

A audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa no Senado Federal foi outro evento que, ao dar voz a lideranças indígenas como Otoniel Guarani-Kaiowá, explicitou a necessidade de demarcar urgentemente territórios indígenas que foram ocupados por fazendeiros, dentre outras demandas. “Não viemos para Brasília celebrar o dia do índio. Viemos reclamar nossos direitos e denunciar nossos mortos. Denunciar os ataques e as injustiças a que estamos submetidos. Exigir que devolvam nosso território e nossa dignidade”, afirmou Otoniel.

 

Na tarde do dia 18, a ação central dos indígenas foi no Palácio do Planalto. A reivindicação era a de uma reunião com a presidenta Dilma Roussef, que desde que assumiu o mandato, em 2011, nunca se reuniu com o movimento indígena. No entanto, o máximo que o governo federal ofereceu foi uma conversa com o ministro Gilberto Carvalho e um encontro com os demais ministros. Os índios recusaram e em uma nota manifestaram seu repúdio à presidenta: “Não, não queremos mais falar com quem não resolve nada! Há dois anos entregamos, nós povos indígenas, durante o Acampamento Terra Livre 2011, uma pauta de reivindicações para esses ministros e nada foi encaminhado. De lá para cá perdemos as contas de quantas vezes em que Dilma esteve com latifundiários, empreiteiras, mineradores, a turma das hidrelétricas. Fez portarias e decretos para beneficiá-los e quase não demarcou e homologou terras tradicionais nossas. Deixou sua base no Congresso Nacional entregar comissões importantes para os ruralistas e seus aliados”.

 

Na tarde da sexta-feira, dia 19, os indígenas participaram da audiência pública realizada pela 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF). Neste mesmo dia, esta instituição ajuizou 14 ações civis públicas e expediu 19 recomendações para instituições públicas e empresas privadas visando garantir alguns processos de reconquista de terras dos povos indígenas. A vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, afirmou naquela ocasião que há uma série de iniciativas, não só no Congresso, de ataques aos direitos dos indígenas, sobretudo os relacionados às demarcações de terras. “O Ministério Público Federal está preocupado com a lentidão nos processos e está elaborando um conjunto de propostas para tirar da imobilidade os processos de demarcação de terras indígenas”, afirmou.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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