08/03/2012

Manifesto de Repúdio às atrocidades praticadas contra os Povos Indígenas – Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Brasil

Meu avô morreu (filho de Laranjeira) morreu assim e meu pai também. Querem nos tirar daqui novamente. Querem matar mais? Se é para morrer atropelado, de suicídio, morremos resistindo – morremos dentro de nosso tekoha” (Faride, liderança Guarani Kaiowá de Laranjeira Nhanderu).

 

O genocídio praticado contra os povos indígenas nos Estados de Mato Grosso (MT) e Mato Grosso do Sul (MS) prossegue em passos largos! As violências avolumam-se sistematicamente. Repudiamos a letargia dos governos estaduais e federal frente aos processos de identificação, demarcação e revisão de limites dos territórios tradicionais destes povos. Tais governos vêm cedendo, constantemente, as pressões promovidas pelo setor ruralista não efetivando os direitos constitucionais destes povos.

 

Denunciamos o cenário estarrecedor vivido por três povos em destaque: os Guarani (MS), os Xavante – Terra Indígena Marãiwatsédé e os Tapirapé – Terra Indígena Urubu Branco (MT).

 

“Tekoha”, palavra na língua do povo Guarani para referir-se a terra tradicional, não se pode traduzir para os conceitos da sociedade não indígena. Numa aproximação, poderíamos dizer lugar onde se convive, se mantém a relação com os demais e com os antepassados, onde a vida se multiplica na relação cosmológica que vai além do físico, do visível e do palpável. Contrapondo, violentamente, a esta forma de relação com a terra, os promotores do latifúndio e do agronegócio em Mato Grosso do Sul vem, progressivamente, expulsando, atacando em emboscadas e assassinando, principalmente, as lideranças Guarani Kaiowá, desde que este povo decidiu negar-se ao confinamento em micro-espaços, insuficientes para qualquer das dimensões que atribuímos ao tekoha.

 

Em Mato Grosso, uma situação igualmente preocupante e escandalizadora é vivida na Terra Indígena Marãiwatsédé, de onde os Xavante foram literalmente expulsos em 1966. Após retornarem em agosto de 2004 para seu território, passando antes dez meses à beira da estrada e mesmo depois da unanime decisão favorável no Tribunal Regional Federal de Brasília, este povo ainda não tem integralmente seu território tradicional. Nesta indefinição, postergando a retirada dos invasores do território, o Estado cria o ambiente para as ameaças, para a destruição do pouco que resta da natureza do território e contribui para que os invasores permaneçam no local. O clima de tensão persiste, com risco de acirramento do conflito com os invasores a qualquer momento. Marãiwatsédé inscreve na circunstância da mais perversa barbárie da política mato-grossense, em que testemunhamos os descalabros das invasões de terra, desmatamento, fome, doenças, abandono e violência.

 

Circunstâncias semelhantes são sofridas pela etnia Tapirapé da Terra Indígena Urubu Branco. O conflito ocorre em virtude da permanência de invasores na área norte do território indígena, que continuam a depredar impunemente a área. As ameaças são constantes contra as lideranças deste povo tendo, inclusive, ocorrido um atentado ao cacique.

 

A saga destrutiva promovida, secularmente, nos territórios indígenas pelo Estado brasileiro, visto como “terra de ninguém”, é também praticada na morosidade do seu papel de executor da justiça, assim como, na distinção feita ao alocar prerrogativas a alguns invasores sobre o inalienável direito de viver dos povos indígenas. A dominação privada dos bens, para o chamado desenvolvimento, configura-se, na prática, como excludente e elitista, que sobrepõe interesses econômicos individuais aos interesses coletivos, destruindo a biodiversidade e impedindo o acesso a terra para viver e produzir e a manutenção de modos de vida singulares.

 

Se este mesmo Estado é, em tese, a materialização da representação de seu povo, não atende, efetivamente, os anseios deste. Assim, para que o Estado contemple a maioria “marginalizada”, os signatários deste manifesto solicitam agilidade no processo de demarcação das terras guarani (MS), assim como, presteza em cumprir a lei nos casos conflitivos vividos pelos Xavante e Tapirapé (MT).

 

Lutamos por um Estado de todos nós,

que considere os Direitos Humanos e da Terra,

e mantenha viva e digna a luta de Marçal!

