18/03/2013

Os agregados do governo Dilma e as causas sociais

Ao chegar ao poder, em 2003, o Partido dos Trabalhadores (PT) tratou de buscar, nos movimentos sociais, lideranças que aceitassem compor alguns setores do governo para servir como uma espécie de base popular de apoio e, supostamente, para ajudar a definir políticas governamentais. Mais tarde verificou-se que, na verdade o partido e seu principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, buscava sim montar um aparato para conter possíveis pressões sociais por políticas públicas, por reforma agrária, pela demarcação das terras indígenas e quilombolas ou pelos necessários cuidados com o meio ambiente.

 

A iniciativa deu tanto resultado que a atual presidente da República, Dilma Rousseff, decidiu reforçar esta estrutura de assessores e assessoras, agora abrigados na Secretaria Geral da Presidência da República, com status de ministério, sob o comando do ex-militante da Pastoral Operária e dirigente nacional do PT, Gilberto Carvalho.

 

Todas as pendências com os movimentos sem terra, sem teto, indígenas, ambientalistas, quilombolas, movimento de atingidos por barragens e igrejas vêm sendo tratadas no âmbito da referida Secretaria. Gilberto Carvalho comanda um setor de governo que busca “filtrar” as demandas apresentadas por diferentes segmentos e entidades da sociedade civil brasileira. Com o argumento de que "dialoga" com esses segmentos, busca convencê-los de que o governo está à disposição para ouvir e entender as demandas sociais. Para isso, conta com um corpo de assessores, os agregados do governo, que já atuaram em entidades e movimentos sociais e, portanto, conhecem por dentro as formas de luta dos povos indígenas, dos quilombolas, dos atingidos pelas barragens e dos sem terra.

 

Foi a partir das “instâncias de diálogo" que o governo empurrou "goela abaixo" da população a liberação dos produtos transgênicos, a transposição do Rio São Francisco, os complexos hidroelétricos do Rio Madeira e de Belo Monte. É no âmbito da Secretaria Geral da Presidência da República que se tenta justificar para as lideranças do povo Guarani-Kaiowá a morosidade nos procedimentos demarcatórios de suas terras. A demarcação seria, aliada a outras medidas, capaz de reverter o processo de genocídio que há décadas vem dizimando este povo.

 

É através desta Secretaria que o governo tenta impor o complexo hidroelétrico do Rio Tapajós e o novo marco regulatório para a exploração mineral, o que possibilitará, aos empresários, explorar de forma mais intensa os minérios na Amazônia e nas terras indígenas. Os (as) assessores (as) da Secretaria Geral da Presidência, como não têm conhecimentos técnicos acerca dos projetos e programas que devem defender dentro do governo buscam convencer as lideranças dos movimentos sociais a aceitar os empreendimentos que afetarão o presente e o futuro das populações, ou pelo menos abrandar as pressões.

 

Com isso, os técnicos e executivos ligados aos setores econômicos e aos partidos políticos conservadores podem atuar livremente no Congresso Nacional, junto aos ministérios de Meio Ambiente, Minas e Energia, Justiça, Planejamento, Fazenda e no BNDES, de onde extraem recursos para impor e implementar os programas e projetos vinculados ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

 

No final das contas, os agora “agregados” da Secretaria da Presidência prestam serviço para as mesmas oligarquias que anteriormente contestavam. Ao que parece foram seduzidos pelos tapetes vermelhos, pelas luzes e cores dos palácios e pelo livre trânsito que encontraram junto aos setores antes inalcançáveis: chefes políticos de partidos conservadores, latifundiários, poderosos e ricos personagens que circulam em torno do agronegócio, assim como os donos de empreiteiras, as mesmas que prestavam serviço na ditadura militar.

 

Estes mesmos agregados levam tão a sério seu papel que ao “dialogarem” com lideranças de movimentos sociais e indígenas contrárias aos grandes empreendimentos, agem e se mostram prepotentes, arrogantes e autoritários. Ao longo dos últimos anos, ocorreram diversos enfrentamentos entre lideranças populares e o ministro Gilberto Carvalho ou alguns de seus assessores, especialmente nas discussões sobre Belo Monte e o Complexo Hidroelétrico do Tapajós. Por diversas vezes os agregados da Secretaria Geral da Presidência impuseram sua vontade com o argumento do “fato consumado”. No caso da hidroelétrica do Tapajós, por exemplo, tais assessores argumentam que os Munduruku, cuja terra será afetada pela obra, têm duas opções, uma inteligente, que é a de concordar com o empreendimento e receber compensações e benefícios, outra burra, que é posicionar-se contra esta obra que será construída com ou sem o consentimento dos índios.

 

Os agregados da Secretaria Geral da Presidência da República se sentem empoderados, quando, diante de tragédias ou crimes cometidos contra lideranças indígenas, se deslocam às regiões, a exemplo de Mato Grosso do Sul, e proferem discursos em defesa dos direitos indígenas. Falam do suposto compromisso do governo com demarcações de terras, saúde, educação etc. No entanto, o que ocorre depois destas viagens é o retorno aos palácios, e tudo continua como antes, sem demarcações de terras e com a realidade de violações aos direitos indígenas cada dia mais acentuada. Como explicar, por exemplo, que em mais de dois anos de governo a presidente Dilma Rousseff não tenha demarcado nenhuma terra indígena destinada aos Guarani-Kaiowá? Os agregados não se dão conta, ou não querem se dar conta de que o poder não está neles. Este se localiza no latifúndio, no agronegócio, nas empreiteiras, no sistema financeiro, nos políticos conservadores e em seus aliados.

 

Os agregados da Secretaria também acreditam que exercem algum tipo de poder quando promovem a entrega de prêmios de direitos humanos a personalidades e/ou entidades. Aliás, eles deveriam se sentir envergonhados em premiar aqueles que estão sendo ameaçados porque o governo não cumpre com suas responsabilidades. Um exemplo desse sentimento de empoderamento ocorreu quando da entrega do prêmio destinado a Dom Pedro Casaldáliga (pela defesa intransigente que ele tem feito dos direitos indígenas e, em especial, aos direitos do povo Xavante da terra indígena Marãiwatsédé) na ocasião, um assessor do governo, ao proferir discurso que deveria homenagear Dom Pedro, utilizou grande parte do tempo de sua oratória tecendo elogios ao governo pela retirada dos ocupantes não índios da terra Xavante. Desocupação que se deu não por mérito do governo e sim em função de duas determinações judiciais, uma de fevereiro de 2012, outra em novembro do mesmo ano, concedida pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto. Portanto, a desintrusão da terra ocorreu nove meses depois da primeira ordem judicial que expressamente determinou a imediata desocupação da terra, reconhecida e homologada há 14 anos, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso.

 

A despeito de todas as manobras e destas novas formas de sedução utilizadas pelo governo, é importante que os dirigentes dos movimentos sociais, das organizações e das pastorais continuem atentos às grandes questões e demandas que envolvem direitos humanos, ambientais, dos indígenas, dos quilombolas, dos trabalhadores, dos pequenos agricultores. São estes segmentos sociais que se mantêm combativos, alertas e que nutrem a esperança de um futuro diferente, regido por interesses sociais e não por interesses dos grandes conglomerados da economia, especialmente das indústrias de mineração e do agronegócio.

 

Porto Alegre (RS), 17 de março de 2012.

 

Roberto Antonio Liebgott

Cimi Sul-Equipe Porto Alegre

 

Fonte: Roberto Antonio Liebgott, Cimi Sul - Equipe Porto Alegre
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