Sustentabilidade – algumas palavras sobre o zoneamento…
Creio que o tema mais discutido nestes últimos dias em Mato Grosso, em termos de legislação ambiental, e, reflexamente, de sustentabilidade, tenha sido a decisão do juízo da Vara Especializada de Meio Ambiente da Comarca de Cuiabá, que, no âmbito da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual, concedeu a medida liminar suspendendo a execução de dispositivos essenciais do Zoneamento Socioeconômico Ecológico do Estado, publicado em abril de 2011(Lei estadual 9.523/2011).
E com razão. Aos que alegam que “a suspensão é um retrocesso”, pela suposta perda do “instrumento que dá as diretrizes do controle ambiental”, sabemos que, de fato, há que se reconhecer a perda de duas décadas de estudos técnico-científicos, e de opiniões tomadas em audiências públicas por todo o Estado.
Ocorre que tais estudos pautados em parâmetros técnicos e científicos, e as visões colhidas com a participação popular, já haviam sido dispensados bem antes, com a própria edição de substitutivo após substitutivo, sendo que o último deles (posteriormente sancionado pelo governo do Estado) já não refletia a realidade dos debates e tensões enfrentados ao longo dos anos de consultas e estudos.
O zoneamento ambiental é um dos instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e tem a função de ordenação do território, realizando um diagnóstico e um prognóstico, de modo a evidenciar suas potencialidades e fragilidades. O zoneamento implica, então, em uma decisão pública de planejamento do território, envolvendo as variáveis social, econômica e ambiental. Essas três variáveis devem ser consideradas de forma integrada e equilibrada, de modo a permitir que a proteção dos interesses da própria população seja melhor assegurada e otimizada no estado.
Daí percebemos facilmente toda a importância desse instrumento da política ambiental. Mas isto, se utilizado de uma maneira que alcance a finalidade almejada pela própria lei. Do modo como foi conduzido em Mato Grosso, há diversos vícios tanto na forma quanto no conteúdo do instrumento normativo que resultou do processo do zoneamento, qual seja, a Lei estadual 9.523/2011.
A falta de bases técnicas reflete as decisões tomadas no referido instrumento legal. Cite-se como exemplo as situações de redução, e mesmo exclusão de terras indígenas (o que, assunto à parte, nem é matéria de competência do Estado, e sim da União Federal, conforme o artigo 21, inciso XIV da nossa Constituição), redução de áreas destinadas a unidades de conservação, e áreas ditas “consolidadas” (portanto, liberadas para uso irrestrito), abrangendo nascentes importantes de diversos mananciais e reservatórios subaquáticos da região.
Como foi dito acima, o zoneamento deveria considerar, de maneira equilibrada e integrada, as variáveis social, econômica e ambiental. O que se nota, porém, é que apenas uma dessas variáveis foi privilegiada: a econômica.
Se houverem distorções no zoneamento ambiental, todas as demais políticas ambientais no estado restarão fragilizadas. E está claro que o instrumento que resultou de todo esse processo não consegue proteger o mínimo existencial ecológico, ou seja, o mínimo de proteção necessário ao meio ambiente para que haja dignidade de vida, compreendida em seu sentido amplo. Esse zoneamento que nos foi imposto não é capaz de proteger os ditos “processos ecológicos essenciais” (dever do Poder Público, pelo artigo 225, § 1º, inciso I, da Constituição Federal), necessários para a durabilidade da vida. E, por lógico, acarreta o “comprometimento da vida humana” com qualidade e dignidade, decorrente do “comprometimento dos bens e serviços naturais”, principal motivo pelo qual o juiz competente entendeu ser cabível a concessão da medida liminar suspendendo os efeitos do zoneamento.
Esta é uma grande vitória, sem dúvida. Mas é preciso lembrar que não é definitiva. Esta liminar é uma medida tomada no início do processo, mas que necessita ser confirmada na decisão final da Ação Civil Pública. Além de aguardar a decisão do processo que segue na Vara Especializada de Meio Ambiente, a própria liminar poderá (e provavelmente será) objeto de recurso por parte do Estado de Mato Grosso, em sede de agravo de instrumento. A partir do momento que o Estado for intimado da decisão, contará com o prazo de 20 dias para interpor recurso (artigo 522, combinado com artigo 188, ambos do Código de Processo Civil), podendo, inclusive, pedir a suspensão da liminar ora concedida.
Temos, então, grandes desafios pela frente. Vamos continuar na esperança, e na luta, para que tenhamos um desfecho satisfatório para a política de ordenamento territorial do estado, de modo que seja garantido o tão esperado equilíbrio entre os interesses e variáveis em jogo. É fato que, no melhor dos cenários, ficaremos, por ora, sem um instrumento normativo de ordenação do nosso território; mas, com certeza, é melhor que aceitar como legítimo um documento que traz tantos retrocessos e prejuízos para a qualidade de vida, e para a própria vida, em todas as suas formas.
Eveline é pós-graduanda em Gestão e Perícia Ambiental pela UNIC, graduada em Gestão Ambiental pelo IFMT, e acadêmica do curso de Direito da UFMT, integrando o grupo de pesquisa Jus-Clima.