16/04/2012

Nota do Conselho da Aty Guasu Guarani-Kaiowá ao Governo e Justiça Federal

Considerando o “Dia do Índio” oficial do Brasil, 19 de Abril, um dia especial em que comumente a sociedade em geral e autoridades municipais, estaduais e federais lembram-se dos indígenas, nesse contexto, nós lideranças Guarani-Kaiowá da grande assembleia Aty Guasu vimos por meio desta nota repudiar a continuidade da ameaça de morte das lideranças indígenas das terras reocupadas no  Cone Sul de Mato Grosso do Sul e pedir, mais uma vez, às autoridades federais para concluir a investigação/inquéritos de assassinato de lideranças, sobretudo solicitar a investigação da ameaça de morte das lideranças Guarani-Kaiowá. Por fim, requeremos novamente a publicação imediata dos relatórios antropológicos de identificação de todos os territórios tradicionais Guarani e Kaiowá.

 

Uma das ameaças de morte destacada das lideranças Guarani-Kaiowá ocorreu em estrada pública próximo da aldeia Pirajuí/Paranhos/MS, no dia 06 de abril do ano corrente (vide abaixo mensagem escrita pelo antropólogo e líder Guarani-Kaiowá Tonico Benites divulgada amplamente na mídia nacional e na comunidade científica das diversas universidades brasileiras).

 

Com honra, reconhecemos que o líder e professor Tonico Benites é único na história do povo Guarani-Kaiowá que conseguiu concluir mestrado em Etnologia/Antropologia Social e continuar cursando o doutorado na UFRJ. Ele foi consultor do Ministério da Educação/MEC. Como cientista social o Tonico colaborou de diversas formas com os Grupos Técnicos de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas Kaiowá em Guarani em Mato Grosso Sul. Além disso, desde criança, ele desempenha o papel importante de tradutor/intérprete de lideranças kaiowá e guarani da Aty Guasu, tomemos conhecimento que ele sofreu ameaça e está sendo ameaçado de morte, por essa razão, pedimos a segurança e proteção tanto para o Tonico Benites quanto para demais lideranças Guarani-Kaiowá ameaçadas dos territórios em conflito.

 

Além disso, nesta nota destacamos a situação mísera, perplexa e instável permanente de vida de 30 mil Guarani-Kaiowá expulsos dos territórios tradicionais que se encontram em oito Postos Indígenas/aldeias superlotadas criada entre 1915 e 1928 pelo órgão indigenista Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Há mais de cinco mil Guarani-Kaiowá despejados das terras antigas que estão dispersos nas pequenas áreas/acampamentos em conflito, nas margens das rodovias BR e nas periferias das cidades do Cone Sul de MS. De fato, a vida mísera e instável, ameaças, assassinatos, suicídios e desnutrição que atingem a nova geração Guarani e Kaiowá são o resultado direto de violentas expulsões dos indígenas dos territórios antigos praticadas por pistoleiros das fazendas do atual Cone Sul de MS ao longo das décadas de 1970 e 1980.

 

Nestas reservas/aldeias não há mais espaço, recursos naturais, mina d’ água, são superlotadas e, por conta desta superlotação, há nelas muita violência. De fato, em decorrência desses vários despejos violentos já resultaram centenas de suicídios, mortes por desnutrição em todas as reservas/aldeias superlotadas. Nestas reservas e na margem da rodovia BR não há como praticar e preservar mais nosso modo de ser e viver Guarani-Kaiowá. Diante disso que muitas famílias Guarani-Kaiowá decidiram e tentaram retornar aos territórios antigos, ocupando pequenas parcelas de terra ancestral, com o objetivo de sobreviver culturalmente e para praticar os rituais religiosos e se afastar do mundo de violências das reservas/aldeias superlotadas. Como exemplo, temos: as comunidades de Laranjeira Ñanderu – Rio Brilhantes -MS, Takuará-Juti, Kurusu Amba-Coronel Sapucaia, Guaiviry-Aral/Moreira, Guyra Roka-Caarapó, Ypo’i-Paranhos, Pyelito Kue e Mbarakay-Iguatemi entre outros. Nestes pequenos espaços reocupados por famílias extensas Guarani-Kaiowá, em que ocorre diariamente a prática de rituais religiosos, os grupos recomeçaram revitalizar as culturas tradicionais que garantem a boa vida futura. Isto não é mais possível nas reservas/aldeias e na margem das rodovias BR.

 

Já vivemos e sentimos que as consequências das ações de ameaças de morte, ataque e despejos tanto pelos pistoleiros das fazendas, quanto pela Justiça, os resultados foram, são e serão extremamente truculentos e nocivos para a nova geração Guarani-Kaiowá.  

 

Entendemos que a ameaça de morte e os assassinatos das lideranças faz parte de um processo sistemático de etnocídio/genocídio histórico. Assim, a impunidade de autores e mandantes de violências contra povos indígenas brasileiros alimentam o extermínio total do povo Guarani-Kaiowá do Cone Sul de Mato Grosso do Sul.

 

Ressaltamos que nos Guarani e Kaiowá temos uma ligação especial com o território próprio, pertencemos à determinada terra sagrada específica, não pertencemos a qualquer terra do Cone Sul de MS. Assim, a terra ocupada por nossos recentes antepassados é vista por nós como uma fundamentação de vida boa, vida em paz, sobretudo é a fonte primária de saúde, bem estar da comunidade e famílias indígenas.  Dessa forma, o nosso território ancestral é vital para nossa sobrevivência e desenvolvimento de atividades culturais que permitem a vida boa como um forte sentimento religioso de pertencimento à terra antiga, fundamentada em termos cosmológicos, sob a compreensão de que nos Guarani-Kaiowá fomos destinados, em nossa origem, como humanidade, a viver e a cuidar deste específico território antigo.

 

Diante disso, vimos através desta nota apresentar os nossos pedidos ao Governo Federal e Justiça brasileira. Nosso povo Guarani-Kaiowá quer sobreviver fisicamente e culturalmente como povo originário do Brasil. Não queremos ser extintos pela própria ação e mando dos fazendeiros e agronegócio etc. Como primeiro povo indígena do Brasil e da America do Sul, a principio, queremos ser protegidos pelo Governo Federal, Justiça brasileira e legislações internacionais.

 

Queremos que o Governo Federal e Justiça Brasileira considerem em primeiro lugar que as reservas/aldeias indígenas existentes no Cone Sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul são superlotadas, onde não há mais espaço, infraestrutura e recursos naturais para sobreviver como povo Guarani-Kaiowá. Nas margens da rodovia há diversos perigos de vida e miséria e nos acampamentos há isolamento, cerco e ameaça de pistoleiros.

 

Não queremos ver mais as nossas lideranças, os nossos parentes serem ameaçados, assassinados e expulsos dos pequenos espaços em seus territórios tradicionais, aumentando e alimentando mais violências contra o povo Guarani-Kaiowá. Por essa razão, nós lideranças e porta vozes da assembleia do Aty Guasu do povo Guarani Kaiowá do MS, nesta semana do Dia do Índio de 2012, pedimos reiteradamente, a conclusão de inquéritos policiais abertos para apurar assassinatos de lideranças Nisio Gomes, Rolindo e Genivaldo Vera entre outros e, sobretudo a punição dos autores e mandantes. Por fim, solicitamos a conclusão imediata e publicação dos relatórios antropológicos de identificação de todos os territórios tradicionais Guarani e Kaiowá em estudo.

 

Atenciosamente,

 

Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá – Dourados, 16 de abril de 2012.

 

Fonte: Cimi
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