14/03/2013

Informe nº1055: Povos Indígenas de Roraima encaminham carta ao Governo Federal solicitando atenção à situaçõe dos indígenas da região

O Conselho Indígena de Roraima (CIR) realiza nesta semana a 42ª Assembleia dos Povos Índigenas de Roraima, no Lago Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. No encontro que acontece no período de 11 a 15 de março, as lideranças indígenas da região discutem a sustentabilidade ambiental, a promoção do acesso e efetivação dos direitos indígenas, sua participação nas políticas públicas indígenas, o enfrentamento das situações de violência, bem como o Planejamento Estratégico de 2013 a 2015 do Conselho. Durante o evento, os presentes elaboraram uma carta endereçada à presidenta Dilma Roussef, solicitando a implantação de medidas que atendam às reivindicações dos indígenas da região. Leia a carta na íntegra abaixo:

 

 

Carta à Presidenta da República Dilma Rousseff

 

Nós, Povos Indígenas de Roraima, reunidos na 42ª. Assembleia Geral dos Povos Indígenas entre os dias 11 a 15 de março de 2013, no Centro Regional Lago do Caracaranã na Terra Indígena Raposa Serra do Sol – RR, na expectativa de ter um diálogo aberto, claro e transparente dos povos indígenas com o Estado Brasileiro, chamamos a atenção do Governo Federal para que adote medidas necessárias para as seguintes situações:

 

