05/03/2012

Carta de Jaguapiré: exigimos das autoridades governamentais e não governamentais que reconheçam nossos direitos garantidos na lei

Nós Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, reunidos em mais uma Grande Assembléia, Aty Guasu, na Terra Indígena Jaguapiré, município de Tacuru, do dia 29 de fevereiro a 03 de março, para celebrar as nossas lutas, prestar nossa homenagem e nos manifestar sobre as centenas de lideranças que tombaram na luta pela terra e pelos nossos direitos.

 

Lembramos com muita dor, respeito e carinho nosso líder religioso Nisio Gomes, assassinado recentemente num brutal ataque a seu acampamento no tekohá  Guaivyri. Com um minuto de silêncio prestamos nossa homenagem a todos os guerreiros do nosso povo que derramaram seu sangue por nossas vidas. Hoje celebramos suas memórias, renovando a esperança e alimentando a certeza da vitória, na luta pela terra, autonomia, paz e liberdade como conquistas de nossas lideranças assassinadas.

 

Com muita alegria sentimos que sempre mais gente vem nos apoiando e trazendo solidariedade as nossas Aty Guasu. Contamos com a presença da desembargadora Kenarik, da Associação dos Juízes para a Democracia, Michael, advogada de São Paulo, Mario Rivarola, vice-presidente do Conselho Continental Guarani, que é um parente nosso do Paraguai, além dos nossos parentes Terena e amigos de várias entidades de apoio. Também vieram ouvir nossas exigências e apelos, representantes de vários órgãos do governo como Paulo Maldos, Secretaria da Presidência da República, Thiago Garcia, Cilene e Érica, da Funai de Brasília, Fabiana, dos Direitos Sociais, Isabela, do Ministério da Educação, Dario – coordenador do Teko Arandu, Procurador Marco Antonio – Ministério Público Federal de Dourados, Fabio Mura – antropólogo, representando a Associação Brasileira de Antropologia. Vários diretores das nossas escolas, vereadores indígenas,  dentre outros. Também tivemos a segurança com a presença da Força Nacional e Polícia Federal.

 

Num primeiro momento fizemos a memória das nossas lutas nos últimos trinta e cinco anos, desde que iniciamos a luta de recuperação de nossos territórios, na década de setenta. Os anciões, guerreiros e lutadores desde as primeiras reuniões e planejamento de retomadas de nossas terras foram contando o quanto foi difícil cada tekohá retomado, as expulsões pelos pistoleiros, polícia e Funai algumas vezes. Cada palmo de terra reconquistado foi uma batalha, cada tekohá retomado foi uma luta de muitos anos. E o que deu essa força, inclusive para que não fossem assassinadas nossas lideranças, foi a presença forte e essencial dos Nhanderu e Nhandesi. Eles garantiram as vitórias no chão, na retomada. É essa prática que estamos buscando retomar, colocando os Nhanderu em primeiro lugar.

 

Já gastamos papel demais. Já fizemos ouvir nossa voz em várias partes do Brasil e do mundo. Por isso estamos decididos de avançar na conquista dos nossos direitos com nossas forças, união, organização, fortalecendo a Aty Guasu e o nosso Conselho da Aty Guasu, assim como os Conselhos das mulheres, dos jovens, dos nhanderu, dos professores e dos agentes de saúde. Juntos vamos conquistar o que para nós é sagrado, como nossa mãe terra e assim garantir o nosso jeito de viver e ser Guarani Kaiowá.

 

Reafirmamos nossas principais exigências e compromissos:

 

1. Continuaremos retomando nossos tekohá, nossas terras tradicionais, como único jeito de contribuir com o Estado brasileiro, para que ele pague sua dívida histórica, de muito sangue e sofrimento, reconhecendo e demarcando nossas terras.

2. Vamos dar mais 60 dias para que todos os relatórios de identificação de nossos territórios sejam publicados. Não vamos esperar quietos, vamos esperar agindo, fazendo movimento, nos unindo e organizando cada vez mais.

3. Que o governo federal inicie o mais rapidamente possível a indenização dos títulos que ele deu nas colônias agrícolas de Iguatemi, Sete Quedas e Dourados, e que estão em terras indígenas já reconhecidas, como gesto concreto de vontade política de resolver a questão da regularização de nossas terras.

4. Que o governo não conceda mais empréstimos às propriedades e empresas que tem produção dentro das terras indígenas já reconhecidas.

5. Pedimos que nas terras já reconhecidas como indígenas, os ocupantes não índios sejam retirados e nós possamos ocupá-las, enquanto os processos tramitarem na Justiça. Que o Ministério Público batalhe por isso junto à justiça.

6. Que a Polícia Federal e Guarda Nacional dêem segurança a nossas lideranças, ameaçadas, e a nossas comunidades, especialmente as que estão em situação de conflito, nas retomadas.

7. Que os inquéritos sobre os assassinatos de nossas lideranças sejam concluídos com rapidez, os responsáveis punidos, como único jeito de acabar com a situação de impunidade existente.

8. Exigimos dos órgãos competentes pelas políticas públicas de saúde e educação, que atendam e sejam mais sensíveis e responsáveis com as demandas emergenciais que atingem os Guarani kaiowa.

9. Que o governo, suas representações e instituições responsáveis pelas políticas para com os povos indígenas, se mantenham atentos às suas demandas específicas numa relação de construção conjunta onde os Guarani Kaiowá sejam ouvidos e reconhecidos em sua autonomia e diversidade cultural.

10. Exigimos das autoridades governamentais e não governamentais que reconheçam nossos direitos garantidos na lei (Constituição Federal). Queremos ser tratadas de igual para igual. Que todos os direitos escritos no papel sejam cumpridos, na educação, saúde e em termos da sociedade e da terra. Porque cansamos de ser enrolados, enganados e iludidos pelo governo federal.

 

Pedimos ao governo prioridade e urgência para os acampamentos indígenas, as áreas de conflito. Eles necessitam de atenção especial nas políticas de alimentação, segurança, saúde e educação.

 

Paulo Maldos repetiu “vocês já venceram”! Nós também temos essa certeza! Porém, acreditamos que teremos que estar sempre mais unidos na luta, guiados pelos nossos Nhanderu e Nhandesi, com sempre mais amigos e apoiadores no Brasil e no mundo para ir dando passos que garantam essa vitória, da terra e da vida do nosso povo.

 

Aldeia Jaguapiré, MS, 03 de março de 2012.

 

Fonte: Cimi - Regional Mato Grosso do Sul
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