25/05/2012

Maranhão: a invasão e a resistência continuam

Duas dezenas de grandes navios podiam ser vistos da praia, em São Luís do Maranhão. Na âncora de um deles se revezam ativistas do Greenpeace, procurando impedir o carregamento de uma carga de carvão, obtido de forma ilegal e com trabalho escravo. Indígenas, de vários povos, narraram as violências e ameaças que agora vem não apenas do mar, mas também das estradas e picadas das serrarias, dos trilhos e trilhas que rasgam inúmeros territórios indígenas nos rastos da invasão primeira, continuada.

 

Celebrando 40 anos de compromisso com a vida

 

Dom Sebastião abre a celebração dos 40 anos do Cimi, na Assembleia do Regional Maranhão, com pedido de perdão e renovação do compromisso com a causa dos povos indígenas. Ele é descendente de indígenas e africanos. A seu lado um padre, descendente indígena, declara que o melhor período de sua formação foram os dois anos que passou com o povo Awá-Guajá.  Três representantes desse povo estiveram presentes à celebração. Mesmo entendendo pouco o português e talvez menos ainda do ritual que estava sendo realizado, ali estavam como testemunhas silenciosas e atentas desse Brasil plural, que teima em não se reconhecer e agir como tal.

 

Há quase 400 anos, numa aldeia que se transformou no povoado de São Luiz, atual capital do Maranhão, europeus celebravam sua chegada a essas terras. Rezava-se pelo êxito da missão civilizadora e cristianizadora, junto aos povos indígenas desta região. 

 

Iniciou-se a invasão e quase extermínio dos povos primeiros, habitantes seculares, desse chão. Se naquela ocasião, há 400 anos celebrou-se a primeira missa neste lugar, a benção da invasão, agora, em 2012, estamos celebrando, com indígenas de pouco contato, como os Awá e os ressurgidos, os Krenyê, a segunda missa, a do perdão e compromisso com a vida e libertação desse povo de todas as ameaças do sistema neoliberal, que lhes quer tolher o presente e o futuro.

 

Estávamos iniciando a celebração dos 40 anos do Cimi, no Regional Maranhão. Um grupo pequeno, sendo a maioria indígenas, fazíamos de cada gesto, de cada sentimento, momento de gratidão a Deus, renovação do compromisso com a causa e direitos desses povos. Invocamos e sentíamos a presença forte de tantos e tantos que fizeram essa trajetória bonita e desafiadora da presença solidária e radical com a vida desses povos. Lembrança especial de companheiros queridos que partiram drasticamente: Dom Franco Masserdotti, Pe. Carlos Ubiali, dentre muitos outros.

 

Dos “isolados” aos “ressurgidos”

 

Cientistas como antropólogos, sociólogos, historiadores se esmeram em cunhar o termo que melhor expressa esse fenômeno marcante no Brasil atual, que são as dezenas de povos que reassumem suas raízes, seu presente impactado pela sociedade invasora, suas vidas escorregando por entre as estruturas e práticas racistas e discriminatórias da sociedade majoritária. “No capitalismo neoliberal não existe lugar para os povos indígenas”, afirmam analistas e cientistas políticos, ao demonstrar como as lógicas opostas não toleram a coexistência com o diferente. Num banner da Campanha Awa estava escrito: “Hoje (os Awá) enfrentam um inimigo, o capitalismo predador que tem invadido as terras indígenas”. E faz um convite: “Vale a pena conhecer e aprender um novo paradigma de vida com esse povo, que tem com os animais, plantas, água e ar e toda a natureza uma relação de irmandade, por meio dos quais buscam aprender e colaborar para o “bem viver’ nesta Mãe Terra”. Existem ainda grupos Awá em estado de isolamento voluntário, porém em espaços cada vez mais reduzidos pelo avanço predatório das serrarias e fazendeiros.

 

O mar próximo daqui, não se cansa de advertir, com sua voz rouca e ritmada: “Cuidado, invasores a vista!” Mais de 20 navios esperando para atracar e encher suas enormes barrigas, não mais de pau Brasil, como naquele momento primeiro, mas as árvores transformadas em carvão, toras ou o ferro da serra dos Carajás.

 

Krenyê os Timbira resistentes (ressurgidos)

 

Na década de 1950, Darcy Ribeiro já afirmava que os Timbira-Krenyê eram considerados extintos. Passou-se quase meio século, e os que estavam enterrados, pela história oficial, ressurgem no cenário nacional, pedem reconhecimento e exigem parte de seu território ancestral.

 

Raimundo Krenyê conta que em 2003 começaram a lutar pelo reconhecimento étnico de seu povo. Tiveram apoio da equipe do Cimi Maranhão, na busca de documentação histórica e na recuperação e organização da história oral de seu povo. Nessa ocasião viviam famílias dispersas na periferia de Barra do Corda. A rigor, existem famílias de seu povo espalhadas por todo o Maranhão. “Já inventaram a vida de tudo que é jeito. Até pra São Paulo foram alguns”, diz Rosimeire, do Cimi Maranhão. Em 2004, em função das dificuldades para se articularem para tratar de seus direitos, reuniram algumas famílias num mesmo espaço. Deixaram de trabalhar para os fazendeiros. Vivem em situação muito precária, especialmente pela falta de água. Um dia por semana pagam uma condução que leve representantes das famílias até um rio para lavarem roupa. Cristiano, criança Krenyê, de quatro anos, ao ver o mar exclamou para sua mãe: “Olha quanta água. Será que dá pra gente lavar roupa?”

 

Em 2005 uma delegação do povo foi a Brasília. Tiveram dificuldades em ser recebidos por alguns órgãos, como a própria Funai, que insistia que eles já eram considerados extintos. Depois de muita luta, em 2009 foram reconhecidos. “Nós reviveu de novo”, diz Velani Krenyê. Neste mesmo ano, foram visitar a terra de seus antepassados, ficando entusiasmados com as grandes mangueiras que seus pais plantaram e que lá ainda existem, no local da aldeia. Ficaram de esperar até agosto deste ano a constituição de um Grupo de Trabalho da Funai, para definir suas terras.

 

Os povos indígenas do Maranhão continuam resistindo, ressurgindo, se insurgindo contra todos os decretos de morte e invasões. E podem contar com cada vez mais aliados. O Cimi, por ocasião da celebração de seus 40 anos renova seu compromisso de estar com eles em suas lutas por seus direitos, vida digna e paz.

 

Egon Heck

Cimi 40 anos

Assembleia Regional Cimi Maranhão, 24 de maio de 2012.

 

Fonte: Egon Heck/Cimi
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