30/05/2012

Pelejando com a saúde indígena

Por Egon Heck,

de Brasília (DF)

“O ministro vai receber vocês”. Os burocratas de plantão pareciam ter pressa para resolver a situação. O quarto andar do Ministério da Saúde estava parcialmente interditado pelos Kaingang, Guarani Mbyá e Charrua. Eles vieram do Rio Grande do Sul e Santa Catarina dispostos e decididos a obter respostas e resultados concretos sobre a caótica situação da atenção à saúde prestada (ou melhor, não prestada) pela Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI. “Podem nos matar. Vamos derramar nosso sangue aqui, se preciso for… Chega de mentiras. Estão matando nosso povo. Só vamos sair daqui depois de falar com o ministro da Saúde (Alexandre Padilha) com a presença do Ministério Público Federal”.

 

Essa era a exigência dos quase 80 indígenas que ocuparam parte do ministério. Rapidamente chegou o pelotão de negociação. A primeira intenção era evitar que houvesse divulgação do fato. Tentaram levar os indígenas para o auditório com a promessa de que o ministro os receberia: “Lá vocês podem conversar mais à vontade. Tem melhores condições do que aqui, todo mundo em pé”. A manobra não deu certo. Os índios foram irredutíveis. “Queremos que o ministro nos ouça aqui, juntamente com um procurador da República.

Com a chegada cada vez maior da imprensa, que era conduzida pelos caciques até o quarto andar, as exigências da secretária de gabinete do ministro, foram diminuindo. Os indígenas não abriam mão de suas condições para o diálogo. Momentos de tensão e apreensão. Uma repórter se apressou em difundir a situação, gravando a informação dizendo “os índios invadiram a Sesai, que está parcialmente interditada”. Na hora houve a reação do movimento indígena gritando “invadindo não, ocupando”. Sem jeito, a locutora corrigiu-se: “Os índios ocuparam a Sesai…”.

 

O tempo foi passando. Certo nervosismo por parte dos funcionários do ministério, pois pareciam ter pressa em despachar os índios, e se ver livre dessa incômoda situação. “Olha, o ministro já desmarcou três compromissos. Ele só pode esperar até as 13 horas”. A resposta indígena foi instantânea e incisiva: “Se ele já desmarcou três compromissos, pode desmarcar os outros também, porque hoje é nosso dia”.

 

Breves intervalos de silêncio intercalados com acaloradas discussões com os burocratas do ministério e entrevistas à imprensa. Já era quase meio dia quando foi anunciado que um procurador estava chegando, para, finalmente iniciar a reunião com o ministro da Saúde. Os índios apresentaram os integrantes da “comissão de negociação”. Dezesseis participantes. O número foi considerado excessivo pelos representantes do ministério. Eles propunham apenas seis pessoas, dois representantes de cada povo indígena, argumentavam. “Nossa comissão é essa ou não tem conversa!”. Aceita a proposta, a conversa já não mais foi possível de ser realizada no gabinete do ministro. Foi então transferida para o auditório.

 

Por duas horas o ministro ouviu a delegação indígena relatar detalhadamente os desmandos, omissões, mentiras e a situação de calamidade em que se encontra a saúde indígena na região e em todo o país. Após ouvir atentamente, chegaram à conclusão de que seria necessário um tempo para viabilizar um planejamento das respostas às demandas colocadas. Por isso foi marcado um segundo encontro do ministro Alexandre Padilha com as lideranças indígenas do Sul do Brasil, para amanhã, 31, no Ministério Público Federal.

 

No quarto andar, uma faixa expressava a realidade da saúde indígena: “O Governo Federal está matando os Povos Indígenas do Sul, negando a saúde!”

 

Na avaliação das lideranças, valeu a pena acordar de madrugada, ocupar o ministério, conversar com o ministro e se unir aos milhares de povos e comunidades indígenas que por esse país afora estão protestando contra o caos na saúde indígena.

 

Foi esperançoso ver aqueles lutadores e guerreiros, que em 1978 expulsaram os invasores de suas terras, estarem aí na continuidade da luta por seus direitos, pela demarcação das terras – são mais de 60 acampamentos indígenas no Rio Grande do Sul, e protestarem contra a genocida PEC 215. Ali estavam filhos dos grandes guerreiros e estrategistas como Nelson Xangrê e Angelo Kretã, além dos que eram considerados já extintos, os Charrua.

 

Na celebração da memória dos 40 anos do Cimi, nada mais gratificante do que ver esses povos levarem adiante suas lutas, com sabedoria, decisão política e dignidade.

 

Fonte: Conselho Indigenista Missionário - Cimi
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