15/02/2012

6º Encontro Sepé Tiarajú: fazendo memória pelos caminhos da luta e da resistência

Nos dias 05, 06 e 07 de fevereiro lideranças do povo Guarani realizaram o 6º Encontro Sepé Tiarajú no município de São Gabriel, Rio Grande do Sul. Mais de 200 pessoas das comunidades de Porãi Capivari, Nhundy Estiva, Jataity Cantagalo, Anheteguá Lomba do Pinheiro, Lami, Itapuã, Varzinha, Arroio Divisa, Arasaty Petim, Nhu Poty Passo Grande, Tekoá Porã Coxilha da Cruz, Irapuã, Arenal, Salto do Jacuí, Kaaguy Poty Estrela Velha, Koeju Inhacapetum, Arroio do Conde, Mato Preto, Guabiroba juntamente com as Kuña Karaí, os Karaí, caciques e o Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG), fizeram memória das lutas passadas e do presente. Durante o encontro os caciques, as Kuña Karaí, os Karaí, e lideranças Guarani do CAPG debateram sobre os problemas que as comunidades enfrentam, dentre eles a falta de terra, o abandono em que as famílias se encontram em função da falta de uma política de saúde e da desestruturação do órgão indigenista, a Funai.

 

Também participaram do encontro, dez lideranças Kaingang e representantes da Pastoral Ecológica e Comissão Pastoral da Terra (CPT) que organizaram uma bicicletada lembrando os caminhos de São Sepé, desde Rio Pardo até São Gabriel.

 

No ano de 2006, por ocasião dos 250 anos da morte de Sepé Tiarajú, mais de dois mil Guarani do Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia realizaram uma Aty Guasu em São Gabriel. Lá, nas terras de Ciaboaté, se reuniram de forma articulada num evento continental do povo Guarani para fazer memória das lutas e da resistência de um povo, mas também para homenagear o líder indígena, símbolo de uma história do grande povo Guarani que pretende viver em paz e harmonia numa Terra Sem Males.

 

Liderando o povo Guarani, Sepé enfrentou, no seu tempo, os dois grandes impérios da época, Espanha e Portugal, os quais tinham interesses econômicos, políticos e religiosos sobre o território indígena. Os Guarani e indígenas de outros povos não aceitaram o exílio, por isso lutaram e morreram defendendo suas terras e territórios. Sepé foi morto no dia 07 de fevereiro de 1756 e no dia 10 do mesmo ano, em Caiboaté, foram massacrados mais de 1.500 Guarani.

 

Os Guarani retomam hoje não só a memória das lutas de seus antepassados mas também projetam o futuro. Mobilizados e realizando encontros nas aldeias, acampamentos às margens das estradas e promovendo reuniões e debates com entes públicos – Funai, Sesai e MPF – as comunidades exigem que seus direitos sejam efetivamente assegurados. As lideranças expõem os problemas que os afetam cotidianamente. Infelizmente a maioria destes permanece inerte e insensível à realidade indígena.

 

No Rio Grande do Sul a situação fundiária das terras indígenas está inalterada, ou seja, não há avanços nas demarcações que estão em curso. A Funai é um órgão da administração pública inoperante e subserviente. Dentre os sete grupos de trabalho reivindicados pelos caciques Guarani e pelo CAPG, apenas dois estão em curso há mais de três anos: sendo um nas terras indígenas de Itapuã, Ponta da Formiga e Morro do Coco e outro em Passo Grande, Petim e Arroio do Conde. As informações que os servidores da Funai repassam para as comunidades Guarani é de que os estudos estão incompletos, que necessitam de ajustes. Quanto às demarcações de outras terras, a única manifestação que os administradores do órgão indigenista fazem é de que estes sairão no próximo semestre, mas esse discurso vem sendo feito há três anos, ou seja, dizem sempre que será no próximo semestre.

