02/10/2012

Kadiwéu: Justiça determina que indígenas saiam de território demarcado há mais de 100 anos

Ruy Sposati,
de Campo Grande (MS)

Terminou nesta segunda-feira, dia 1, o prazo para que indígenas Kadiwéu desocupem cerca de 160 mil hectares de terra indígena demarcada em 1900 e homologada em 1984, no município de Porto Murtinho, na região do Pantanal do Mato Grosso do Sul. A área fica dentro da Terra Indígena (TI) Kadiwéu.


O território em questão estava completamente invadido por pecuaristas até que, em abril deste ano, os indígenas deflagraram um processo de retomada da área, reocupando 23 fazendas dentro da TI.

Uma decisão da Justiça Federal, contudo, concedeu liminar aos pecuaristas, estipulando que os indígenas deveriam ser retirados do território até ontem, quando foi expedida reintegração de posse pela Justiça Federal do Estado, para 11 das 23 fazendas ocupadas.

Caso a decisão seja descumprida, os Kadiwéu, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União serão obrigados a pagar multa diária de R$ 100 mil.

JUSTIÇA

Numa decisão polêmica, a juíza federal Adriana Delboni Tarrico decidiu em favor dos pecuaristas, justificando que "o entendimento ora adotado não significa, de forma alguma, sinalização de quem esteja com a razão, principalmente porque não será nestes autos que a propriedade será definida, mas, sim, tão-somente a posse".

O processo de demarcação, homologação e registro do território dos Kadiwéu foi finalizado pelo governo federal em 1984. Naquele ano, os pecuaristas, que se encontravam dentro dos limites da TI, ajuizaram ação para discutir a nulidade da demarcação da TI. De um total de 585 mil hectares, entrou em litígio 155 mil – registradas em nome da União, de usufruto exclusivo dos indígenas, mas ocupados por cerca de 120 fazendas de gado. Desde 1987, tramina, então, no STF, uma ação que nunca foi julgada. Também a desintrusão da área não ocorreu.

INVASÕES

Ao menos 30% do território indígena está invadido. Dos 538,5 mil hectares, quase 160 mil são usados na pecuária. As invasões dos fazendeiros ocorrem pelo menos desde a década de 1950. Relatos dão conta de que tanto o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) quanto a Funai oficializavam a ocupação territorial, arrendando a terra aos pecuaristas.

Documentos históricos comprovam que o território dos Kadiwéu foi doado a eles ainda no Segundo Império, por Dom Pedro II, como recompensa pela  participação dos indígenas, ao lado do Brasil, na Guerra do Paraguai, em 1864.

No início do século 20 a terra foi demarcada, com outros decretos ratificando os limites. Contudo, as pressões sempre cercaram a vida dos Kadiwéu. Centenas de posseiros ocupavam as terras; invasores registravam, de forma irregular, títulos de propriedade em cima de áreas indígenas, no nome de terceiros, em cartórios de municípios vizinhos; órgãos governamentais de proteção arrendavam terras a grandes fazendeiros. Por fim, incursões jurídicas e pressões políticas dos fazendeiros arrendatários para a expulsão dos Kadiwéu do próprio território.

A retomada das 23 fazendas, durante este ano, foi a estratégia encontrada pelos indígenas para sensibilizar a sociedade brasileira sobre a necessidade de solucionar "a excessiva e inexplicável demora na definição da situação jurídica [da TI]", como considerou o Ministério Público Federal (MPF) em nota pública de esclarecimento, e que tem privado os Kadiwéu de usufruir de seu próprio território.

DESMATAMENTO

A exploração das terras homologadas pela pecuária tem gerado aguda destruição da fauna e da flora do território. Em 2011, operação conjunta do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e Funai flagrou a destruição de dezenas de hectares de mata em uma fazenda dentro da TI Kadiwéu, além de exploração seletiva de madeira na área. Os responsáveis foram multados e tiveram o maquinário apreendido. Ainda foi descoberta exploração seletiva de madeira em área contígua, de 46,7 hectares. Os responsáveis foram multados em R$ 625 mil e foi apreendido o trator de esteira utilizado para o desmate.

Durante vistoria no último mês de maio, o MPF/MS constatou ainda uma série de irregularidades e crimes ambientais realizados pelos fazendeiros invasores. Para a abertura de pastos, grande parcela de cerrado, bioma típico da região, foi devastada.

Foram encontradas diversas clareiras na mata para a retirada de espécies nativas. Segundo a legislação ambiental, o corte de árvores nativas só pode ser feito com plano de manejo ou autorização do órgão ambiental competente. Em uma das fazendas, também foi encontrada pista de pouso com quase 1 quilômetro de comprimento. Mesmo não sendo nas letras da Constituição Federal Áreas de Preservação Permanente (APPs), as terras indígenas, de acordo com dados do Ibama, são as mais preservadas do país e sofrem com a ação indiscriminada de invasores.

Foto: MPF-MS

Fonte: Assessoria de Comunicação / Cimi
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