Depois de longa temporada, Dilma sinaliza a indígenas com pacote tímido de medidas
Por Renato Santana,
Editor do jornal Porantim
O Palácio do Planalto, em Brasília, se maquiou de verde na manhã desta terça-feira, 5, para a cerimônia do Dia Mundial do Meio Ambiente. A presidenta Dilma Rousseff, com os olhos voltados para a Rio+20, homologou sete terras indígenas, assinou o tão esperado decreto da Política Nacional de Gestão Ambiental
Apresentados pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, os atos presidenciais ocorrem logo após uma longa temporada de apatia e má vontade do atual governo quanto aos direitos dos povos indígenas, ausência de diálogo, um quadro caótico na saúde indígena, com mortes, protestos e ocupações dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s), questões mais amplas como a alteração do Código Florestal, além de constrangimentos públicos do Palácio do Planalto envolvendo a homologação de terras já demarcadas.
Em abril deste ano, Dilma mandou de volta para o Ministério da Justiça seis terras indígenas prontas para serem homologadas. A alegação é de que os processos não tinham passado pelo gabinete do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, que desfilou sua presença draconiana na cerimônia desta terça-feira. Outras quatro seguiram nas mãos da presidenta.
Destas dez terras indígenas, Dilma homologou nos holofotes do Dia Mundial do Meio Ambiente apenas cinco: três no estado do Amazonas (Santa Cruz da Nova Aliança, Matintin e Tenharim Marmelos), uma no Pará (Xipaya) e uma no Acre (Riozinho do Alto Envira). Fechamos a conta de sete com outras duas terras no Amazonas (Lago do Marinheiro e Porto Limoeiro) – surpresas do tímido pacote.
As outras cinco terras preteridas durante o ato ilegal de Dilma em devolvê-las ao Ministério da Justiça devem ser inundadas – ou desidratadas – pelas entrelinhas do desenvolvimento sustentável apregoado pelo governo federal: Rio Gregório, no Acre, Rio dos Índios, no Rio Grande do Sul, Taboca, no Amazonas, Cacique Fontoura, no Mato Grosso, e Toldo Imbu,
Desenvolvimento sustentável: palavras que não coadunam, pois o efeito sociológico da junção delas busca homogeneizar modos de vida diferenciados e precificar a natureza; em seu discurso, Dilma afirma querer alinhar o crescimento do país com preservação do meio ambiente, incluindo as gentes que o compõe. As obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com destaque para as hidrelétricas, têm deixado um rastro de devastação, exploração sexual (inclusive infantojuvenil), expulsão de comunidades tradicionais de seus territórios, não cumprimento da consulta prévia estipulada pela Convenção 169, situações análogas à escravidão, além de vidas destroçadas e remendadas pelo assistencialismo estatal. Nada disso é sustentável: o dito desenvolvimento parece ser obra de terror da pior qualidade.
Um fato é inegável: o movimento indígena vibrou com os anúncios. Não poderia ser diferente, frente à longa hibernação dos órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização e execução dos direitos indígenas. A situação é de grande dificuldade entre as comunidades e as conquistas valem cada sorriso de alegria. Fica a pergunta: como a nova presidente da Funai, Marta Azevedo, conseguirá trabalhar para mais momentos de vitórias ocorrerem sob a batuta do neodesenvolvimentismo petista?
Acossados pelos átomos que integram a questão, os indígenas não deixaram de fazer críticas durante a cerimônia: em pronunciamento à presidenta, a representante dos indígenas Sônia Guajajara pediu diálogo para Dilma, revelou as angústias vividas pelas comunidades, fez reivindicações, pediu comprometimento do governo contra a PEC 215 e o PL da mineração, bem como solicitou reunião de trabalho com a presidenta. O governo teve de ouvir a educada e mordaz fala da indígena.
Ao final, Sônia entregou a carta para a presidenta e a fez assinar conferindo o recebimento do documento – depois de presenteá-la com artesanatos indígenas do Mato Grosso do Sul e Rondônia. O texto entregue para a presidenta, porém, está na íntegra; diferente do lido pela indígena durante a cerimônia, picotado pela censura do ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, momentos antes do início da cerimônia. Habilmente Sônia driblou as canetadas de Carvalho, mas ainda assim a reivindicação de suspensão das obras de grandes empreendimentos que não passaram por consulta prévia nas comunidades e os inúmeros pedidos de audiência com Dilma não atendidos foram pontos não citados.