 

Graças à sua mística religiosa, à mobilização e articulação das comunidades Guarani este povo consegue construir sua própria história. Os escritos da época das missões jesuíticas relatam como era a vida dos Guarani nas chamadas Reduções Missioneiras, o modo de ser, de trabalhar, de se adaptar a cultura que vinha sendo imposta, as batalhas contra os exércitos. Hoje os escritos autênticos apontam para a grandiosa resistência deste povo frente ao modelo desenvolvimentista, que os submete a uma dramática realidade em que a maioria das comunidades e famílias são obrigadas a habitar a beira de estradas ou em espaços reduzidos vivendo em extremas dificuldades, sendo a principal delas a falta da terra.

 

Sem terra, dizem as lideranças indígenas, não há como se auto-sustentar, não há saúde para as crianças, não há como plantar, não há mato para tirar os remédios para as curas de enfermidades, não há espaço para o Sagrado. Em cada encontro em homenagem a Sepé Tiarajú, em São Gabriel, os Guarani fazem seus rituais a Nhanderu pedindo força, luz, caminho, rumo para seguir na luta do dia a dia. Sempre em cada encontro documentos são elaborados aos órgãos federais responsáveis, especialmente à Funai e Sesai. Tais órgãos não podem alegar o desconhecimento da realidade Guarani no sul do país, visto que muitas das vezes se fazem presentes nos encontros através de seus representantes na região. Apesar disso, não apresentam respostas concretas aos problemas e iludem os Guarani com falsas promessas.

 

Os encaminhamentos e reivindicações feitos pelos Guarani são ignorados como ocorreu no ano de 2011. As comunidades reclamam a demarcação de suas terras, querem viver em paz com a sua cultura, plantando a sua roça com as suas sementes tradicionais, querem sossego e saúde para as crianças e para os mais velhos. Saúde para os Guarani, além de sua terra demarcada, é vida digna sem mentiras, sem promessas e outros meios usados com a finalidade de escamotear o não cumprimento das garantias constitucionais das comunidades indígenas.

 

Cabe ao Governo Federal e seus órgãos responsáveis, ao menos respeitar os preceitos constitucionais e executar uma política indigenista condizente com a realidade vivenciada pelas comunidades indígenas.

 

Durante o encontro Sepé Tiarajú, os Xeramõi e Jariy (lideranças mais velhas) alertaram com preocupação que a situação está cada vez mais difícil, porque os Juruá (brancos) não os ouvem, não os vêem, não os reconhecem, não demarcam as suas terras, não atendem as suas reivindicações, não respeitam os seus direitos originários, não têm interesse, através de suas leis e estruturas da administração pública, em resolver os problemas de todas as comunidades Guarani.

 

Inspirados pelas palavras dos mais velhos, as lideranças da CAPG e caciques dos acampamentos alertaram que não podem mais acreditar nas palavras dos brancos: “Os Juruá, as autoridades governamentais, parlamentares e os representantes da Funai insistem em elaborar projetos de lei contra as demarcações de terra, com falsas palavras, por isso não se pode mais acreditar neles. Todos defendem interesses que são contrários aos direitos dos povos indígenas”.

 

Na Sanga da Bica, lugar onde foi morto Sepé Tiarajú, os Guarani entoaram cantos a Nhanderu agradecendo ao Deus verdadeiro por caminhar sempre com eles. As Kuña Karai e os Karai transmitiram aos Guarani a força de Nhanderu para as lutas do cotidiano, ressaltando a importância de estarem unidos, fortalecidos e articulados para enfrentarem os Juruá e suas falsas promessas. Seu Turíbio, um ancião de mais de 80 anos bradou alta voz: “Viva Sepé. Essa terra tem dono, essa terra tem dono, viva Sepé”, e todos os presentes acompanharam essa aclamação com esperança de que a história de resistência, a luta pela terra e a memória dos seus guerreiros e guerreiras, que tombaram em defesa da vida e do território Guarani, não serão em vão, jamais.

Rabeca Peres da Silva

Cimi Regional Sul – Equipe Porto Alegre

 

Fonte: Cimi - Regional Sul - Equipe Porto Alegre
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