MARÇAL -TUPÃ GUARANI

Luiz Augusto Passos

Empresta o sangue que dança nas chamas

da liberdade que amanhece em ti!…

Marçal, Marçal, és profeta de um novo canto

De uma terra livre, sem quebrantos,

Que é compromisso dos que estão aqui!

Marçal, Marçal, tua morte só apressa o dia

Em que o alto preço desta covardia será

Cobrado pelos Guarani!

 

Cuiabá, 08 de março de 2012.

 

Assinam:

 

Associação Brasileira de Homeopatia Popular

Associação Brasileira de Saúde Popular (ABRASP / BIO SAÚDE)

Associação de Defesa dos Direitos do Cidadão, ADDC

Associação Internacional de Investigadores em Educação Ambiental – NEREA / Portugal

Associação Rondopolitana de Proteção Ambiental, ARPA

Associação Terra Indígena Xingu

Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre

Centro Burnier Fé e Justiça

Centro Acadêmico de Biologia – CABio da UNEMAT Nova Xavantina

Centro de Cultura Luís Freire – PE

Centro de Direitos Humanos João Bosco Burnier – Várzea Grande

Coletivo de Comunicadores Populares (Campinas)

Centro de Pastoral do Migrante

Coletivo Educador de Ribeirão Preto – Ipê Roxo

Coletivo Jovem de Meio Ambiente de Arenápolis-MT

Coletivo Jovem de Meio Ambiente de Cuiabá

Coletivo Jovem de Meio Ambiente de Várzea Grande

Coletivo Jovem Kairós do Mato Grosso do Sul

Comissão do Povo Chiquitano de Cáceres

Comissão Pastoral da Terra, CPT-MT

Comitê-Sul-mato-grossense para Rio +20, MS

Conselho Indigenista Missionário, CIMI-MT

Conselho Nacional do Laicato do Brasil/Mato Grosso

Entidade Nacional de Estudantes de Biologia – ENEBio/ Centro-Oeste

Entidade Nacional de Estudantes de Biologia – ENEBio/ Nova Xavantina

Escritório de Direitos Humanos da Prelazia de São Félix do Araguaia, MT

Estudantes do Doutorado em Educação da UFMT (turmas 2011, 2010 e 2009)

FASE regional MT

Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente de Desenvolvimento, FORMAD

Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, FDHT-MT

Fórum de Lutas das Entidades de Cáceres, FLEC

Fórum da Amazônia Oriental – FAOR

Grupo Cultural e Ambiental Raízes

Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar – GEPAE, USP

Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional Prof. Pedro Kitoko (GESAN)

Grupo de Pesquisa de Educação, Estudos Ambientais e Sociedade

Grupo de Pesquisa de Movimentos Sociais e Educação, GPMSE-UFMT

Grupo de Trabalho de Ecopedagogia da Faculdade de Educação – GRUTEUSP, USP

Grupo de Trabalho de Mobilização Social, GTMS

Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte, GPEA-UFMT

GT 22 – Educação Ambiental da ANPEd

Instituto ACESSO – MS

Instituto Ambiental do Maranhão

Instituto Brasil Central – IBRACE, GO

Instituto Caracol, iC

Instituto de Ecologia e Populações Tradicionais do Pantanal (ECOPANTANAL)

Instituto Gaia, MT

Instituto Indígena Maiwu

Instituto Socioambiental ÓIKOS – ISÓIKOS

Laboratório de Educação e Política Ambiental – OCA/ESALQ/USP

Mandato Coletivo

Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia

Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral – MCCE-MT

Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, MST-MT

Movimento Nacional de Direitos Humanos

Organismo Vivo

Pastoral do Migrante

Projeto 10 por hora, MT

Projeto Arte na Terra, SP

Rede Aguapé de Educação Ambiental

Rede Axe Dudu

Rede de Comunidades Tradicionais do Pantanal

Rede de Educação Ambiental de Mato Grosso do Sul, REAMS

Rede Lusófona de Educação Ambiental, REDELUSO

Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental, REMTEA

Rede Paulista de Educação Ambiental, REPEA

Rede Sul Brasileira de Educação Ambiental, REASUL

Revista Sina

Sociedade Fé e Vida

Tercer del Ferran Clua, Barcelona, Espanha

 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso
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