Disponibilizamos aqui a íntegra do documento:
PRONUNCIAMENTO DOS REPRESENTANTES INDÍGENAS NO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE
À Excelentíssima
Senhora Dilma Roussef,
Presidenta da República Federativa do Brasil
Convidados a participar da programação do Dia Mundial do Meio Ambiente, aproveitamos a simbologia da data e tudo o que ela representa para nós povos indígenas, e nos dirigirmos a Vossa Excelência para demonstrar, mais uma vez, o desejo em estabelecer diálogo a partir da pauta apresentada pelo movimento indígena.
Já se passou um ano e meio de vosso mandato. De forma lamentável, ainda não tivemos a oportunidade de termos com vossa excelência uma reunião para expormos nossas angústias, problemas e reivindicações. Não obstante, foram inúmeros os pedidos de audiência protocolados em seu gabinete. Enquanto isso, seguimos nas comunidades alijados de nossos direitos por terra, saúde e educação; seguimos vendo nossos parentes assassinados e expostos às mais variadas formas de violência.
Em junho de
Diante de tal aceno, que interpretamos ser no sentido do diálogo, aguardamos que seja agendada para breve uma reunião de trabalho com a presença de vossa excelência, da bancada indígena da CNPI e representantes das organizações indígenas regionais e nacional. A conjuntura para os povos indígenas, como é diariamente noticiado pelos veículos de imprensa é de extrema dificuldade.
Considerando o atual contexto, em que os direitos indígenas sofrem violentos ataques no Congresso Nacional, onde de forma enérgica se pretende aprovar em breve espaço de tempo a PEC 215, que visa inviabilizar demarcações de terras, e o PL 1610, que libera as terras indígenas para a exploração de minérios, além da grave situação de vulnerabilidade em que se encontram os nossos povos, antecipamos aqui as seguintes reivindicações:
1. Que a FUNAI cumpra com máxima celeridade a sua obrigação de demarcar e proteger todas as terras indígenas, priorizando com urgência os casos críticos dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul, principalmente os Guarani Kaiowá;
2. Que seja agilizada a assinatura do Decreto de criação da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas, e a sua devida implementação, para assegurar as condições de sustentabilidade dos nossos povos e territórios;
3. Que a Presidência da República se manifeste, de forma incisiva, a favor da Criação, na Câmara dos Deputados, da Comissão Especial para analisar o PL 2057/91, considerando as propostas encaminhadas pela CNPI, após discussões nas distintas regiões do país, visando a tramitação e aprovação do novo Estatuto dos Povos Indígenas.
3. Que seja criado o Conselho Nacional de Política Indigenista, através de Medida Provisória, tendo em vista o fato de que a CNPI se constitui numa instância transitória, pensada principalmente para viabilizar a criação do Conselho.
4. Que se garantam os recursos financeiros suficientes para a implementação da Secretaria Especial de Saúde Indígena e efetivação da autonomia política, financeira e administrativa dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI`s), com a participação plena e controle social efetivo dos nossos povos e organizações nos distintos âmbitos, evitando a reprodução de práticas de corrupção, apadrinhamentos políticos, e o agravamento da situação de abandono e desassistência em que estão muitos povos e comunidades indígenas.
5. Que o Ministério da Educação assegure a participação dos povos e organizações indígenas na implementação dos territórios etnoeducacionais, e que cumpra as resoluções aprovadas pela I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, realizada em 2009.
6. Que a participação das mulheres indígenas seja sempre valorizada, assegurando sua presença em todas as instâncias governamentais onde haja representação indígena.
7. Que as lutas dos nossos povos pelos seus direitos territoriais não sejam criminalizadas, a exemplo do que ocorre com nossos líderes na Bahia, Pernambuco e Mato Grosso do Sul, na maioria das vezes perseguidos por agentes do poder público, aqueles que deveriam exercer a função de proteger e zelar pelos direitos indígenas.
8. Que os empreendimentos que afetam terras indígenas sejam suspensos até que seja regulamentada a realização da Consulta Prévia Livre e Informada, como estabelece a Convenção 169 da OIT, assegurando-se assim a ampla e efetiva participação de todos os povos indígenas do país;
Certos de contarmos com sua compreensão e atenção às nossas reivindicações, aguardamos o estabelecimento do diálogo por nós desejado.
Brasília, 5 de junho de 2012.
Assinam os membros da bancada indígena da CNPI e representantes do Movimento Indígena