Rio Grande do Sul: Documento das comunidades Guarani Mbya
Comunidades Guarani Mbya mais uma vez se dirigem às autoridades apresentando seus principais problemas. O documento a seguir, foi divulgado hoje, 18, durante audiência pública na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
A seguir, o documento na íntegra.
O Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul apresenta às autoridades governamentais, através deste documento, os graves problemas que afetam as comunidades indígenas Guarani
Estamos também preocupados com o nosso governo do estado do Rio Grande do Sul que vem se manifestando publicamente pedindo a paralisação das demarcações de nossas terras e exigindo que a Funai não crie os grupos de trabalhos para proceder aos estudos de identificação e delimitação das terras que ainda não foram oficialmente reconhecidas como indígenas. O mesmo ataque contra direitos originários e constitucionais acontece contra os nossos irmãos quilombolas. Somos, indígenas e quilombolas, aqueles que mais sofrem com a falta de políticas públicas e com a negação de direitos e mesmo quando há sinais de que a Constituição Federal será cumprida no sentido de garantir nossos direitos à terra, a maioria de nossos parlamentares e as autoridades do estado se manifestam contra a nossa Lei Maior para defender interesses de empresas, fazendeiros e outros grupos que pretendem a exploração das terras e do meio ambiente.
Aproveitamos a oportunidade para nos manifestar contra as propostas que estão sendo apresentadas no Congresso Nacional, em Brasília, que visam mudar a Constituição Federal para limitar o alcance e a garantia de nossos direitos. Lá, na casa do Povo, a grande maioria de nossos deputados e senadores estão atrelados aos grupos de pessoas que querem se apossar de todas as terras e de todas as riquezas do solo e da natureza. Por conta disso, apresentam leis que querem destruir os direitos dos indígenas e quilombolas. Um dos exemplos disso é a PEC 215 (Projeto de Emenda à Constituição) que pretende retirar do Poder Executivo, do governo federal, a atribuição de demarcar as nossas terras e transferir esta obrigação para o Congresso Nacional. Queremos dizer que se isso acontecer nenhuma terra indígena ou quilombola será demarcada porque lá, no Congresso Nacional, a maioria dos parlamentares têm apenas compromisso com os ricos e poderosos de nosso país e serão sempre contrários aos nossos direitos e interesses.
Denunciamos, uma vez mais, que as demarcações de terras no Rio Grande do Sul estão muito lentas. As famílias Guarani e do povo Kaingang estão sofrendo há décadas. Praticamente todas as ocupações Guarani no RS apresentam problemas fundiários. Algumas situações são gravíssimas, pois nossas famílias vivem na beira das estradas onde não temos água potável, não temos terra, não há saneamento básico e as águas dos rios e córregos estão contaminadas pelos dejetos das lavouras e das fábricas. Nossas crianças, homens e mulheres estão doentes por causa desta realidade.
Um grave problema, atual e futuro, são quanto ao pagamento das indenizações das benfeitorias e o reassentamentos dos ocupantes não indígenas que estão em nossas terras. Cabe a Funai a busca de solução para estas demandas. Pedimos que haja entendimentos entre os governos federal e estadual no que se refere a essa situação. Além disso, exigimos que sejam atendidas as demandas relativas as terras abaixo relacionadas:
1) Cantagalo: Cantagalo é uma das aldeias mais antigas no estado. Os estudos já foram concluídos, tudo já foi feito, mas os colonos ainda estão lá. Não aceitamos mais a demora na retirada dos ocupantes brancos. Já se passam anos da decisão do ministro e mais de 04 anos desde que a terra foi homologada pelo presidente da República, mas até agora eles estão lá. Tem famílias que estão pensando em ir embora. Além da demora na demarcação, as cercas estão abertas, e os animais dos vizinhos entram na terra e comem as plantações da comunidade indígena. A comunidade está muito desanimada com a demora. PELA URGÊNCIA DA SITUAÇÃO, DAMOS UM PRAZO DE 15 DIAS PARA A FUNAI ENCAMINHAR AS SOLUÇÕES.
2) Mato Preto: Solicitamos para que FUNAI garanta o direito a nossa terra tradicional e conclua a demarcação, uma vez que foi publicado no Diário Oficial da União dos estudos antropológicos, fundiários, históricos e ambiental. A Funai deve se posicionar quanto as contestações que foram feitas sobre os procedimento demarcatório, agilizando a análise do contraditório para a rápida publicação da portaria declaratória.
3) Irapuá: Agora que finalmente saiu a publicação de identificação e delimitação, solicitamos rapidez nos demais passos, principalmente para que possamos construir nossas casas longe da beira da estrada e dentro de nossa terra.
