Agroecologia – produção sem agronegócio
Produção de alimentos saudáveis e em abundância, sem agrotóxicos nem transgênicos, nos territórios indígenas e quilombolas, nas terras e territórios dos assentamentos, das populações tradicionais, na agricultura familiar. Isso é mais do que um sonho, é uma realidade em disputa, uma construção que avança através da agroecologia, da produção orgânica, da permacultura, das áreas agroflorestais e mesmo unidades da conservação. Porém é um caminho ainda árduo, enfrentado com galhardia e dignidade em meio ao mar agressivo do agronegócio, reinando absoluto, com todo apoio do atual modelo de produção agrícola, do sistema neoliberal brasileiro e mundial.
Foi neste contexto de fazer avançar, ampliar o espaço da produção agroecológica e orgânica que se realizou na semana passada, no Centro de Formação Vicente Canhas, em Luziânia, o Seminário Nacional por uma Política Nacional de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção. Foram três dias de intenso debate e discussão de uma proposta de decreto a ser aprovado pelo governo nos próximos meses. Mais de 70 pessoas ligadas a sistemas de produção agroecológica em nível nacional fizeram um grande esforço em sintetizar as propostas elaboradas e aprovadas em cinco seminários regionais.
Com muito realismo e firmeza política, apesar da constatação do avanço acelerado do agronegócio, dos retrocessos em termos dos marcos legais e mesmo projetos de alteração da Constituição (como a PEC 215, dentre muitas outras) reafirmaram a disposição de continuar fazendo avançar os sistemas de produção agroecológicos e orgânicos, cientes de que não é possível a convivência da agroecologia com o agronegócio, e seu necrófilo e destrutivo sistema de produção no campo.
Afirmaram a primazia da luta pela terra e territórios indígenas, quilombolas e das populações tradicionais e da agricultura familiar, dos assentamentos, da reforma agrária como condição para se conquistar espaços importantes que possam levar à superação do agronegócio e instituir uma forma diferente de produção de alimentos saudáveis, com uma nova forma de relação com a terra.
É claro que ainda estamos longe de conquistas como na Bolívia e outros países onde se reconhece na constituição os direitos da Mãe Terra, e a pluralidade das culturas e suas formas harmônicas e respeitosas de se relacionar com a natureza e a terra.
Territórios Indígenas, Rio+20 e Cúpula dos Povos
É importante ressaltar que o governo brasileiro está numa corrida para chegar com bons saldos para apresentar ao mundo na Rio+20. Um desses trunfos é a aprovação de um Plano Nacional de Agroecologia. Os representantes do governo, presentes no início do Seminário, não deixaram dúvidas de que alguns setores e ministérios do governo têm interesse em estimular e apoiar a agroecologia, chegando a aninhar essa proposta sob as asas do governo, porém mostraram pressa, pois esse deverá ser um dos trunfos para o grande evento mundial a se realizar no Rio, em junho, para o qual já confirmaram a presença dos presidentes e representantes de 90 países.
É bom lembrarmos que o presidente Collor também quis mostrar serviço, e dentre os trunfos um deles foi a demarcação do território Yanomami, contrariando a postura dos militares e do governo Sarney de não demarcar terras indígenas na faixa de fronteira. Quem sabe a presidente Dilma chegue à Rio+20 tendo regularizado, identificado e demarcado todas as terras e territórios dos povos Guarani no Mato Grosso do Sul e Sul do país.
Na Cúpula dos Povos, encontro paralelo ao oficial, no Rio de Janeiro, questão do agronegócio, agrotóxicos, transgênicos e territórios livres dessas pragas, será debatido e tomado posições em nível mundial contra essas barbaridades. E com certeza a realidade de negação dos territórios dos índios da Nação Guarani, nos quatro países (Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia) e a conseqüente violência e genocídio, serão cobrados pelos movimentos indígenas, sociais e populares do mundo.
Mobilização quilombolas e indígenas
“Atualmente, são mais de 5000 comunidades que reivindicam quilombolas em todo o país. Comunidades que ao longo dos quase 400 anos de escravismo e nos últimos 124, após a abolição, resistem bravamente às investidas brutais e criminosas, dos escravistas, dos latifundiários, e agora dos ruralistas do agronegócio exportador, das madeireiras, das mineradoras, do próprio Estado brasileiro, dos governos estaduais e municipais.
A questão fundiária no Brasil sempre foi tratada pelas oligarquias rurais e agrárias e pelos governos de forma reacionária, um tabu imexível, na perspectiva de mantê-los no controle dessas propriedades, cada vez maiores, através da grilagem, expulsão, atentados e assassinatos de lideranças quilombolas, indígenas, de sindicalistas e pequenos camponeses, de trabalhadores rurais sem terra, ambientalistas e religiosos solidários, sem que os governos lhes garantam a proteção de direito.
“A Articulação Nacional de Agroecologia defende a manutenção do decreto 4887, e é contrária a PEC 215, acreditando que é fundamental a garantia dos direitos territoriais das Comunidades Quilombolas, o que fortalece a Agroecologia, garantindo a diversidade cultural e biológica brasileira” (documento do Seminário Nacional da ANA – Articulação Nacional de Agroecologia).
A articulação dos povos descendentes dos quilombos e povos indígenas conclama a população brasileira a se manifestar e se unir às mobilizações para que a investida retrógrada não prevaleça no julgamento da ação de inconstitucionalidade (ADIN) que quer invalidar o processo de reconhecimento das terras e territórios quilombolas. O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal está prevista para dia 18. Para esta semana estão previstas manifestações do movimento quilombola e indígena e seus aliados, em Brasília.
Egon Heck
Povo Guarani Grande Povo
Cimi 40 anos