TRF1 sobre Belo Monte: “Não podemos admitir um ato congressual no estado democrático de direito que seja um ato de ditadura”
A Norte Energia já paralisou as obras civis. O acórdão com a ordem para realização das consultas indígenas foi divulgado hoje
A Norte Energia S.A, responsável pela construção da usina de Belo Monte, paralisou hoje as obras civis em Altamira e Vitória do Xingu, depois de receber o acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que determinou a paralisação. A decisão atendeu pedido do Ministério Público Federal no Pará e anulou o decreto legislativo 788/2005 e todas as licenças concedidas pelo Ibama para o empreendimento.
Para a 5ª Turma do TRF1, formada pelos desembargadores Antonio Souza Prudente, João Batista Moreira e Selene Almeida, o decreto que autorizou Belo Monte só poderia ter sido aprovado pelo Congresso Nacional depois dos estudos de impacto ambiental e das consultas indígenas. Eles consideram que, pela Convenção 169 da OIT e pela Constituição brasileira, os índios têm o direito de exercer a participação democrática e decidir previamente sobre seu destino e o das futuras gerações.
“Somente será possível ao Congresso nacional autorizar o empreendimento Belo Monte, consultadas previamente as comunidades indígenas, diante dos elementos colhidos no estudo de impacto ambiental e respectivo relatório conclusivo, porque, do contrário, a letra da Constituição é letra morta, é um faz de conta. Não podemos admitir um ato congressual no estado democrático de direito que seja um ato de ditadura, um ato autoritário, um ato que imponha às comunidades indígenas um regime de força”, diz o voto do relator Antonio Souza Prudente, acolhido por unanimidade pela 5ª Turma.
Para o Tribunal, Belo Monte causará “interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua qualidade de vida e patrimônio cultural”. Portanto, o debate sobre a consulta indígena
“Embora possa estar aqui pregando no deserto, não posso deixar de mencionar que talvez estejamos, no caso de Belo Monte, apenas diante da primeira construção de uma grande usina, com potenciais de impacto imenso no meio ambiente, e que afetará populações indígenas e ribeirinhos e, eventualmente, outras populações tradicionais que não são mencionadas nos autos. Não podemos começar errando”, disse a desembargadora Selene Almeida em seu voto.
“Nossos quinhentos anos de erros relativamente ao trato com os povos indígenas não mais se justificam, à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos e da consciência social e ética que este país adquiriu, principalmente após a redemocratização”, completou. A desembargadora Selene Almeida questionou ainda o planejamento do setor energético: “se o Estado brasileiro sabe, a priori, quais serão os locais de possível construção, não existe motivo para a improvisação que ora se assiste no tema de consulta prévia de povos indígenas relativamente às obras que os afetarão de forma permanente, irreversível”
O desembargador João Batista Moreira afirmou que o que o Ibama, a Funai e a União vêm alegando serem as consultas indígenas não passaram de processo de informação às comunidades. “Estas não foram ouvidas, mas simplesmente ouviram o que os servidores do Poder Executivo tinham para lhes dizer. Não foi um processo de audiência, mas processo inverso, unidirecional”, afirmou.
Guinnes Book – Ao contrário do que havia definido o desembargador Fagundes de Deus no julgamento anterior do mesmo caso, os desembargadores afirmaram agora que o decreto 788/2005 jamais foi considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. No julgamento anterior, o desembargador Fagundes de Deus apresentou a tese de que uma decisão monocrática da então presidente Ellen Gracie havia declarado a constitucionalidade do decreto.
O acórdão refutou a tese de Fagundes de Deus: só decisão colegiada da maioria absoluta dos membros do STF pode declarar a constitucionalidade. “O decreto Legislativo 788/2005 tem um histórico bem estranho nos anais do Congresso Nacional. Tudo indica que é um decreto encomendado para ser empurrada uma autorização goela adentro para a implantação do projeto hidrelétrico Belo Monte”, diz o voto de Souza Prudente.
Na época da votação, o então senador pelo Pará, Luiz Otavio Campos, chegou a se espantar com a rapidez da tramitação do decreto 788. “Isso não bate! Essa história de que Belo Monte vai resolver o apagão, essa obra é para 10, 15, 20 anos. Então o motivo não é o apagão. Não é possível, em uma sessão como a de hoje, chegar aqui de pára-quedas o projeto, e termos de votá-lo hoje. Porque tem que ser hoje? Em quatro dias! É recorde mundial. Com certeza esse projeto vai para o Guinness Book”, registram as notas taquigráficas da sessão do Congresso, citadas pelo TRF1 na decisão que parou Belo Monte.
Processo número 2006.3903.000.711-8
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