4) Estrela Velha: O GT do início de 2008 ainda não apresentou o resultado. A TI Kaguy Poty seria uma das mais fáceis de encaminhar a demarcação no estado, pois os não-indígenas tinham vontade de sair. Por causa da demora do GT, estão começando a mudar de idéia, e conflitos podem ocorrer, POR CAUSA DA DEMORA NOS TRABALHOS. Exigimos que a pessoa responsável pelos trabalhos seja cobrada pela FUNAI para apresentar uma solução imediata. A CEEE que tem a propriedade das terras se dispôs a transferir a titulação da área para a Funai, mas esta não manifestou nenhum interesse em resolver a situação.
5) Capivari, Lomba do Pinheiro, Estiva e Lami: Para estas antigas terras guarani foi prometido a criação de GT`s no último governo, e não foi cumprido. São situações difíceis, com pequenas áreas para muitas famílias, que aguardam há muito tempo o encaminhamento. Exigimos que o prometido seja cumprido, e essas terras sejam contempladas e demarcadas com a criação de GT`s. ESSA É A PRIORIDADE PARA 2012.
6) Itapuã, Ponta da Formiga, Morro do Coco, Arroio do Conde, Petim e Passo Grande: Estas terras estão em estudos de identificação e delimitação, desde 2008 e 2009. Estamos esperando o andamento dos estudos, e achamos que já poderiam estar mais adiantados. Solicitamos que os responsáveis e a Funai agilizem os procedimentos, pois as comunidades estão em áreas muito pequenas, e aguardam as soluções o mais rápido possível.
7) Coxilha da Cruz: Aguardamos a solução para a completa regularização da Tekoá Porá, desapropriada pelo governo estadual no ano de 2000, mas até hoje aguardando a finalização das indenizações. O governo estadual não cumpriu com o protocolo de intenções para terminar o pagamento. Atualmente a comunidade ocupa apenas a metade da área desapropriada.
8) Mata São Lorenço e Esquina Ezequiel: A Mata São Lourenço é uma das poucas áreas com matas boas na região das missões. A FUNAI deve encaminhar um GT, antes que essa mata seja terminada para dar lugar a monocultura de soja. A Esquina Ezequiel, nas margens do Arroio Piratini, deve estar junto com o GT para a Mata São Lourenço, pois também é uma área importante para a formação de aldeia na região das Missões.
9) Capi Owi: terra de ocupação tradicional localizada no município de Pelotas e que vem sendo reivindicada por terceiros que se dizem proprietários da área que está ocupada por famílias Guarani. Aquela área é uma reivindicação antiga de nossos Karaí e Kunhã Karaí, mas a Funai nunca manifestou interesse em proceder aos estudos para a comprovação de que lá é uma terra Guarani. Exigimos que a Funai crie também lá um grupo de trabalho para proceder aos estudos de identificação e delimitação da área.
10) Acampamento Arenal/Santa Maria: A situação das famílias acampadas no município de Santa Maria necessita de atenção da Funai. Estão numa pequena faixa de terra na beira da estrada, e reivindicam que a Funai crie um grupo de trabalho para a identificação e delimitação da terra reivindicada pelos Guarani.
11) Águas Brancas: Solicitamos que o processo para ocupação da TI Águas Brancas seja encaminhado, pois ela já está declarada em Portaria.
12) Duplicação das BR 290 e 116: Estamos muito preocupados com os projetos de duplicações das BRs 116 e 290. As Comunidades e acampamentos serão atingidos e os acordos feitos com o DNIT até hoje não foram cumpridos. Também sobre essas questões nossas comunidades não receberam nenhuma informação do órgão indigenista. Exigimos que a Funai se posicione contra os empreendimentos, enquanto os acordos firmados não sejam devidamente assegurados e executados.
Também queremos lembrar neste documento de nossos irmãos Kaingang que, assim como os Guarani, padecem pela falta de políticas públicas e pela falta de terra fazendo com que centenas de famílias sejam obrigadas a acampar na beira de estradas, como vem ocorrendo na região norte do estado do Rio Grande do Sul. Lembramos também daquelas famílias que são obrigadas a viver nas periferias de cidades porque o governo não assegura políticas adequadas para que elas consigam retirar o sustento através do seu trabalho nas terras já demarcadas. Apoiamos as lutas pela demarcação de terras de todas as famílias Kaingang e do povo Charrua, pois assim como nós eles enfrentam a omissão e o desrespeito dos órgãos de assistência. Apoiamos também as lutas de todas as comunidades Quilombolas, pois eles sofrem com o preconceito e com o desrespeito do poder público e de grande parte da sociedade.
Unidos, indígenas e quilombolas, nossas vozes vão ecoar para muito mais longe e nossas lutas se fortalecerão na caminhada pela garantia de nossos direitos.
Atenciosamente,
Porto Alegre, RS, 18 de abril de 2012.
Lideranças das Comunidades Guarani do RS