“O Congresso Nacional vai virar uma grande aldeia”
Renato Santana
de Brasília
Lideranças indígenas de todo o país, reunidas no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), estiveram nesta terça-feira, 6, no Congresso Nacional para iniciar as mobilizações contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal.
A Frente Parlamentar de Defesa dos Povos Indígenas recepcinou os indígenas. O deputado federal Padre Ton (PT/RO), presidente da Frente, declarou que o movimento indígena precisa se manter mobilizado, pois “eles (deputados) pensam que vocês (indígenas) são empecilhos para o desenvolvimento do país. São muitos projetos para enquadrá-los”.
Padre Ton lembrou que no Senado existe também outra PEC com o mesmo teor da 215. Ambas visam tirar do âmbito do Executivo a autorização para demarcação e homologação de terras indígenas, transferindo esse poder para o Congresso Nacional. A Fundação Nacional do Índio (Funai) continuaria responsável pelos trabalhos fundiários e antropológicos.
“O país vai parar por conta dessas PECs. O Congresso Nacional vai virar uma grande aldeia”, disse Neguinho Truká, de Pernambuco. Junto com cerca de 40 lideranças, Neguinho frisou que o movimento indígena se mobilizará e não aceitará negociações.
Na Constituinte, de acordo com a liderança, os indígenas tiveram que negociar para ter o artigo 231, específico sobre os índios. Passados quase 24 anos de sua promulgação, conforme Neguinho, o artigo não foi efetivado – tinha um prazo inicial de cinco anos – e agora o querem mudar.
“Não queremos viver de Bolsa Família, mas dentro do nosso próprio modo de vida, que não é o capitalista”, atacou Neguinho.
Evangélicos, ruralistas, madeireiros e o PMDB
Integrante da Frente, o deputado federal Luiz Couto (PT/PB) ressaltou que por trás da PEC estão ruralistas, evangélicos – por outros acordos políticos – madeireiros e o PMDB. Interesses que se misturam, mas visam um único fim: as terras indígenas para a exploração desenfreada de seus recursos. Com a PEC, tudo fica mais fácil.
Eliseu Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, ressaltou que o movimento fará mobilizações, porque “desde a invasão do Brasil os índios estão aqui e por isso temos direito e queremos o território tradicional”. As terras Kaiowá estão em processo de demarcação desde 2008.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) determinou, em relatório divulgado no último sábado, 3, que o governo brasileiro demarque as terras Kaiowá, proteja a vida dos indígenas e investigue os assassinos das lideranças. “Com a PEC, eles vão dizer que não pode demarcar tudo ou que não é para demarcar nada. Podemos recorrer ao Supremo (Tribunal Federal – STF), mas isso se arrastará por anos e anos”, disse Sandro Potiguara, da Paraíba.
Situação semelhante vive vários povos do Brasil, entre eles os Kanela do Maranhão. A liderança Armando Kanela se indignou ao dizer que as terras de seu povo aguardam há 11 anos pela demarcação, depois de Grupo de Trabalho (GT) da Funai ter realizado trabalho. “Por quê? Agora nosso território está sendo invadido por caçadores e madeireiros. Não interessa essa PEC. Vamos brigar contra”, enfatizou.
Inconstitucional
No último dia 16 de fevereiro, o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo recebeu deputados da Frente, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib) e secretário geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Leonardo Ulrich Steiner.
“O ministro foi claro: a PEC 215 é inconstitucional e que ele iria trabalhar para que ela não fosse votada. Se ela é inconstitucional, por que foi para a CCJ? Precisamos cobrar e vocês, indígenas, precisam procurar os deputados, se mobilizar”, disse Padre Ton. A Funai também já se posicionou de forma contrária a PEC.
Antônio Apinajé, do Tocantins, destacou a importância dessa articulação e não esquece: o artigo 231 na Constituição foi uma grande conquista dos indígenas e seria um retrocesso de direitos a PEC 215 ser aprovada.
“Nós vamos nos mobilizar pelo futuro de nossa gente. Minha alma chora só em pensar se isso for aprovado e por isso quero me entregar na luta, porque o sofrimento será terrível. Fazemos um apelo aos deputados que nos apóiem”, declarou emocionada Dária Krikati, do Maranhão.