  1. A regularização das terras indígenas é essencial para o bem estar e o exercício dos direitos fundamentais dos povos indígenas. Algumas terras indígenas foram demarcadas sem considerar critérios adequados, deixando comunidades indígenas separadas em forma de ilhas e sem acesso aos recursos naturais necessários. Em Roraima há 22 pedidos de ampliação já formalizados à Funai pertencentes às regiões do Amajari, Taiano, Serra da Lua e Murupu, para que incluam áreas necessárias para a sobrevivência física e cultural dessas e das futuras gerações.
  2. Um caso emblemático que representa a luta dos Povos Indígenas de Roraima é o da Comunidade Indígena Lago da Praia que solicitou a revisão dos limites em 1999, e já na posse da área foi expulsa por ex-ocupantes da Terra Indígena Raposa Serra do Sol assentados pelo INCRA. É dever do Estado Brasileiro garantir as demarcações na forma correta das terras indígenas e adotar medidas específicas para o acesso, posse, uso e proteção desse direito, não se pode paralisar os procedimentos de demarcação das terras indígenas.
  3. Os artigos 231 e 232 da Constituição Federal foram conquistas fundamentais ao reconhecimento de direitos humanos específicos aos povos indígenas. Apesar disso, estão em risco pelas condicionantes estabelecidas no caso Raposa Serra do Sol, Ação Popular 3388/08 do STF, que foram incorporadas na Portaria 303 de iniciativa do poder executivo através da AGU, que interpreta como uma questão concluída e transitada em julgado tais condicionantes, pressionando o Poder Judiciário sobre todos os embargos declaratórios em trâmite no STF. Os setores anti-indígenas querem aplicar os efeitos das condicionantes a todas as terras indígenas e que tenham efeitos retroativos.
  4. “Queimaram nossas casas, mataram nossos parentes, mas não destruíram nossos sonhos”, assim se manifestam os que sofreram ações criminosas contra as comunidades para desistirem do reconhecimento das terras indígenas. As violências sofridas pelas comunidades indígenas continuam impunes; o exemplo disso é a absolvição dos acusados do assassinato do Macuxi Aldo da Silva Mota, no Tribunal do Júri em Roraima, que manifestaram opiniões contra a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
  5. Além disso, nenhuma condenação houve pela destruição das comunidades indígenas Homologação, Brilho do Sol e Insikiran em 2004, e do Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol em 2005, e outros diversos atentados. Ao contrário disso, está havendo um processo de criminalização de lideranças indígenas, como no caso da liderança JAIRO PEREIRA DA SILVA, que está sendo processado por denunciação caluniosa por solicitar providências na Polícia Federal e investigação de atos criminosos contra a comunidade indígena Lago da Praia.
  6. Os setores anti-indígenas atacam, considerando os povos indígenas, quilombolas e o meio ambiente como barreiras para acessar territórios, e querem tirar o poder de demarcação das terras pelo Poder Executivo e passar a responsabilidade para o Legislativo, para eles próprios decidirem se é ou não terra indígena, através da PEC 215/00 e PEC 038/99. O governo federal deve fazer uma articulação para que a tramitação destes Projetos de Emendas Constitucionais não avance. Os direitos indígenas não devem ser inseridos como acordos políticos a negociar apoio em demandas do Congresso Nacional. Proteger os bens indígenas é dever a ser feito pela União Federal através de ações sistematizadas em defesa dos direitos dos Povos Indígenas.
  7. A forma de autonomia e prioridades devem ser estabelecidas pelos próprios povos indígenas, assim assegura a Constituição Federal e a Convenção 169 da OIT. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) deve levar em consideração as legislações indigenistas vigentes e princípios da Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas. O modelo econômico de exploração dos recursos naturais tem sido um sistema que degrada o meio ambiente e viola direitos. Como exemplo disso, o projeto de mineração PL 1610/96 traz abusos visíveis aos direitos indígenas. A temática da mineração deve ter sua tramitação concomitante com o PL 2057/91 do Estatuto dos Povos Indígenas, por abranger direitos indígenas a serem protegidos e especificados. Existem várias propostas de leis que vem fragmentando o nosso Estatuto, inclusive com o apoio da base aliada do governo. Outro exemplo é a tentativa de construção de hidrelétricas em terras indígenas, como na Cachoeira de Tamanduá no interior da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (PDL 2540/2006).
  8. Os Yanomami são contra a mineração em suas terras. Querem que todos os financiadores do garimpo ilegal sejam investigados pela Policia Federal. Querem que os fazendeiros da região do Ajarani sejam retirados. Assim como outros povos, querem apoio do governo federal para elaborar e implementar um plano de gestão das suas terras.
  9. Existe a necessidade de ter um marco regulatório que adeque a relação de parceria entre povos indígenas e poder público. Os processos movidos pelo TCU contra o CIR, URIHI, Diocese de Roraima e lideranças indígenas em razão de convênios assinados com a FUNASA e outros órgãos públicos são motivados por discriminação e perseguição política, com a impugnação de despesas realizadas há mais de dez anos, que eram permitidas e foram aprovadas na época, como pagamento de horas de voo em pistas não homologadas, recontratação dos profissionais de saúde, e multas bancárias motivadas por atraso nos repasses dos convênios. Estes convênios foram feitos atendendo ao convite do governo federal e implementaram importantes serviços sociais e influenciaram na construção das políticas públicas destinadas aos povos indígenas nos campos da saúde, saneamento básico e segurança alimentar, entre outros.
  10. O governo deve intensificar as ações de proteção e vigilância das terras indígenas, para coibir as práticas de crimes contra comunidades indígenas, promovendo o reconhecimento dos agentes ambientais indígenas e o reforço das ações da Funai com Polícia Federal em fiscalizações periódicas.
  11. Devem ser criadas linhas específicas de apoio às atividades econômicas sustentáveis dos povos indígenas, que realmente assegurem o acesso direto, com instrumentos adequados, e apoio aos planos de gestão territorial e ambiental das terras indígenas já construídos pelas comunidades indígenas.
  12. A inclusão dos povos indígenas m programas de benefícios sociais deve ser avaliada visando a sua adequação às especificidades culturais de cada povo. Hoje se constata a existência de impactos negativos que causam desestabilização social e comprometem a soberania alimentar das comunidades.
  13. A crise que atravessa a política de atenção à saúde indígena ameaça a nossa organização social e a cultura indígena. O governo deve planejar e garantir serviços de assistência à saúde adequados, com garantia de recursos necessários baseada na realidade das comunidades indígenas, dando prioridade para a formação e contratação de pessoal de saúde das próprias comunidades indígenas.
  14. O sistema educacional não atende as demandas especificas dos Povos Indígenas. É necessária a criação de um sistema próprio para Educação Escolar Indígena, garantindo assim a desvinculação e gerenciamento dos recursos financeiros nas 03 esferas governamentais. Os programas e serviços educacionais devem ser desenvolvidos em cooperação com as comunidades indígenas. A estrutura das escolas nas comunidades indígenas se encontra em condições precárias e indignas, com as aulas sendo ministradas em embaixo de árvores, sem material didático, falta de cadeiras e outros itens indispensáveis.
  15. A participação indígena é a garantia do exercício do direito num estado democrático como o Brasil. A regulamentação do mecanismo de consulta é essencial para assegurar o direito de consentimento livre, prévio e informado, com a segurança do procedimento transparente, claro e adequado, direito ao veto e consulta com efeitos vinculantes em todas as medidas administrativas e legislativas que venham afetar os povos indígenas.

 

Nossa assembleia vem requerer que a Presidenta faça um sinal de respeito aos Povos Indígenas com a Revogação da Portaria 303/12 da AGU; que o Governo Federal destine recursos específicos para os planos de implementação do PNGATI, e a construção de planos de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas; é fundamental que o governo concentre esforços para a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas (PL 2057/91); e que até o dia 19 de abril, considerado Dia do Índio, edite as Portarias Declaratórias que se encontram no Ministério da Justiça e decrete a Homologação das Terras Indígenas que estão na dependência da Presidência da Republica em todo país.

 

Lago do Caracaranã, Terra Indígena Raposa Serra do Sol-RR, 12 de Março de 2013.

 

Abaixo assinamos os participantes da 42ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas de Roraima.

 

 

Fonte: Assessoria Cimi
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