06/02/2012

Carta de esperança e compromisso das Pastorais do Campo

O Centro de Formação Vicente Cañas, do Conselho Indigenista Missionário, Cimi, em Luziânia, Goiás, acolheu nos dia de 4 a 5 de fevereiro de 2012, quarenta representantes das Pastorais Sociais do Campo. Sentimos bater à nossa porta a história atual das populações do campo com suas preocupações e indignações cada vez mais se avolumando no atual momento. O avanço dos projetos econômicos, nacionais e transnacionais, respaldados e, muitas vezes, patrocinados pelo Estado brasileiro, estão ameaçando os espaços de reprodução física e cultural dos povos e comunidades campesinas no Brasil. Nosso encontro foi vivido como uma urgência que finalmente realizamos, para nos conhecer mais, nos reanimar e dobrar o empenho na construção de estratégias conjuntas de enfrentamento aos desafios existentes. Os gritos que nos vêm, das florestas, das terras e territórios dos povos e das comunidades tradicionais, sobretudo por conta dos impactos e das contínuas ameaças que sofrem, exigiram de nós este primeiro momento de articulação que desejamos continuar e reforçar.

 

Recebemos a visita, e se mantiveram o tempo todo conosco, nossos ancestrais, os mártires e todos os que tombaram nas lutas antigas e recentes, em defesa da Vida. Foi emocionante e de grande responsabilidade para nós, sentir a presença deles e de suas grandes causas. Nós nos recusamos esquecê-las, pois são causas em prol de uma igreja e de uma sociedade nova e diferente. Oscar Romero, Josimo, Dorothy, Nísio Guarani-Kaiowá, Flaviano, quilombola do Charco MA… nos convidaram a olhar com fé para as novas sementes de resistência e de rebeldia que teimosamente são plantadas em todo canto da Abya Yala, a Pátria Grande, pelos povos indígenas, quilombolas, camponeses e camponesas de inúmeros territórios e culturas.

 

De fato, além destes, acompanhados por Cristo ressuscitado, entre outros entraram na aldeia que nos hospedava:

 

– os Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul, expropriados de seus territórios e de sua cidadania, massacrados, proibidos, alijados da convivência nacional;

 

– os quilombolas do Moquibom – MA, cerca de 80 quilombos que defendem e reivindicam os seus territórios, cercados pela violência do latifúndio e do Estado;

 

– os quilombos do Recôncavo Baiano do Rio dos Macacos e do São Francisco do Paraguaçu…

 

– os povos indígenas do Xingú impactados pelo absurdo e autoritário projeto de Belo Monte;

 

– os jovens, a quem se fecham os horizontes de uma vida digna e prazerosa no campo;

 

– os Guarani e sem terra do Paraguai que lutam para retomar as terras, ocupadas ilegitimamente por latifundiários brasileiros;

 

– Os indígenas da Bolívia que não aceitam e impedem no TIPNIS (Território Indígena Parque Nacional Isidoro Sécure) a construção de uma rodovia;

 

– Os campesinos de Honduras que, em Bajo Aguán, ainda aguardam uma solução para não perder a terra…

 

A narrativa viva que apareceu em nossos diálogos e em nossas reflexões projetaram, em sua crueza, imagens que, há muito tempo, estamos vendo e que a grande mídia quase não revela mais: invasões, traições da palavra, explorações, violências permanentes contra nossos irmãos quilombolas, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco, camponeses, jovens e indígenas, migrantes assalariados e escravizados …

 

Desta terra depredada e de seus filhos resistentes, vemos renovar-se a cada dia, reações e sinais de esperança. Para quem quer ver, são os sinais, do Reino, da Terra sem Males, do Sumak Kawsay (o Bem Viver Quechua) que fermentam e aquecem nossas lutas, nossas comunidades, nossas vidas.

 

Esta é a hora, agora mais do que nunca, de tecer, com os fios da história, uma só rede de solidariedade, resistência, teimosia e reação. Com a força dos pequenos, do campo e das cidades, nas ruas e nas praças, de noite e de dia. O sangue derramado pelos nossos irmãos e irmãs de luta, não foi e nem será em vão. Este é para nós o Evangelho do Ressuscitado e esta é a mística que nos faz acreditar na vitória de nossa pequena “pedra” (cfr. Daniel 2, 26-35) chamada esperança, que nasce e renasce da terra e que lançaremos, cotidianamente, contra o gigante dos pés de barro e em favor dos nossos irmãos. Esta pedra de nossa esperança é eficaz quando, com nossos compromissos unitários, reconhecemos e aceitamos a riqueza e a diversidade que o espírito de Javé faz surgir entre os pobres. Isso, da parte de nossas pastorais missionárias, implica

 

– aceitar sermos parteiros e parteiras de um mundo novo através de formas novas de vivificar nossas igrejas e nossas comunidades;

 

– exigir que o Estado deixe de iludir, reprimir e violentar, com seus aparatos, os povos que não aceitam entrar na estrutura desumana do capitalismo e dos seus latifúndios;

 

– impedir que nossas terras e territórios estejam cada vez mais monopolizados pela mineração selvagem e os monocultivos;

 

– recusar, decididamente, a canga, sempre renovada, de uma política que quer reduzir  os territórios de vida a novos feudos a serviço do lucro e  transformando-os em novos currais eleitorais para legitimar o poder concentrado;

 

– promover a participação e o protagonismo de quem, uma vez despertado para o valor da cidadania, ameaça ser novamente tolhido por uma democracia formal que mascara um autoritarismo e uma dependência deprimente de marco neocolonial.

 

Sobre nosso Brasil indígena, negro, camponês, sobre os jovens desta hora tão ameaçadora e sobre todos os que se solidarizam com outro modelo de Brasil, pedimos a benção do Deus de tantos nomes que Jesus veio nos mostrar com sua missão que é também a nossa.

 

PARTICIPANTES DO ENCONTRO DAS PASTORAIS BRASILEIRAS DO CAMPO

 

Brasília, 5 de fevereiro 2012.

 

Cimi – Conselho Indigenista Missionário

 

CPT – Comissão Pastoral da Terra,

 

PJR – Pastoral da Juventude Rural

 

SPM – Serviço Pastoral dos Migrantes

 

CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores

 

Cáritas Brasileira

 

Fonte: Cimi
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