17/04/2012

Encontro dos Povos Indígenas de Mato Grosso começa contra retirada de direitos

Por Keka Werneck,

de Cuiabá (MT)

 

É interessante ouvir, a pouco mais de um metro, um velho índio da etnia Mỹky falar em língua própria, com muita revolta, sobre a preocupação dele (mas que não é só dele) com a afronta às reservas indígenas e à natureza, em Mato Grosso e no Brasil.

 

A etnia Mỹky é uma das 42 que vivem neste estado. Dessas pelo menos 14 estão representadas no Encontro dos Povos Indígenas de Mato Grosso, que começou nesta segunda-feira, 16, no auditório da Medicina Veterinária da Universidade Federal de Mato Grosso (Famev-UFMT), em Cuiabá. O encontro vai até esta quarta-feira, 18.

 

Além dessas etnias formalmente reconhecidas, Mato Grosso também é terra de oito povos indígenas ainda isolados, sendo que sete vivem dentro do território mato-grossense e dois na fronteira.

 

O velho Mỹky foi um dos que se manifestaram na abertura do evento, após a fala contundente da palestrante Francisca Novantino ou Chiquinha Paresi, que fez uma análise de conjuntura. “Não podemos nem contar quantos índios sangraram lutando pelos nossos direitos até a Constituição de 1988, que em seu capítulo quinto trata sobre as terras indígenas. Não podemos esquecer que a luta dos povos indígenas é uma luta mais ampla, porque contempla os interesses de todo o povo brasileiro, já que protege o meio ambiente. É uma luta que propõe uma vida melhor, mais natural, um Bem Viver”.

 

No Encontro, índios de Mato Grosso farão debates na SEMANA DE LUTO! contra a PEC 215 e outras mais de 15 que versam sobre terras indígenas, quilombolas e de comunidades originárias, em trâmite no Congresso Nacional. A PEC 215 quer reduzir reservas e ampliar áreas de plantio, transferindo para deputados e senadores a demarcação e homologação de terras indígenas, quilombolas e áreas de preservação ambiental, tarefa do executivo.

 

Em nome das comunidades negras, Emílio de Souza, do Morro Cambambe, na Chapada dos Guimarães, disse que, em relação ao movimento indígena, os quilombolas estão “engatinhando que nem tartaruga, mas firmes e conscientes de que têm direitos”. Segundo ele, quilombolas deixam o campo e vão para cidade sofrer nas periferias e “isso não é vida!”.

 

Na quarta-feira, às 9 horas, sai da praça Ulisses Guimarães uma marcha de índios, quilombolas e sem-terra, que nessa semana também fazem protestos em Cuiabá por reforma agrária. Vão direto aos poderes constituídos, para protestar juntos. Dia 19 de abril, quinta-feira, é Dia do Índio, mas o movimento indígena afirma que não há nada a comemorar, nada mesmo.

 

“Estamos com medo de perder conquistas históricas”, lamenta Gilberto Vieira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

 

Conforme Chiquinha Paresi, projetos governamentais e políticos tramam a invasão das terras indígenas “na surdina”, passando com o “trator” sobre os interesses econômicos, sobre a história indígena, além dos valores e da cultura dos povos. Segundo ela, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), seja o um, dois ou três, impacta aldeias, porque propõem grandes obras sobre elas ou em suas proximidades.

 

“O que está acontecendo com a nossa sociedade? A Constituição de 1988 está sendo rasgada na nossa frente. É a desconstrução de todos os nossos direitos. E para piorar não estamos conseguindo dialogar com o governo federal. O Governo Dilma ainda não nos recebeu nem uma única vez”, salienta a indígena.

 

A primeira coisa que talvez passe na cabeça, ao ouvir o velho Mỹky, é que o Brasil é de fato um país muito rico culturalmente. “Se tirarem nossas reservas, como vamos fazer nossas roças de milho e batata, caçar e pescar?”, perguntou o indígena, conforme tradução de um jovem da mesma etnia.

 

A segunda coisa que talvez passe na cabeça, ao ouvi-lo, é que, nas reservas, onde a dinâmica do capitalismo passa longe, o meio ambiente está seguro. O velho Mỹky também lembrou que todo o território do município onde fica a aldeia, município de Brasnorte, era do povo dele, assim como a faixa da Grande Cuiabá era terra dos Bororo.

 

Outro índio, Jair Nambiquara, de Comodoro, lembra que, quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles, os índios, já estavam aqui, sadios e felizes. “De lá para cá eles foram invadindo, invadindo, nossas terras. Foi aquela matança”.

 

“Faz muito tempo que não há uma articulação de índios como esta”, comemorou Vieira, do Cimi. É medo dessas PECs.

 

“Num piscar de olhos podemos perder nossas terras, porque são grandes as bancadas ruralista e evangélica no Congresso Nacional e elas estão articuladas contra nós”, reagiu Félix Bororo, que veio de São Félix do Araguaia para o encontro. “A Frente Indigenista, puxada pelo padre Tom (PT/RO) é pequena”.

 

Para Jair Rikbaktsá, querem acabar com os índios. “Boa parte das pessoas não gostam de nós”, lamenta, se mostrando marginalizado, embora os índios sejam brasileiros como outros quaisquer.

 

A acadêmica em enfermagem na UFMT Jurenilda Chiquitano propõe que o movimento indígena pense saídas para o longo prazo, o futuro, porque, na visão dela “se as coisas continuarem assim, nossos filhos e netos não poderá olhar para os rios que vimos, não vão conhecer nossas tradições, nem nossa cultura, enquanto deixarmos que acabem com nossa terra, nossa gente”.

 

O velho Myky diz, por fim, que é preciso falar com os “chefes grandes”, que eles também vão fenecer, caso insistam nessa política de destruição.

 

 

 

Fonte: Assessoria de Imprensa do Centro Burnier Fé e Justiça
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