Maldito latifúndio e seus arames farpados
Por Gilberto Vieira – Coordenador do Cimi Regional Mato Grosso
“Arames farpados, terras concentradas, crimes, emboscadas, balas repressão. Ai de todos aqueles que detêm nas mãos terras, bens e campos, frutos da ambição. Por Deus serão malditos, nas chamas queimarão”.
(Canto: Mataram Ezequiel)
A dura e profética mensagem acima é um fragmento de um dos cantos em memória aos ‘Mártires da Caminhada’, neste caso, em memória de padre Ezequiel Ramim[1], defensor dos camponeses e indígenas que foi assassinado pelo latifúndio em 24 de julho de 1985 na região entre Rondônia e Mato Grosso.
O canto, através de uma releitura, atualiza o grito profético cravado no texto bíblico de Isaías. Isso mesmo, na Bíblia, aquele livro com capa de cores diferentes que até mesmo muitos latifundiários têm em casa para enfeitar a estante. Dizem que até uma devota senadora do Tocantins também tem, embora seus absurdos políticos e sociais.
Tal clamor-denúncia de Isaías (Is 5,8-10) poderia sair da boca de um jovem estudante cansado das manobras do agronegócio para aprovar o Zoneamento
Quantas gargantas ainda estão secas na Amazônia e pelo Brasil afora ‘loucas’ por um brado semelhante. Isaías escreveu o texto que motiva esta reflexão há pelo menos 2.400 anos. Tão atual!
Outro profeta, aqui de perto, também nos dizia em não menos duras palavras: “Malditas sejam todas as cercas que nos impedem de viver e amar”[2]. Este último viu o maior latifúndio da América Latina, na época chamado fazenda Suiá Missú, que se instalara em território do povo Xavante. Também viu a pistolagem, bancada pelos ‘senhores’ do sertão, viu as cadeias se enchendo de despossuídos e trabalhadores morrendo em emboscadas patronais antes ou depois de receberem seu suado e mirrado salário.
Um primeiro grito há muitos séculos, outro, somando tantos outros, há 40 anos e o que mudou? Ou melhor, mudou algo?
Os fatos dão algumas respostas: indígenas Tapirapé ameaçados de morte, mais de 900 Xavante, há mais de 40 anos ainda aguardando a efetivação de seu direito àquele mesmo território transformado em latifúndio; lideranças destes e de outros povos obrigadas a reduzirem suas saídas das aldeias por causa das ameaças; lideranças Guarani-Kaiowá sofrendo atentados, outras tantas sendo assassinadas. E aqui não se pode deixar de lembrar o que o dito setor do agro-negócio vem fazendo
Também em outros segmentos sociais a situação se repete: trabalhadores rurais ameaçados, extrativistas e sem terra assassinados, quilombolas sofrendo atentados e a persistência do secular trabalho escravo.
Na orla chique e enriquecida pela exploração do mar de pobreza, articulações e manobras para se aprovar leis que beneficiam os terratenentes. Nas ruas, vergonhosas campanhas com dizeres: soja, orgulho (de quem?) ou sou agro (intoxicado?), enquanto a mesma devota senadora diz que pobre tem que comer com veneno sim.
Pouca coisa pode parecer ter mudado. Contudo, a resistência popular permanece e se renova a cada dia, a cada nova luta. Aqueles que exploram, ameaçam, ferem e matam os empobrecidos não poderão nunca matar a voz profética que desde muitos séculos ecoa pelo mundo. De Isaías, passando por Ezequiel, Josimo, Vicente, Simão, Romero, Dorothy, Rodolfo, Burnier, Marçal, Margarida, Rolindo, Nisio e tantas outras pessoas permanece a certeza de que é melhor morrer na luta e na coerência do que de fome ou cooptado pelo sistema. Estas vozes, que são muito mais que idéias, não morrem e ainda ecoam
[1] Para quem quiser ver um belo documentário sobre padre Ezequiel Ramim: http://www.youtube.com/watch?v=Cp32W8UQXJo e http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&v=mtAZ1ETmH6s&NR=1.
Também outro muito interessante: “Malditas sejam todas as cercas” http://www.cptpe.org.br/index.php/publicacoes/videos/viewvideo/60/documentarios/malditas-sejam-todas-as-cercas.html
[2] Poema de D. Pedro Casaldáliga, da Prelazia de São Félix – MT.