Nota Pública: Decisão do STF sobre caso Pataxó Hã-Hã-Hãe é vitória para os povos indígenas brasileiros
Em vista da importante vitória do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) externa a mais profunda felicidade pelo resultado do que só a luta pode trazer aos povos indígenas brasileiros: a posse e ocupação do território tradicional, direitos constitucionais amiúde violados em nosso país. Em pouco mais de três horas de sessão no Supremo Tribunal Federal (STF), 30 anos de assassinatos e dor dos indígenas foram revistos de forma favorável aos Pataxó Hã-Hã-Hãe.
Durante este período, o Cimi compartilhou a trajetória de lutas e martírios dos Pataxó Hã-Hã-Hãe pela recuperação do território tradicional no Sul da Bahia, indevidamente ocupado por não índios desde a década de 1940, quando o governo baiano passou a distribuir títulos de propriedade a fazendeiros dentro do território indígena. Expulsos das terras por sucessivos esbulhos, amparados de forma covarde pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), os indígenas decidiram retomar o território a partir do final dos anos 1970.
A luta do povo intensificou-se em 1982, com a Ação Cível Ordinária (ACO) 312 impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a Nulidade de Títulos Imobiliários. A ACO contestava a legalidade dos títulos de propriedade emitidos pelo governo estadual, durante a década de 1960, dentro do território indígena de
Após longos anos de luta, sangue, lágrimas, tristeza, violência, pressão política nacional e internacional a ACO foi colocada em julgamento em setembro de 2008, obtendo do relator, o ex-ministro Eros Grau, voto favorável à nulidade dos títulos. Entretanto, o julgamento foi paralisado devido ao pedido de vista do ministro Menezes de Direito. Quase quatro anos depois, os Pataxó Hã-Hã-Hãe aguardavam o reinício do julgamento, assistindo a boa parte do território e de seus recursos naturais serem violentados pela exploração e ações predatórias dos fazendeiros.
No início de 2012, os Pataxó Hã-Hã-Hãe definem, então, por fazer várias ações de retomadas de fazendas para impedir a destruição, pressionar o reinício do julgamento da Ação e manter viva a esperança na vitória. Até a ministra Carmem Lúcia pronunciar seu voto no último dia 2 de maio, mais de 70 fazendas foram recuperadas pelos indígenas. O clima de violência acirrou-se, exigindo a presença constante da Polícia Federal e da Força Nacional, o que não foi suficiente para impedir a ação de milícia armada pelos fazendeiros, que impuseram o terror dentro da área indígena.
Os índios mantiveram a sua resistência histórica, a crença nos seus direitos e na Justiça, apesar da pressão, ameaças e confinamento dentro da própria área indígena. Foram momentos de dificuldade e isolamento, onde a versão mentirosa dos fazendeiros era divulgada na mídia de forma parcial colocando a população contra os índios e estes sem poder se defender. Diante desse contexto, os Pataxó Hã-Hã-Hãe sempre solicitavam a urgência do julgamento da ACO e não compreendiam a razão de tanta demora, já que não havia nenhum impedimento legal para tal.
No último dia 2, o STF retoma o julgamento e por maioria de sete a um anula os títulos imobiliários incidentes na Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, bem como ratifica a presença permanente dos Pataxó Hã-Hã-Hãe no território. Um julgamento histórico e de importância vital para os Pataxó Hã-Hã-Hãe e outros povos indígenas no Brasil, que estão em luta pela recuperação de seus territórios e seus direitos.
O conteúdo dos votos dos ministros reitera de forma direta e incontestável os direitos constitucionais dos povos indígenas, principalmente o direito imemorial e tradicional sobre seus territórios e assevera as diferenças culturais e uma cosmovisão voltada para a integralidade da vida com o seu meio ambiente. O julgamento da ACO e o resultado trazem consigo novo ânimo. Incentiva a todos os que estão na luta pela efetivação dos direitos, mas principalmente aos seus protagonistas, os Pataxó Hã-Hã-Hãe, pela sua resistência e crença em seus direitos nesses últimos 30 anos.
Nossos agradecimentos e parabéns aos que diretamente contribuíram na luta dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, sobretudo organizações indígenas e indigenistas; a vitória primeira é dos índios, mas também dos demais movimentos sociais, instituições parceiras, Igreja, e tantos outros atores que se somaram a esta corrente durante todas essas décadas – tal conquista guarda orientação política para seguirmos adiante, ao lado dos povos indígenas, os assessorando e apoiando suas decisões de luta.
Sobretudo, rendemos homenagens aos mártires Pataxó Hã-Hã-Hãe e ao martírio de Galdino, que completou 15 anos em abril deste ano – o sangue derramado não foi
Esperamos por fim que o governo federal, por intermédio da Polícia Federal, realize o quanto antes a retirada dos poucos invasores que ainda restam nas terras e garanta a segurança dos indígenas contra possíveis represálias dos pistoleiros – chamados de ‘seguranças’ pelos fazendeiros, que dentro da encenação dos invasores já não prestam mais nenhuma utilidade, pois as fazendas devem ser entregues aos Pataxó Hã-Hã-Hãe. Não obstante, que a presidenta Dilma Rousseff homologue a Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu com o máximo de urgência. Nada mais a impede.
Brasília, 07 de maio de 2012.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi