08/03/2012

Lideranças Pataxó Hã-Hã-Hãe se reúnem com ministra do STF para esclarecer retomadas na Bahia

Renato Santana

de Brasília (DF)

 

Os Pataxó Hã-Hã-Hãe ocupavam 18 dos 54 mil hectares da Terra Indígena Caramuru-Paraguassu, localizada entre os municípios de Itajú do Colônia, Camacã e Pau Brasil, na Bahia, até o final de 2011. Os indígenas aguardavam os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votar pela nulidade dos títulos dos ocupantes do território.

 

O restante da área, demarcada na década de 1930 do século passado, estava nas mãos de fazendeiros que, a partir de 1960, obtiveram títulos de propriedade emitidos de forma irregular pelo governo baiano – os mesmos que hoje são objeto da Ação Cível Originária (ACO) 312 do STF.

 

A partir do dia 1º de janeiro até 23 de fevereiro deste ano tudo mudou: os Pataxó Hã-Hã-Hãe retomaram 48 propriedades incidentes na terra indígena. Dos 18 mil hectares de área, os indígenas passaram a ocupar 42 mil, ainda restando 12 mil – compreendendo a região de rio Pardo.

 

Mesmo com nenhum fazendeiro agredido ou morto, tampouco funcionários das propriedades ou pistoleiros que atuam na região, informações repassadas davam conta de confrontos, violências praticadas pelos indígenas e retiradas forçadas dos ditos donos das terras.

 

Com o objetivo de esclarecer a razão das retomadas e mais uma vez pedir para que a ministra Carmem Lúcia, relatora do ACO 312, encaminhe a votação no STF, cinco caciques Pataxó Hã-Hã-Hãe estiveram reunidos com a ministra nesta quarta-feira, em Brasília.

 

“Não fizemos essas retomadas com o objetivo de pressionar o STF, mas depois que constatamos que muitas dessas fazendas em nossas áreas estavam abandonadas e outras tendo a natureza completamente destruída, optamos por retomar o que é nosso”, declarou o cacique Nailton Muniz Pataxó Hã-Hã-Hãe.

 

Manutenção de posse   

 

Outra justificativa apresentada por Nailton para as retomadas é que em muitas fazendas os indígenas já tinham a manutenção de posse, ainda sem cumprimento por parte da Polícia Federal (PF). “A fazenda Alegria, por exemplo, no município de Itajú do Colônia. Os índios estavam na posse, mas em 25 de outubro do ano passado os pistoleiros expulsaram as famílias na bala”, declara Nailton.

 

Em outros casos, como na fazenda Serrana de Ouro, também em Itajú, os Pataxó Hã-Hã-Hãe tinham a manutenção de posse, mas o fazendeiro ainda continuava no local. Conforme os indígenas, os médios e pequenos proprietários já saíram da terra demarcada. Restam apenas os grandes proprietários, cerca de meia dúzia.

 

No entanto, o abandono das propriedades era flagrante. Reginaldo Ramos Pataxó Hã-Hã-Hãe lembra que quando os índios chegavam para retomar não encontravam ninguém, no máximo um funcionário.

 

“Estava tudo destruído: casas abandonadas, a capoeira tomando os pastos”, conta Reginaldo. Nailton completa: “Vimos bodes, carneiros e morcegos, mas nenhum morador. Os que estavam no local puderam retirar seus pertences; quem tinha gado também pode levar, fosse grande ou pequeno proprietário. Quem bate o pé por nossa terra de ocupação tradicional são os grandes. Os outros sempre colocaram as propriedades à disposição da Funai”.

 

Isolados na própria terra

 

Para se ter acesso a muitas dessas áreas com manutenção de posse emitida aos indígenas – e retomadas – era preciso passar por dentro de outras fazendas. A questão é que os pistoleiros não deixavam. “A fazenda Primavera estava assim. Falávamos com a Polícia Federal (PF) e nada era feito. Então nós decidimos retomar essas outras fazendas para nossa segurança”, explica Gerson Melo Pataxó Hã-Hã-Hãe.

 

As lideranças ressaltam que a situação deixava aldeias isoladas dentro da própria terra indígena. Foi num contexto como esse que o indígena José Muniz acabou morrendo, depois de sentir fortes dores no peito durante cerca de 12 horas. Os pistoleiros repeliram à bala o transporte enviado pelo irmão do indígena, cacique Nailton, para socorrê-lo.

 

“Depois disso foram mais três retomadas, mas aí eu me pergunto: morrem índios, mas morrem fazendeiros? Não, só o meu povo é que morre. Isso não é conflito, mas massacre! De que violências dos índios estão falando, então?”, indigna-se cacique Nailton. Mais de 30 lideranças Pataxó Hã-Hã-Hãe foram assassinadas na luta pela terra desde os anos 1980.

 

Os indígenas afirmam que depois de iniciadas as retomadas, mais de 200 pistoleiros passaram a frequentar a região. A violência comum a qualquer cidade grande passou a amedrontar os pouco mais de 7 mil moradores de Itajú do Colônia. “Mataram um empregado de uma fazenda e disseram que foram os índios, mas depois os próprios fazendeiros denunciaram o pistoleiro, preso em Itajú do Colônia”, diz cacique Reginaldo.

 

Além da violência, os indígenas são acusados de levar pobreza para as cidades que abrigam a Terra Indígena Caramuru-Paraguassu por acabar com os latifúndios de ocupação irregular. Para as lideranças é ao contrário: enquanto hoje um fazendeiro emprega uns poucos funcionários, com os indígenas as áreas receberão de 10 a 20 famílias.

 

O que aponta para outra razão da onda de retomadas: o Programa de Aquisição Alimentar (PAA) gerido pelos Pataxó Hã-Hã-Hãe estava prejudicado. As cidades de Camacã, Itajú do Colônia e Pau Brasil são abastecidas pelas plantações indígenas. “Muitas famílias que dependem do PAA não podiam entregar os alimentos nas cidades. Os pistoleiros impediam. Pobreza, então, é com esses fazendeiros aqui que não deixam nada nas cidades”, ataca cacique Reginaldo.  

   

 

Laboratório de sêmen

 

Os grandes latifundiários que ocupam – ou ocupavam – parte da área da Caramuru-Paraguassu são essencialmente criadores de gado – numa média de 1500 e 3 mil cabeças. Outros plantam cacau e um deles mantém laboratório de sêmen para inseminações artificiais. São mais de 200 éguas reproduzindo cavalos de raça na terra indígena.

 

“Esses animais são muito predadores, porque comem o dia inteiro. Então com isso a mata foi destruída em muitas regiões para dar lugar aos pastos”, diagnosticou cacique Reginaldo. Para irrigar esses pastos, que também servem ao gado em outras propriedades, os latifundiários represaram os rios, acabando com a fonte de água.

 

A cacique Ilza Rodrigues Pataxó Hã-Hã-Hãe afirma que as cabeceiras dos rios estão desmatadas, com isso estão secos. Os que ainda podem ser utilizados cortam as fazendas e nesse trajeto são poluídos das mais diversas formas. “O gado morre e jogam no rio. Aquela carniça não permite que utilizemos a água para beber, tomar banho e cozinhar. Como está na área deles (latifundiários) não podemos ir tirar o bicho morto”, explica a cacique.

 

Por tudo isso, os indígenas encontram justificativas para as 48 retomadas em menos de dois meses. Para cacique Reginaldo, a quantidade de áreas reocupadas mostra a facilidade da ação dos Pataxó Hã-Hã-Hãe, revelando a ausência dos ocupantes. “A questão é que o réu nesse processo todo é o governo da Bahia. Se ele admitisse o erro de gestões passadas e indenizasse os proprietários que têm títulos estava tudo acertado”, defende cacique Nailton.

As fotos foram feitas pelo cacique Reginaldo com um celular e revelam o abandono das fazendas quando os indígenas as retomaram.

 

 

        

 

 

Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi
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